Mãos mágicas no Reino do Pincéis.

terça-feira, 10 de março de 2015


Dia 10 de março, um dia que não parecia comum. Ventava e chovia uma barbaridade. A chuva se debatia fortemente no vidro da janela auxiliada pela força do vento. Levantei-me devagarzinho, mas no pensamento havia a intenção de escrever e falar sobre os artistas plásticos que homenageavam os 35 anos de fundação do Diário da Manhã, assim como, falar das pinceladas mágicas e contar-lhes o que eu sonhei naquela noite. Com o pensamento indo e vindo na velocidade da luz, este me trazia flashes de um andarilho que seguia sem rumo, a esmo, numa estrada deserta. Tinha pressa, mas não sabia por quê. Mal tinha adentrado à estrada, o vento, que já era rijo, algum minuto depois soprou com mais violência; logo depois principiou a chover grosso, a tarde ficou ríspida. Tentei me esconder, mas não vi nenhum abrigo e nem era possível recuar.

Verdadeiramente aquele caminho parecia ser uma charada, via tantas imagens desconcertantes, coisas inusitadas, inexplicáveis, mas a placa logo adiante amenizou meu coração, deixou-me mais calmo. Ela dizia: Bem-vindo ao Reino dos Pincéis e logo adiante, um exuberante castelo medieval. Não sei como explicar mais me abateu alegria imensa que me excitou. Talvez seja porque sou como aqueles atores que encenam no teatro da vida, que fazem do seu trabalho uma arte, às vezes real, às vezes surreal, às vezes dotado de comédia, às vezes em drama, e os colegas em grande gala oferecendo em cena o retrato falado de alguém pincelando com pincéis mágicos, capazes de nos deixar boquiabertos, atônitos e encantados diante das expressões surrealistas que funcionam como uma distração e nos fazem esquecer nossos problemas cotidianos. É um jeito especial que o artista usa para expressar com as mãos o que a sua mente imagina do mundo real ou surreal.

Passei por aquele portal que mais parecia um quadro. Na realidade passei dentro de um quadro mesmo, moldurado por duas estacas de madeira nobre, e do lado de lá, fui recepcionado por um jovem que todos chamavam PX. Não era nenhum código, era PX mesmo! Logo atrás, quantos amigos, quantos mestres das artes plásticas. Quantas obras de arte expostas se contrastavam com o mundo inóspito. Quantas obras sem imposição de regras ou estilo contornavam corredores imaginários, sem as desrespeitar, mas nunca se deixando de ir mais longe quem as criou, usando suas asas imaginárias para alcançar o inusitado, o improvável. Naquele Reino aqueles mestres da arte revelavam-se uma força potentíssima, uma majestade inesgotável de energia, uma variedade de cores e ordem na criação das coisas. Esculturas belíssimas, quadros, telas ora feitas em papel pinho, ora com cores fortes e traços marcantes, ora traços leves e sutis, ora exóticas, ora surreais, ora utópicas, ora em aquarelas, ora com temas populares e religiosos, retratavam a perfeição e imperfeição do homem, da natureza e do próprio mundo, da indefinição dos rostos e corpos humanos, dos casebres, palácios e rios, mas todos de bom gosto, cujos detalhes surrealistas só as mãos mágicas daqueles artistas podiam criar.

Uma lágrima desceu! Que nada! Uma lágrima foi pouco quis dizer várias! Nunca teria lágrima única diante de tanta beleza exposta do outro lado! Gente, se tudo em sonho é possível, então eu sonhei atravessando uma tela! Foi incrível! Infelizmente, como tudo é possível e a gente não domina o sonho, do lado de lá não consegui que as minhas lágrimas não se transformassem em dilúvio a tal ponto de não evitar o alagamento daquele Reino. Todavia, tudo pode acontecer e secar, quando os anjos veem alguma coisa nos olhos da gente e sabem que são apenas gotas solitárias, que jamais pode destruir um mundo tão belo e povoado por artistas, seres que nos alegram com suas pinturas, obras que o homem inventa para o mundo em que vive. Lágrimas caíram, mas logo o pranto logo foi desfeito, sem lamentos e quando desfeitos, foram levados pelos ventos impetuosos, contra os quais nada podia fazer nem as árvores e flores que se contorciam naquela estrada de chão. 

