O Carapina e o Pica-Pau

terça-feira, 11 de dezembro de 2012


Torquato era uma pessoa afável, inquieto, criativo, e extremamente curioso. Não tinha dificuldades para se concentrar. Gostava de compartilhar tudo com os outros e não conseguia guardar suas ideias só para si. Começava a tagarelar e nem se importava quem era o ouvinte. De bom astral, parecia querer competir com um inquieto e barulhento pica-pau que vivia circundando a sua carpintaria, o qual, de vez em quando, tentava com seu bico afiado furar as madeiras que ficavam amontoadas no canto do galpão. Torquato era tão tagarelo que exagerava. Tentava colocar sua vida numa realidade que não existia. As palavras que saíam de sua boca eram levadas pelo vento, sem nenhum sentido. Dizia o indizível e não conseguia controlá-las. Falava tanto que até escumava o canto da boca. 

Com exceção a de ser tagarelo, na sua vida não havia excesso e consagrava-a a Deus. Durante muitos anos trabalhou com afinco na sua carpintaria; beneficiava a madeira com paciência, cortava-a e lavrava em peças com esmero, e a maioria era utilizada nas coberturas, soalhos e forros. Era costume, antes de manusear a madeira, ler a Bíblia e louvar ao Senhor. Fazia orações todos os dias, mas apesar de toda essa dedicação nada parecia dar certo em sua vida e a situação financeira aumentava a cada dia. Mas, numa bela tarde, o pica-pau sobrevoou o galpão, desta vez assentou-se comportadamente sobre um pedaço de madeira e com os olhos lânguidos, parecia se compadecer da situação difícil daquele carapina. Torquato ficou observando o bichinho imponente de topete vermelho e achou estranha a quietude daquele pássaro, justamente depois de uma estilingada que lhe dera ao amanhecer para se livrar do barulho que fazia no quintal. Como resolvera se tornar um homem temente a Deus não o molestou, mas, continuou observando.  Aquela pequena ave parecia admirá-lo, queria ajudá-lo e fortalecer sua fé, mas apesar de ser um bom profissional e crer no mundo espiritual até aquele dia não sentira uma melhora financeira, vivia de minguados serviços.

Torquato ficou observando atentamente e a ave permanecia quieta. De repente levantou outro voo e acomodou-se sobre uma linda cruz de madeira. Queria lhe chamar a atenção, dar-lhe um sinal que estranhamente parecia moldar-se sobre a cruz. Procurando entender o que estava acontecendo abriu novamente a Bíblia que estava sobre uma mesinha e leu o primeiro texto que apareceu diante de seus olhos. Compassadamente foi absorvendo cada palavra e aí começou a compreender que Deus tem propósitos para tudo e que todas as coisas concorrem para o bem daqueles que o ama. E Torquato desconfiou que aquela ave estivesse sendo usada para lhe trazer uma mensagem e passou a olhá-la com admiração, não a molestou e assim ela permanecia firme. Então, vendo a oportunidade começou a conversar com o pica-pau: “Amigo você deve ter vindo de um reino encantado e sempre o recebi nesta oficina com muita raiva, talvez pelo barulho que você faz, mas hoje, dou a mão à palmatória e até entendo que queiras me imitar, pois de certo modo, trabalhamos com madeira. Perdoa-me, haja vista que, sem piedade, lhe atirava pedras com aquele estilingue, talvez até não desejando, ato que me doía o coração. Hoje passei a entender que a oficina inteira era só barulho e comparativamente ao seu, é insignificante. Mas, hoje quero mudar meu comportamento, fechar a boca e construir uma nova vida, pois você me fez ver isso e para mim já é suficiente.”.

Torquato, pela primeira vez deu uma pausa, pensou e concluiu: “Sei que Deus está me colocando no fogo das aflições. Então, vou procurar aceitar as “bicadas” que a vida me dá. Às vezes sinto-me tão frio e insensível como o pó ou a lasca que sai da madeira. Não é fácil, mas a única coisa que peço a Deus é que não desista até que eu seja o que Ele espera de mim. Que leve o tempo que precisar, mas jamais quero ser um lixo como aquela serragem, ou as migalhas de ferros retorcidos e restos de madeira que só servirão para ser derretidos em fornos ou queimadas num fogão de lenha”.

Cabisbaixo, abriu novamente a Bíblica e leu em voz alta para que a pequena ave ouvisse e até servisse como um pedido de perdão: “Minha graça é suficiente para você, pois o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza. Portanto, eu me gloriarei ainda mais alegremente em minhas fraquezas, para que o poder de Cristo repouse em mim. Por isso, por amor de Cristo, regozijo-me nas fraquezas, nos insultos, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias. Pois, quando sou fraco é que sou forte.” (Coríntios 12.9:10). Nem bem terminou de fazer a leitura uma antiga cliente adentrou ao galpão, encomendando-lhe muitos móveis rústicos e peças ornamentais dizendo que sempre elogiou seu belo trabalho de carapina aos amigos. O pica-pau ao ouvir ficou em júbilo, bicou suavemente a cruz três vezes e levantou um voo rasante atravessando o quadriculado da janela. Em poucos segundos desapareceu no horizonte e a partir daquele dia a clientela de Torquato se multiplicou.

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