Simplesmente Carolina

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Foram dias difíceis naquele hospital. Mas a vida é assim. Tem situações que parecem complicadas e custamos a entender. Pode ser incompreensível para muitos em se tratando de morte, não obstante sabermos que um dia ela virá com todo o seu mistério que jamais será desvendado porque só Deus sabe o momento de subirmos ou descer os degraus da vida, para no final, ELE abrir a porta e nos mostrar o caminho da luz. Cercada de virtuosidades mãe Carolina deixou esta terra depois de tanta luta pela sobrevivência e hoje, quando se completa sete dias de seu falecimento, senti-me tocado pela dor e saudade restando-me a  reflexão e lembrar do seu passado de muita luta e sabedoria.

Ainda menino, amparado pelos seus braços fortes, lembrei-me daquele pequeno ônibus onde a senhora, juntamente com meus oito irmãos, deixou a pequena cidade de Morrinhos, em busca de um novo lar, de uma vida melhor na Capital. Pela estrada de chão, esburacada, o ônibus seguia célere deixando para trás uma poeira fina que se esparramava com o auxílio do vento, apagando imagens de um passado como se nela tivesse impregnada a borracha do tempo e, lá dentro, sacudidos pela trepidação, outros passageiros também sonhavam com um mundo melhor, mas, receosos de não conseguirem alcançar o seu intento seguiam silenciosos. Pela fresta da janela passava o vento e em seu colo sentia a sua pureza de mãe, enquanto sua mente contabilizava os quilômetros emplacados estrada afora, e de forma sutil, seus olhos ainda tinham a sensibilidade de contemplar a natureza, cujos vales, serras e montes iam passando velozmente à medida que o veículo seguia rumo ao seu destino. O seu semblante jovem transpirava dor e saudade de nosso pai, ainda jovem, morto de forma trágica, no entanto, mesmo assim, soube manusear as rédeas do destino, frear e puxar  o cabresto que construiu usando cordas de ternura que acostava aos filhos, para, no momento certo, poder puxar, exigir ou se recusar, até de forma obstinada, qualquer coisa que lhe contrariasse ou entristecia seu coração.

Naquele ônibus, antes de afundar no seu mar de sonhos sabia que mais adiante, mesmo sem teto, não poderia se curvar diante das adversidades que surgiriam, pois teria que sustentar e agasalhar nove filhos,   talvez, fazendo faxinas em residências ou usando os carrinhos da vida para buscar peças de roupas em bairros distantes, lavá-las no tanque da integridade e pendurá-las no varal da vida sob um sol escaldante. Tempo em que talvez não tenha contabilizado; tempo que lhe consumiu o corpo e fez aparecer os     primeiros cabelos brancos protagonizados por este mesmo tempo.


Mãe, você viu os seus filhos crescerem imbuídos de responsabilidade, honestidade, dignidade e respeito ao ser humano. Mesmo doente se preocupava com tudo, cuidava de todos com esmero e carinho, servindo-se de modelo para seus filhos, netos, bisnetos e tataranetos, fazendo-os entender que o amor faz gerar sorrisos e que amar significa querer mais e mais de uma pessoa. A senhora foi assim: sempre procurou ensinar corretamente, de forma que todos pudessem compreender os seus próprios sentimentos, quando na verdade, poucos compreendiam e, muitas vezes, lhe pedia aquilo que não podia dar.

Hoje, com quase noventa e dois anos de vida você nos deixou e partiu para outra dimensão, deixando para nós, pulverizados, muitos exemplos de amor e virtudes; foi com a senhora o seu sorriso angelical, o seu jeito simples de fazer crochê e tapetes montados com retalhos de tecidos multicoloridos; foi com a senhora a vontade férrea de viver; foi com a senhora a batuta que regeu, como um maestro, a vida de cada um de seus filhos, tudo embalado pela sinfonia de sua própria vida. Mãe, todos nós reconhecemos que você deixou um legado de carinho, amor ao próximo e virtuosidade, por isso é que todos a chamam simplesmente Carolina.  Mãe, você fez de mim um homem justo e me ensinou a defender os injustiçados. E como o Padre Luiz  disse num calendário: “Há muita dor que precisa ser curada, há muito choro   sufocado, há muita injustiça para ser vencida. Em tudo isso, a certeza de que só Deus é a resposta. Deus não explica a dor, mas, na cruz, ressuscita a esperança e o amor”

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