

Mas, quão difícil ser diferente e não cansar de tudo. Quando chegamos à casa a primeira coisa que ouvimos é o zunido do elevador, o tic-tac do relógio, a torneira que mesmo fechada insiste em soltar gotas fazendo barulho sobre um vasilhame, um som rouco: tum... tum..., nem paro para contabilizar os ruídos. É justo. Estou cansado. Nunca importei muito com o que acontecia ao meu redor, mas, hoje, dou atenção aos mínimos detalhes. É o cansaço. Quando sento à mesa e sirvo-me com um pouco de café adoçado com algumas gotas dietéticas e pão francês, então aí me acalmo. Ainda bem que a gota dietética é silenciosa. Tomo o café e com um sorriso inacabado ligo a TV. Novamente aparecem as desgraças de ontem reprisadas hoje. Mudo de canal e lá vêm outras notícias e digo: espera ai! Eram as mesmas cenas do outro canal, e então percebo que a minha mente poderia estar atabalhoada. Aquela reprise não era real. Desligo a maldita TV. Vou ao quarto e olho no espelho para ver se estava apresentável, pois o trabalho me esperava. Mirei fundo nos meus próprios olhos que se arregalavam diante do espelho e vi-me vítima da rotina que eu mesmo criei. Eles também estavam cansados. Coloquei a gravata e sai. Pode ter sido só mais um dia ou poderá ser o último se pudesse prever o meu futuro, mas o que importa é que eu nada planejei.
Quando disse no preâmbulo que cansei do imaginário, não posso afirmar isso em relação aos amigos e amigas imaginários, pois eles são como os sonhos: estão com a gente aonde quer que estejamos; aonde a gente quer estar, e ninguém pode podá-los ou impedi-los de existir, pois só nós o vemos e acreditamos neles. Os amigos que me acompanham pelas ruas solitárias da vida nunca me deixam no meio do caminho e me impedem de ficar sozinho, porque somos pessoas que correm atrás de um propósito, de um desiderato para continuar andando em busca de um caminho cheio de luz, não só os iluminados pelos raios do sol ou pelo os da lua, mas também, em busca daquela luz que brota dos lindos olhos de alguém, alguém que nos espera diariamente e nunca nos cansará. À bem da verdade, acreditar no improvável, no impossível e no imaginário sempre foi meu norte. É bom viver no mundo dos sonhos, mas hoje eu cansei.
Realmente cansei. Parece que estou com uma grade em meus olhos. Uma grade embaçada que me impede de enxergar e de ver o óbvio. E assim sou obrigado a me manter parado, sem dar um passo à frente ou para trás, talvez por medo de cair num precipício que a própria vida constrói. Essa grade está repleta de memórias insolúveis, indecifráveis, uma grade que me isola do mundo, que impede meu coração de bater como antes batia. Tudo isso me fere. Neste lapso de tempo posso ter caminhado por estradas tortas e deitado sobre relvas sombreadas por galhos secos de árvores milenares, sem esperança de obter certezas e ouvir melodias tocadas e cantadas por alguém que não existia e que eu mesmo inventava. E olha que me preocupo com o vozerio de vozes e sons que vem das ruas, do zuído do elevador, de cada gota que cai da torneira, do chuveiro, do tic-tac do relógio ou dos noticiários dos jornais, rádios e TV, mas, tudo isto, não faz de mim um ser insensível, incapaz de enxergar o sorriso angelical de alguém ou as lágrimas que saem dos olhos da minha amada que dada a sua firmeza de espírito jamais as deixa cair ao chão. Leitor, não se deixe sangrar por essas palavras. Não se deixe sangrar mesmo, pois no fim a verdade sempre aparecerá, e as que tento expressar, pode ser apenas uma situação momentânea a mim postergada por alguma coisa surreal ou um ente estranho, que me cansou e fez com que eu criasse situações fantasiosas extraídas de um mundo que não se sabe se é ou não real.
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