Cronistas à deriva.

sábado, 27 de fevereiro de 2016

No ano de 2015, em uma crônica, fiz um breve comentário dizendo nas entrelinhas o quão é difícil o fazer literário. E mais difícil ainda é quando delineamos o tempo para conduzir as palavras pelos meandros do texto para que uma crônica não seja apenas mais uma ou uma entre tantas outras que se publicam diariamente em revistas e jornais. Escrever é como andar sobre pedras pontiagudas sem senti-las. E quando escrevemos temos que fazer de tudo para evitar que fiquemos à deriva, seja por efeito de um deslize na forma de escrever, seja também na formatação ou finalização do próprio texto para que o mesmo não fique se nexo. Quanto às pedras no caminho hão de convir que elas existam, dificultam e impedem a nossa passagem de um estágio a outro e não importando em qual momento. Vencendo-as, no entanto, e ultrapassando-as, deslocando-as do caminho, haverá inevitavelmente a descoberta da realidade da vida, por mais cruel que for.

O dicionário define a crônica como uma narração curta, produzida essencialmente para ser veiculada na imprensa, seja nas páginas de uma revista, seja nas de jornais. Possui assim uma finalidade utilitária e predeterminada: agradar aos leitores dentro de um espaço sempre igual e com a mesma localização, criando-se assim, no transcurso dos dias ou das semanas, uma familiaridade entre o escritor e aqueles que o leem. O cronista se inspira nos acontecimentos diários, que constituem a base da crônica. Entretanto, há elementos que distinguem um texto do outro. Após cercar-se desses acontecimentos diários, o cronista dá-lhe um toque próprio, incluindo em seu texto elementos como: ficção, fantasia, imaginação, surrealismo e ceticismo, elementos que um texto essencialmente informativo não contém, mas quando se inclui esses elementos essenciais, e com perfeccionismo, jamais o cronista ficará à deriva.  De outra parte, cronista pode ser considerado o poeta dos acontecimentos do dia a dia. A crônica, na maioria dos casos, é um texto curto e narrado em primeira pessoa, ou seja, o próprio escritor está "dialogando" com o leitor. Isso faz com que a crônica apresente uma visão totalmente pessoal de um determinado assunto: a visão do cronista. Ao desenvolver seu estilo e ao selecionar as palavras que utiliza em seu texto, o cronista está transmitindo ao leitor a sua visão, a forma que vê a vida e como enxerga de mundo. Ele está, na verdade, expondo a sua forma pessoal de compreender os acontecimentos que o cercam.

Eu penso assim: Um cronista é como um rio, ora pode ser largo, ora estreito, pois cabe no seu leito apenas aquilo pode ser dirigido, orientado de modo a não colidir com outros objetos que porventura naveguem no mesmo espaço. No entanto, se uma simples canoa se encontrar à deriva e não tiver timoneiro, ela será arrastada pela corrente e será um perigo constante para os que no mesmo espaço navegam. No que tange ao cronista é nessa comparação que se vislumbra também certo perigo, fato que ele deve atentar-se, dirigindo a leitura de forma suave, agradável, concisa, inteligente, de forma que venha alcançar o coração e compreensão dos leitores.

Um rio navegável, não muito largo, não muito comprido, mas repleto de canoas, barcos e outras embarcações afins, com pessoas a bordo em busca de um porto seguro onde se abrigam temporariamente, mas sem um timoneiro que os guie, causaria uma confusão tremenda, assim como, também, comparativamente, seria uma tremenda confusão se o cronista fizesse de seu texto uma salada mista sem tempero acompanhado de um amontoado de letras salgadas com uma finalização sem nexo ou conclusão que satisfaça ao leitor. No entanto, internamente, as embarcações lutam para encontrar um comandante capaz de ler uma carta náutica, de interpretar mapas, de traçar os rumos que as levarão a um porto seguro. Já o cronista depende somente dele, mas em sã consciência ele sempre pretende saber mais do que realmente sabe, mas isso é bom, pois exigirá dele muita pesquisa. Como dirigir um barco destes? Como escrever uma crônica que satisfaça a maioria? O cronista às vezes precisa de tempo. O barqueiro treinado e experiente não. São situações nunca imaginadas. Quem diria?! Agora, o cronista já com rumo certo, assim como, os timoneiros, são óbvios que cada um vai procurar encontrar o seu rumo e a seu modo encontrar o porto onde pretendem desembarcar. Durante muito tempo barcos andaram a deriva procurando o comandante certo. Mas quanto ao cronista, navegador de rio tão pequeno, mas rico que é a escrita, onde muitas pessoas navegam em busca do saber, é preciso ter em conta o espaço cultural e material de leitura condizente com a realidade para não haver colisões intelectuais! Entretanto, cá entre nós, o melhor é não se aproximarem muito de um cronista quando está em fase de fuga intelectual, atormentado com alguma coisa ou em um precário desenvolvimento do texto. Ao vê-lo assim, num porto inseguro, peguem um atalho e se não puder, desviem-se dos que vêm em sentido contrário. Todo cuidado é pouco com um cronista à deriva!


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