Nina e as gotas de orvalho

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Sentado no mourão da porteira respirava ar puro e o meu corpo recepcionava uma chuva fina, mas intermitente. O sol timidamente voltava a aquecer as gotículas de orvalho que dançavam sobre as folhas e pétalas das flores que circundavam o moirão. Apenas uma lembrança, não, uma sensação percorria minhas entranhas e chegava ao coração. Talvez algo que não me incomodasse tanto, mas latejava o tempo todo que não me deixava esquecer aquela bela menina da cidade de Pontal.

Desci do mourão, mas o que fazer? Mobilizei-me rumo às flores e dirige-me ao campo tentando segurar a mim mesmo, pois um movimento interno aos poucos foi tomando forma, se firmando, até explodir como a um pensamento, como a uma verdade subconsciente impregnada na região recôndita do meu cérebro, interiorizada, que ia brotando aos poucos. E depois de tantas caminhadas por este mundão de meu Deus, de ver tantas portas se abrir e fechar, numa delas eu a encontrei, ela estava lá, de braços abertos como aquela gota de orvalho que tinha se impregnado naquela folha ao lado do mourão da porteira e que eu tanto apreciava. E, que prazer eu senti, que delicia ter ouvido sua voz. Fiquei estático como aquela pequena gota do orvalho junto ao mourão da porteira. As folhas que caíram com a brisa, tão frias, do primeiro sopro do dia foram levadas pelo vento. Pensativo e com o pensamento alhures, abri os olhos e os agucei rumo ao horizonte. O sol ainda não havia nascido, e tão belo era o horizonte avermelhado e as nuvens, pequenas e esparsas que coloriam a atmosfera com os primeiros raios de sol. Abri os braços e me perdi na imensidão do céu, senti o calor do sol tocando minha pele e o regozijo das arvores que dançavam ao sentir o vento delicado que vinha do sul, derrubando as únicas folhas secas que pareciam gritar em meu ouvido, “acorde, estamos já num novo dia!”.

Desci do mourão e adentrei-me ao casarão feito de assoalho de tábuas e paredes de puro adobe. Na sala me abracei no espelho. Voltei meus olhos rumo à janela e ainda vi sutis gotas de orvalho escorrer levemente sobre o portal. Fui até o quarto e dormi profundamente. Horas depois uma translúcida luz que vinha do céu passou pela vão da janela despertando-me de vez e o amanhecer ao longe surgia. Levantei e soltei um sorriso repleto de mim mesmo, daqueles autênticos vindos da alma, depois saí e massageie minha mente. Viajei no mundo da imaginação. Fui à busca daquilo que sempre sonhei e à busca de mim mesmo. Meus olhos brilhavam, o tempo passava lentamente, o dia tornou-se gigantesco e a noite sem pressa apareceu detrás dos montes. Pássaros em final de tarde cantavam sons tão suaves que tornava aquele rincão mais aprazível, trazendo a brisa mais refrescante e a noite mais amena. A natureza é assim mesmo, pois quando amamos a vida ela nos ama de volta, quando a gente faz bem, ela nos traz o bem, quando preenchemos o vazio, ela afasta a solidão. Por isso, em qualquer lugar que estiver ame-se. Seja dia frio ou chuvoso, ame-se. Sendo quente ou abafado, ame-se. Pois um dia de tanto se amar as pessoas também aprenderão a se amar, assim é a vida, viva o bem, pois como diz o ditado: que mal tem?

Quando se fala em amor pode passar dias, meses, anos e séculos e sua janela jamais estará vazia de gotas de orvalho que escorrerão sobre sua madeira e no fim verás um mar azul; sua mente voará sem asas prevendo o seu futuro e o trará entrelaçado entre seus dedos. Tudo isso é a sintonia do universo que pairará sobre sua essência e algo lhe dirá que um raio de sol se abrir timidamente trazendo-lhe do resplendor azul toda sua vida que talvez nem a viu passar, mas passou, assim como, todos seus suspiros que se ecoaram pelo universo afora, mas certo de que ele trará alguma “coisa” em forma de mulher, que timidamente, se aproximará de seu jeito acanhado, de seus medos e suas dores e aflições que se misturarão com a sensação tão bem captada pelo coração. Naquele rincão algo me dizia que Nina, aquela menina-moça passaria o resto dos seus dias comigo, mas não sabia se para sempre, mas mesmo que ela não esteja presente aqui na terra o meu mantra continuará viajando sobre constelações sempre a observá-la.

O tempo passou e pouco vou a aquele moirão da porteira. Hoje sou como aquelas gotas de orvalho que precisam da leveza do vento, da amena tempestade, da delicadeza do orvalho, da firmeza do sol, da pureza da chuva, da imensidão do rio, da calmaria humana e da sensibilidade da lágrima, enfim, sendo eu simples poeta, que dizem imortal, preciso muitas vezes ter a grandeza de um oceano que é capaz de alcançar horizontes onde todos produzem substâncias simples, mas potentes o bastante para transformar e se adequar as situações mais inusitadas.


2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. "...preciso muitas vezes ter a grandeza de um oceano que é capaz de alcançar horizontes onde todos produzem substâncias simples, mas potentes o bastante para transformar e se adequar as situações mais inusitadas."
    Quão bom seria podermos chegar a esse nível de amadurecimento mais cedo em nosso viver...

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