As peripécias de João Capoeira

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Aquele dia prenunciava uma noite quente de primavera. O sol descia rumo ao horizonte enquanto os pássaros circundavam os prédios fazendo as últimas curvas para descansarem naquele final de tarde. No topo das árvores deleitavam sobre os ninhos construídos de pequenos ramos e folhas secas, enquanto as flores de um ipê desabrochavam anunciando uma nova estação. Naquele dia, perto dali, um jovem que deveria ter mais ou menos 20 anos, cabelos compridos, estilo Roberto Carlos, nariz volumoso, olhos castanhos, preocupado com os arrombamentos constantes, acomodou-se na sua banca de revistas, rodeado de mariposas que eram atraídas pelas lâmpadas fluorescentes.

As abelhas bicavam as flores colhendo o néctar para a fabricação do mel, e volta e meia, passavam rente a  cabeça do jovem, que as espantavam usando uma revista pornô. Prestava atenção naquelas criaturas de ferrão fino e sorria das travessuras delas e das suas, quando ainda criança, e ao mesmo tempo zombava de seu irmão Luiz Mauro, que certo dia, ao dormir na banca, acordou assustado com um barulho e deu um tiro na lataria  acertando do lado de fora a bunda de um jovem que praticava ato libidinoso e carícias audazes com sua namorada. Que vexame! O irmão ao abrir a porta de aço sentiu-se como se fosse um palhaço de um circo   mambembe. O jovem do lado de fora, de tão assustado, broxou e fez xixi nas calças. Parecia mais um mico de circo vestido de fralda e com cara de bobo. A manceba, uma morena de olhos verdes, vestia roupa justa e espalhafatosa mostrando as coxas e pernas torneadas.  Os sapatos verdes, bico azulado, os cabelos cacheados tipo africano, camisa vermelha desbotada com os seios à mostra, mais parecia uma garota de programa.

O jovem com o rosto esmaecido continuou por algum momento de cabeça baixa, mas de repente, suspendeu a vista e perguntou: O que aconteceu?  Com o revólver ainda soltando fumaça pelo cano esfregou a mão nos  olhos cheios de remela, mirou bem o infeliz e disse: Cara! Esta banca de revista já foi arrombada várias vezes neste ano e você teve o azar de vir fazer sacanagem com sua namorada justamente aqui. Aí você viu no que deu, hein cara!  O barulho das bolinagens me assustou e por isso dei o tiro. Pensei que era num ladrão! E olhe cara! Já são mais de três horas da madrugada e aqui não é lugar para transar. João Capoeira ao ouvir a história no dia seguinte sentiu-se livre daquele vexame, pois dias antes dormira na banca. Ele, antes de cuidar da banca adquirida por seu pai viajava por várias cidades e passava por trilhas, ruas e entrava nas casas de pessoas desconhecidas montando armários de aço e madeira.

De tão azarado, chegou a ficar trancado dentro da loja em que trabalhava em BH. Não era medroso como o irmão. E é verdade, pois todos os aventureiros como ele desenraizam seus medos enfrentando o próprio medo, mas, certo dia, na pequenina cidade de Matozinhos, em Minas Gerais, não conseguiu impor seu jeito de play boy rude, pois ao cruzar com uma jovem de cabelos longos sentiu o coração disparar, respirou ofegante para depois quedar-se diante da beleza rústica e cativante de Elza. Teve vontade de conhecer Nadir, a cunhada, mas desistiu. Casou-se com Elza esquecendo-se de Rosa uma namoradinha do Setor Pedro Ludovico. Joãozinho como é chamado pelos mais íntimos, traz no seu sangue a “capoeira” coisas herdadas da labuta de seu avô paterno, o Antonio Capoeira, um exímio roçador de mato,  experiente na lida com plantio e que andava em sua carroça com rédeas soltas, tocando sanfona com as pernas soltas ao ar. Essa destreza de caráter herdado o fez tornar insuperável, às vezes bárbaro, às vezes meigo, às vezes caridoso, às vezes de dotado de um amor fraternal.

A verdade é que neste texto, por ser pequeno meu espaço, tento mostrar de forma resumida as proezas de alguém no exercício de comércio de revistas, de sua luta insana contra a fiscalização e muitas vezes contra os próprios lojistas; mostrar a sua ira quando viu sua banca ser abalroada por um veículo desgovernado, dirigido por uma motorista embriagada; mostrar sua destreza em enfrentar assaltantes em sua fazenda, que armados de facões, feriram-lhe o corpo e para não morrer, escondeu-se no banheiro ameaçando-os com uma velha carabina; falar também da  tentativa de assalto que sofrera no Setor Pedro Ludovico, onde os ladrões apenas conseguiram acertar alguns tiros no seu Fusca ainda é pouco.
Os contratempos e adversidades o fez crescer e hoje enxerga o mundo de outra maneira; acalenta-se das desventuras sofridas com o sabor da vitória, mas  sempre mantendo o zelo profissional. Considerado bom filho tornou-se bom pai e logicamente, um vencedor e pôde ajudar sua família. João Batista da Silva, “o capoeira”, pode se orgulhar, pois sacudiu a poeira e deu a volta por cima, então, torna-se desnecessário a este escriba elaborar mais tópicos engraçados ou pitorescos sobre sua vida no afã de fazê-los perder horas rindo dos "malabarismos" que fez para sobreviver, até porque hoje vive sossegado em sua Fazenda Capoeiras, no município de Hidrolândia, respirando o ar puro das matas e ouvindo o inebriante canto dos pássaros.

1 comentários:

  1. Ti Delon, bastante fiel aos fatos e também poético. É uma justa homenagem a uma pessoa
    que sempre lutou para melhorar a situação de vida dele e da própria família.
    Parabéns.

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