Nenhuma
crônica, poema ou canção por mais romântica que seja define ou abarca a vida. O
homem precisa de algo mais e o poeta, cronista e romancista sabem disso. Para
não corroer tanto a alma humana esses ases da escrita, príncipes
das nuvens, que possuem asas de gigantes
que não os deixam
caminharem, usam como meio de persuasão a crônica por
possuir uma narração curta, em que o autor produz essencialmente para ser
veiculada na imprensa, seja nas páginas de uma revista, seja nas páginas de um
jornal. Ela possui uma finalidade utilitária e pré-determinada, ou seja:
agradar aos leitores dentro de um espaço sempre igual e com a mesma localização
e precisão, criando-se assim, no transcurso dos dias, noites ou semanas, uma
familiaridade entre o autor e aqueles que a lêem. À vezes a crônica alcança o
coração e alma das pessoas que a lê como se fosse dedicado a elas ou porque
encontrou nas entrelinhas uma frase que lhes agradasse. Mas hão de se convir
que nenhuma dessas palavras: crônicas, poesias e poemas, jamais deixaram de
definir ou extinguir plenamente o fascínio e suas multifacetárias alegorias. Na
verdade, nenhuma língua detém ou as possui por inteiro.
Fortemente
relacionado com a música, beleza e arte, o poema tem as suas raízes históricas
nas letras de acompanhamento de peças musicais. Até a idade média, os poemas
eram cantados. Só depois o texto foi separado do acompanhamento musical. Tal
como na música, o ritmo tem uma grande importância.
Considerando
um olhar de lágrimas secas, observamos que pessoa alguma se apresenta ou se
revela. No olhar de oceanos invertidos, tudo seca e tudo é deserto. Onde a
sorte tem vários nomes, onde o azar não existe e isto é surreal. Tem certos
momentos que navegamos sobre nós mesmos e nada nos contém. Nessa navegação
escrota às vezes matamos a rima no afã de mostrar o inexplicável, e o que se
mata, não se vela e nem se revela, é o lema do poeta. Ele não abre a janela do
poema e deixa a crônica de portas trancadas, sem explicação alguma e isto é
ruim, pois fica sem métrica, sem regra, sem conceito hermético; apenas inteira
em si mesmo.
Mas como
considerar e ou mesmo interpretar o gesto de alguém numa esquina que estendia a
mão, acenando um adeus, com lenços brancos amparados pelo vento; tipo solitário
que caminhava pela calçada, com um olhar perdido, silencioso, parecia observar
alguém numa sacada do terceiro andar, as belezas que o circundava e suas
inconstâncias que naquele instante só ele via. Um aceno que mostrava suas
teimosias, suas perplexidades diante da rotina diária de quem passa sempre por
ela. Ele parecia manusear uma enxada poética e a cada passo cavava sua cova,
procurava estreitar as relações com aquela mulher e com seu mundo imaginário,
enquanto sua alma se alargava num simples aceno para mim incógnito. A lâmina
impregnada de letras entendia seu ofício de escriba, mas ele, a cada enxadada,
não conseguia dizer seu próprio nome. Calava-se diante da cova, faltava-lhe a
voz de outrora e via ali se esvaírem nas profundezas dela os versos. Bastou-lhe
apenas aquele dia para tudo transmudar e ele não mais o reconheceria no espelho
do cotidiano.
Era
visível para mim que aquele desconhecido era um poeta. Sua encenação não era
para qualquer um, nem era para obter fama, nem o dinheiro, nem a monotonia de
dias iguais. Entendia que poderia ser assim: ele escrevia e vivia um amor que
ele mesmo não conseguia viver. Acho que vivia saboreando os poemas e versos que
colocava no papel que lhe alimentavam a alma. Acho que, pelo seu perfil, ele
acenava para um amor verdadeiro, sonhava um amor real, um amor cheio de amor...
O poeta é assim mesmo... Um sonhador! Pelo jeito, ele sabia que podia atracar
em outros portos, fazer uma viajem interplanetária, buscar o impossível, mas
sabia também que podia afundar na sua própria nave, mas teimoso, mesmo assim a
fez, indo até o fim do universo, se é que ele tem fim. Mas o seu semblante
demonstrava tristeza. Nem a lua ou as estrelas não o recepcionara como merecia,
e lá das alturas, ainda conseguia ver uma casa, a sua moradia, mas que, talvez,
nunca tivesse sido um verdadeiro lar. Restou-lhe então deixar as estrelas e se
aconchegou no travesseiro celeste para recolher seus sonhos e agulhas
invisíveis que acordaram seu cérebro para a realidade de um simples aceno.
Para quem
queria tanto sem saber exatamente o que lhe fazia falta. Para quem andava tanto
sem chegar a lugar algum. Para quem o poeta procuraria para curar suas feridas
poéticas, bastava apenas um remédio qualquer, desde que amparado por aquele
lenço branco que simbolizava amor e paz. Para quem ainda vive com seus cortes
abertos que ainda sangra por dentro, aquela cena inusitada está apenas dizendo
que nada o separará de seus laços afetivos.
Chove
neste momento. Que bom! O dia está lindo lá fora! Mas algo me faz falta no aqui
no meu recanto. Talvez o brilho do sol no vão quadriculado da janela, pois a
noite se foi sem se despedir de mim. Talvez o ruído das turbinas do avião que
atrasou o vôo, pois há horas não cumpre sua rota. Talvez não haja no topo do
Morro da Serrinha vencedores nem perdedores, pois mudaram o trajeto de várias
ruas e ninguém reclamou. Talvez exista um rei momo, cansado, desnudo,
desconhecido, depois de uma folia de carnaval e que ainda possa estar
celebrando sua solidão e abandono.
Como devia realmente interpretar aquele aceno que vi na esquina? Será que existe uma
resposta convincente? Será um cronista que não convenceu ou um poeta que não
versejou corretamente seu poema? Ou será uma canção sem ritmo cantada por um
cantor sem voz? Curioso, olhei novamente pela fresta da janela e não o vi
acenando mais. Será que era final de festa ou começara uma nova etapa de sua
vida? Será que antes acenava apenas para quebrar o silêncio dentro de si mesmo,
para alargarem nossas mentes e nos libertar para outras viagens? Agucei os
olhos, vi pessoas se aglomerarem a poucos metros da esquina, no meio deles um
corpo que jazia estirado no chão e ao lado, uma linda mulher. Escutei barulhos
de sirenes e logo uma ambulância contornou a esquina. Ela o levou, mas deixou
sobre a calçada o lenço e nele, o seu silêncio.
0 comentários:
Postar um comentário