A bisneta de minha cegonha.

terça-feira, 23 de junho de 2015

Não sei como aconteceu, mas desde pequenino minha mãe dizia que foi uma cegonha que me deixou lá pelas bandas da Fazenda São Domingos dos Olhos D’água. E lá antes de me tornar adolescente eu fui paparicado por toda a família e depois, meus pais mudaram para a cidade de Morrinhos. Mais crescidinho, fiquei sabendo que uma senhora tinha ajudado minha mãe durante o parto. Bem, se teve parteira, então elas mentiram para mim dizendo que uma cegonha tinha me trazido num voo alado, esquisito, mas, mesmo assim, insistiam que a aquela ave me deixou lá, bem bonito, sobre um colchão e lençol com cheiros de jasmim. Eu em tudo acreditava. Depois passei a entender que o meu mundo realmente era esse e muito bem cuidado. De lá para cá, entre trancos e barrancos, já se passaram décadas desde que saí do útero da minha mãe, e não do bico da cegonha como me contaram, tempo que me abstenho de contar. Num certo dia, já bem grandinho e como era comum à época, um padre jogou água na minha cabeça molhando os meus cabelos loiros dizendo algumas palavras engraçadas. Pronto! Eu estava consagrado a Deus! E o pior, como eu já estava realmente grandinho e nem me perguntaram se queria aquilo, entendia que tudo não passava de uma conspiração contra o meu "livre arbítrio". 

Assim fui crescendo, sem mimos, sem pai, que falecera ainda jovem, e entre uma birra e outra, coisa teatral de menino esperto, sempre me lembrando da parteira que dizia ter-me recebido embrulhado numa fralda pendurada no bico de uma cegonha, que sabia ser mentira, mas logicamente, as suas palavras trariam no futuro algum sentido a minha vida.  A cegonha que dizia ter-me trazido lá do céu não fez voo cego e também deve ter vindo em forma de Espírito Santo deleitando-me carinhosamente no útero de minha mãe. Os anos se passaram e hoje dúvidas não pairam mais e nem busco respostas para querer endireitar a história. Todavia, entendia que não deveria ser assim, afinal, mesmo sem que eu soubesse, tinha nascido crente na existência Deus e acho que ninguém duvida, porque até aqueles que se dizem serem ateus, quando prestes a sofrerem um acidente ou um susto repentino, dizem: Meu Deus do céu! “Minha Nossa Senhora! De minha parte, a única coisa que não podiam e nem podem discordar é que eu era e continuo católico, afinal eu nasci de mãe e família ligadas à igreja católica, então por que ir contra a natureza de quem acredita em Deus. Fui criado assim forçado a acreditar, sem nenhuma opção, sem o "livre arbítrio". Um dia, para escrever um livro de cunho religioso que intitulei “Espelho das Águas”, tive a bela idéia ou quiçá, a obrigatoriedade de ler a Bíblia, não que eu já não a tivesse lido, mas, em razão dessa obra, achei-me na obrigação de ler tudo. Então crente na existência de Deus que eu já cria, aumentou ainda mais sem maiores contratempos. 

Mas, a lenda da cegonha que a parteira resolvera me injetar na cabeça, tinha que voltar à tona neste texto em razão dos últimos acontecimentos que me deixaram apreensivo.

Dizia ela que tempos idos, num Reino que a parteira não se lembrava mais, havia uma mulher que gostava muito de crianças. Ela era amiga de um famoso médico ortopedista que casara com uma mulher infértil, situação que o deixava desnorteado porque ginecologia não era a sua especialidade. O problema é que a sua mulher não poderia engravidar, embora este fosse seu maior sonho. Ela que gostava muito de crianças certo dia ficou sabendo de uma situação idêntica à sua numa região não muito longe de sua cidade e aí resolveu procurar por um bebê abandonado. Acompanhada por uma escolta de escravos andou e caminhou incansavelmente, mas não encontrou nenhum rebento. Como estava exausta, decidiu pegar um barco, atravessar rio e ir ao Reino das Cegonhas, mas, de repente, ela viu uma cesta flutuando e nela uma recém-nascida, linda, de olhos azuis. A mulher não perdeu tempo e levou a criança até o esposo que, felizes, adotaram o bebê. 

O mandatário maior do Reino das Cegonhas ao saber daquela situação ficou furioso e para castigar aquela senhora chamou um feiticeiro e pediu que a transformasse numa cegonha, e como forma de aumentar a minha tensão, a parteira disse, na maior cara de pau e achando que eu era bobo, que a partir daquela dia, aquela "mulher cegonha" passou a encontrar bebês abandonados e levar para as mulheres que não podiam ter filhos.

O tempo se passou e esta lenda que veio além de mais além chegou até a região de São Domingos dos Olhos D’água onde nasci e com certeza, a história veio com muita
s alterações. Se correto ou não, a parteira continuou com sua narrativa... “Naquele Reino, com vergonha de contar de como nasciam os bebês, as mães quando davam à luz diziam aos filhos que as crianças eram trazidas pela cegonha e era a forma que elas achavam para justificar o aparecimento repentino de um novo membro na família e isso veio passando de geração a geração. E o curioso é que para explicar o descanso da mãe depois do parto e o quarto sujo de sangue, elas falavam aos filhos que a cegonha tinha bicado as suas pernas”. 

Diz à lenda que quando uma cegonha faz ninho na chaminé de uma casa é sinal de que uma das mulheres ficará grávida logo. Ainda bem que é só lenda! A maioria das mulheres hoje mora em apartamentos e os prédios não têm chaminés. E foi em razão deste pequeno detalhe impregnado na região recôndita do meu cérebro é que me fez sonhar com uma cegonha, até conversar com ela e no final da conversa, me deixar surpreso quando disse: “Não sou a cegonha que te levou até sua mãe. Sou a bisneta dela e hoje sou responsável para levar estes bebês, ora enfileirados neste imenso berçário. Veja aqueles berços ali, têm gêmeos e são seus netos Davi e Letícia. Estou aguardando autorização para levantar voo e levá-los para sua filha. Ela é merecedora. Sei que orou e fez promessas para que isso acontecesse, mas, não tenha pressa porque Deus te escutou e atendeu suas preces. Agora me despeço porque tenho que alçar outro voo para levar aquele bebê-príncipe até o Reino das Astúrias”. Fui!...


1 comentários:

  1. A cegonha pode ser lenda, mas a parteira e sua mãe trouxeram ao mundo um homem de coração puro e generoso....E o melhor de tudo, usa as mãos para escrever o que a alma está cheia.... Parabéns meu amigo!!!!

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