Creiam-me artistas de mãos mágicas, não há telas insolúveis ou indecifráveis. Tudo neste mundo nasce com a sua explicação em si mesmo; a questão é saber como nasce. Nem tudo que a gente faz se explica desde logo, é verdade; o tempo do artista varia, mas haja paciência, firmeza e sagacidade para chegar-se-á à decifração de sua própria arte. Eu se algum dia for promovido de cronista a artista da pintura ou do barro, afirmo que, além de trazer um estilo próprio, bárbaro ou rústico, não deixarei nada por explicar, qualquer que seja a dificuldade aparente, ainda que seja exigido por meu mestre Elifas ou por tantos outros que homenagearam e que no dia 10 de março, dois dias antes do aniversário do Diário da Manhã, ilustraram o meu sonho. Como cronista, posso achar explicações fáceis e naturais sobre o que fiz e faço; mas, infelizmente, são os ócios do ofício do artista e ele tem a obrigação perante a história de demonstrar o seu discernimento, a profundeza de sua arte e não se contentar com coisas próximas, simples e indecifráveis. Fundo eu iria e penetraria nas profundezas dessa arte...

Procuro ser justo, e não gosto de ver o fraco esmagado pelo forte. Além disso, nasci com certo orgulho e sei que um dia ele morrerá comigo. Não gosto que os fatos nem os homens se imponham por si mesmos. Tenho horror a toda superioridade que às vezes também ocorrem no mundo das artes. Aos justos, eu é que os hei de enfeitar vários adjetivos, uma reminiscência clássica e com ou mais padrões de estilo. Os fatos que narro deles, eu é que os hei de declarar transcendentes; os homens e mulheres artistas que encontrei no Reino dos Pincéis, se me permitirem, eu é que os hei de aclamar extraordinários.

Para um escriba que ora escreve coisas miúdas, nada há pior que topar com o cadáver de uma pessoa importante. Nada há pior que julgá-lo por nunca ter tido sucesso; para louvá-lo temos de trocar de estilo, sair da vala comum da vida e sermos nós mesmos. Para nós bastam às qualidades pessoais de quem se foi para outra dimensão, a sua bravura, o patriotismo e virtudes. Tudo isso pede estilo solene, fato que não falta a um escriba que escreve coisas miúdas. Como qualquer artista, eu não sou homem que recuse elogios. Amo-os; eles fazem bem à alma e até ao corpo. As melhores digestões da minha vida são as dos jantares em que sou brindado por pessoas amigas. Mas confesso que desta vez, preocupado com o sonho que tive, sequer saboreei o nascer do sol; fiquei encantado e ao mesmo tempo espantado com o que vi naquele Reino e senti que devia contar detalhes desse sonho. Na realidade, não faço mais que apontar as qualidades do artista goiano o que significa também que eu os defendi mesmo no meu sonho.

Sempre que entrevia uma ideia, uma significação oculta em qualquer objeto fica a tal ponto absorto o meu pensamento que sou capaz de passar horas sem comer e nem fome sinto. Agora, sentado diante de minha escrivaninha, a meditar, vejo que é momento de finalizar a crônica, no entanto, ocorre-me que devo pedir desculpas por não citar os nomes dos artistas goianos que passaram pela coluna do Diário da Manhã que são muitos, pois a página que me cede jornal é pequena e não caberiam todos os nomes. Se entenderem que a arte é uma coisa imprevisível, uma descoberta, uma invenção da vida, abstrata ou não, que nos move, nos eleva, nos transporta a um mundo surreal, é lógico, nos deixam encantados e fascinados pela vida, então, apenas peço que usem o mundo da imaginação e façam de conta que os seus nomes estão aqui citados, e depois de lerem, saboreiem cada palavra se acharem que esta crônica é uma arte.



1 comentários:

  1. Meu caro amigo Vanderlan Domingos, um texto assim tonifica a alma de todo artista, pois sua sensibilidade de penetrar no mundo onírico com paixão e respeito ao demiurgo enternece e enobrece nossa alma...Você bem poderia dedicar ao mundo da Critica de Arte...este mundo arrebatado por tantos epidérmicos que se julgam entendedor do metier, mas não passa de embusteiros metidos a CURADORES...salvo alguns que respeito!

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