Uma jovem de passos miúdos, estatura mediana e elegante adentra e anda pela sala, olha para os lados e cumprimenta os colegas de trabalho com um sorriso singular, infantil. Chega à janela, observa o movimento da avenida e o povo que se aglomerava a espera de ônibus, e mais além, seu olhar compenetrado vê vidas desfeitas, cambaleantes e outras estiradas sobre a calçada, e o modo que olhava aquelas cenas com outro olhar, parecia querer transformar o mundo com imposição de suas ideias, nem que fosse aplicá-las apenas no seu mundinho particular. Vislumbrada e ao mesmo tempo desnorteada com aquele mundo, volta à mesa de trabalho carregada de bons fluídos distribuindo-os gratuitamente e ofertando o mesmo sorriso infantil, que dado à graciosidade, até intimidava. Por segundos, quebra-se o silêncio. O telefone soa e o seu corpo lento e demonstrando cansaço, aconchega-se sobre a poltrona e diante do monitor entrega-se ao trabalho estafante do dia a dia e sequer notam os olhos admirados do poeta que acompanhava seus passos naquele pequeno trajeto.
Os olhos do poeta, despidos de óculos, admitem enxergar o verdadeiro, desinteressados, mesmo diante de uma silhueta desconcertante, mesmo diante uma esmerada educação e vontade de não enganar ninguém, o que era visível notar. Os olhos sem cobiça não enxergavam a existência de egoísmo e de valores morais indiscutíveis, os quais nunca renderão a ela angústias, inimizades e dissabores. No divã laboral, com ou sem encosto, ladeadas de processos, a estagiária aprendeu a ouvir os mais sábios e compreender que as experiências de vida enriquecidas pelos exercícios espirituais a valorizaria durante toda sua existência e optaria pelo renascimento espiritual e quiçá, a benção de poder enxergar os valores inimagináveis do ser humano e os encantos da vida.

Tornou-se uma leitora e pesquisadora obcecada de livros jurídicos, deixando-se preencher pelo sonho de se tornar uma advogada. Descobriu o mundo da Internet. Nele mergulhou fundo como a uma inquieta jornalista à busca de novidades e conhecimentos. Para bem de sua formação, muito do que descobriu nunca abandonou, livrando-se, como outros tantos que não conseguiram, de uma dependência que a poderia tornar uma desocupada e inoperante perante a sociedade, com vida inativa no mundo virtual e nenhum envolvimento significativo na vida real. E esta lhe era uma possibilidade bastante plausível, caso não experimentasse essa sensação da modernidade, exceto, talvez, por uma babá que pode estar à sua disposição para atender seus caprichos de menina moderna que deve possuir detrás de seu sorriso angelical os mesmos medos de uma jovem qualquer e a incorporação de personagens que procura apropriar-se de sua força. Mesmo sendo bela, deve ter receios de ser decepcionada, de sair frustrada de relacionamentos, afinal de contas está preocupada em seus afazeres laborais e iniciou uma jornada criteriosa pelo labiríntico mundo dos livros.
A menina, porém, enquanto agente de seu próprio destino, entregue à própria sorte da formação intelectual aprendida nos livros e da formação para a vida extraída de experiências de terceiros, vai tendo um amadurecimento precoce de tal forma que, ainda jovem, já possui uma experiência intelectual acima da média para a sua idade, assim como o amadurecimento emocional, pois os parâmetros que têm possuem a força do apoio e peso da experiência familiar, que deu um impacto promissor em sua vida deixando-lhe segura diante de certos fatos que a vida, já nesta fase, lhe começa a impor.
O poeta que a viu e vê passar por horas a fio é um homem vivido. Sabe que não pode frustrar uma jovem que sonha com o mundo jurídico. O poeta já percorreu muitas escolas e na pele, traz as marcas das montanhas que teve que transpor para conquistar o seu lugar ao sol. No entanto sabe que mesmo pelo pouco tempo de vivência, a jovem também já transpôs algumas barreiras, tornando-se uma leitora inveterada de livros e até dos simples artigos, crônicas e versos, disponibilizados pelo poeta em seu Blog, que descobrira numa coluna do Diário da Manhã.

Parabéns Vanderlan! Gostei muito da Crônica, a relação de admiração mútua entre " mestre e aprendiz" me fez lembrar de Pablo Neruda, em O Carteiro e o Poeta.
ResponderExcluirLuciano T. Spicacci