Olhei pelo
retrovisor e fiquei pasmo quando vi algo acenando pra mim. Era o meu passado
não muito distante. O vento forte surgia acompanhado por um vendaval que me
deixava atônito, à mercê da vida, sem conforto, de certo modo, incômodo. Aquele
final de tarde era meu parceiro, e como forma de proteger-me tentava encobrir
rostos fantasmagóricos, faces borradas e enevoadas que se agitavam no horizonte
longínquo. Preocupado com as intempéries de tempo acelerei o carro, pois nem
sobreviveria perante aquele vendaval que poderia, talvez, desmoronar o meu
castelo com sua fúria, massacrando os jardins, destruindo flores, no entanto,
como não o construí sobre a areia, restaram-me as pedras, pois sei que com elas
o reconstruiria e das raízes sabia que sairiam novamente gramíneas verdes,
novas flores, e formariam um novo jardim.
A cortina
do passado se escancarava lá atrás e era possível ver pessoas amigas de escola
que nunca foram minhas. O retrovisor me deva a liberdade de mirar com nitidez e
entre elas amores impossíveis que tive, daqueles que nunca se estabeleceram.
Fitava os fantasmas dos quais até dei carona e nem um mero agradecimento tive.
Eram pessoas perdidas no passado, esquecidas em uma curva da estrada ou jogados
ao limbo de uma parada qualquer. Quanto mais me distanciava daquele horizonte
intempestivo, vinha a minha mente que a palavra amar era bobagem. Seria bobagem
mesmo? Oh, Deus me penitencio! Quantas infindáveis vezes eu me apaixonei.
Quantas metas que eu sonhava alcançar ficaram num canto por algum tempo,
esquecidas, ocultas, ou quem sabe se foi com um simples sopro ou levado num
suspiro, tal qual um fantasma que nos persegue e incomoda. Um fantasma sem
rosto, sem forma e sem raízes. Mas o vento, que é incolor e frio, não combinava
comigo porque por entre os meus poros penetrava um calor causticante, enquanto
o sangue quente percorria minhas artérias e veias, deixando-me a mercê da vida,
que às vezes trazia-me a dor, às vezes apenas mera rotina, às vezes a
sobrevivência diante de um embate desigual. Eu, um simples escriba, carinhoso,
mas carente, que a mercê da vida, ainda consegue se regar, de se tornar
colheita, e “colhido”, sobrevive. Todavia, diante das adversidades da vida
sinto que algumas vezes sou notado, mas outras vezes esquecido.
As metas
que tinha aos poucos foram trazidas pelo vento, provavelmente por estar
pessimamente presa no varal da vida, num quintal qualquer, sem dono, que nem me
lembro onde. Talvez porque, no fundo, certas pessoas não têm memória, e aquelas
que falam muito não concluem o assunto de maneira razoável. Podemos dizer então
que elas não têm passado desnecessário fixarem-se no retrovisor da vida. O que
me sobra, afinal? O que fica? Se tenho alguma sobra ou como fico, o jeito é
continuar olhando, com ou sem retrovisor, com o olho fixo no passado e,
fixando-me nele, não vejo nada dele refletido no que sou. Nada além de um
borrão produzido por uma tinta incolor. Incolor que não mancha e porque meu
passado é limpo, as metas eu concluí, e quanto aos meus anseios,
despreocupei-me há tempos. Tudo se foi, levados por um vendaval.
Se você
ajeitar o seu retrovisor e nada ver é sinal que vai enfrentar problemas. Quando
você não consegue visualizar alguma coisa no seu passado algo está errado, por
certo, há de se pensar em prejuízo financeiro, pessoal e material. Claro, não é
fácil para ninguém, com esta falta de empregos, com a inflação salgando a vida
da gente, com os preços aumentando dia a dia no supermercado. Mais uma vez os
pobres são os que mais padecem. É a vida nos dando lição. Nesta hora, confiando
em nossos “retrovisores” devemos nos unir sempre que for necessário,
enfrentarmos os vendavais da vida juntos. Tantos vendavais ou todos, não
importam quantos. Para isso acredito que todos têm o melhor, um coração pronto
para atender aos mais necessitados. Uma fé tão forte que nos dá esperança e
força, uma união e solidariedade tão grande que nos fortalece. Hoje,
ironicamente, usando o mesmo trajeto, olhei pelo retrovisor e novamente
enxerguei o meu passado que não mais acenava, todavia, desta vez me precavi e
segui viajem sem reclamar dos fantasmas que já adormeciam sobre as
esbranquiçadas nuvens.
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