Amizades com vígulas, sem ponto final.

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Quando se tem hábito de escrever, seja uma crônica, bilhete, carta ou uma mensagem através da internet, pergunta-se se deveria ou não acrescentar ou tirar alguma vírgula. Entendo que não, pois a importância da vírgula é tal que, se a colocarmos no lugar errado, o sentido do texto pode mudar e comprometer o entendimento do texto. Segundo o Houaiss, "vírgula é um sinal gráfico de pontuação, indicando uma pausa ligeira, usada para separar frases encadeadas entre si ou elementos dentro de uma frase". Analisando dessa maneira até parece fácil, mas não é, pois na hora de inseri-la no texto, não é tão simples assim. Então, no texto de hoje, vou usar a vírgula para falar da amizade. No meu ponto de vista entendo que a amizade pode até começar com um ponto, mas quando ela é verdadeira jamais se deve usar ponto final, apenas vírgulas, porque nunca termina. Normalmente ela deve ser especial, algo que damos como especial, assim como aquele orvalho que pousa sobre a folha, e o sol, em chamas, por amor evita evaporá-lo. É importante é entender isso e que saibamos quando não podemos mais caminhar juntos, mas que possamos enxergar nesse possível fim um novo começo ou recomeço sem se preocupar com o ponto final. Afinal a amizade pode ter sido transformada para melhor e a relação pode estar passando por um tipo de mutação. 

Sempre é saudável o começo de uma amizade, mas que aos longos dos anos de convivência, irá passar por uma metamorfose quase inevitável. Mas porque ocorre isso? Somos humanos e como ser humano tudo que ocorrer é imprevisível. Um possível desgaste poderá ocorrer também enquanto não houver respeito e pelos menos resquícios de amor no coração de cada um. Saudável também é o recomeço que nos permite desfrutar de uma amizade que foi duradoura, sem saudosismo crônico ou arrependimento pelo que poderia ter sido, infelizmente ou felizmente não foi.

Esmiuçar os fracassos e distribuir as culpas de uma amizade que se evaporou há décadas é perda de tempo. Cabe a cada um discernir o que aconteceu e se possível, ficar em silêncio, porque se tratava uma pessoa amiga que nunca traiu. É claro que haverá a saudade, talvez a lembrança do que ela significou pra gente um dia, mas haverá também o comum acordo, uma espécie de contrato imaginário em que ambas as partes concordam que o que tiveram foi sublime e importante demais para que continue. E, ademais, caso tenham também que ouvir falar mal um do outro depois de uma prazerosa convivência. E por ser tão sublime e único, neste caso, entendo que a amizade realmente merece um ponto final. E sabe por que devem colocar ponto final? Porque continuar com a amizade esmiuçada à boca miúda seria constranger o sentimento que a sustentou, seria assistir submissos à transição lenta e progressiva de algo que um dia deu certo para um ciclo de culpa, de cobranças, de raiva, de falta de admiração. E é sabido que quando se perde o respeito e a admiração, perde-se a essência e o propósito de uma eterna amizade.

Eu detesto ver um texto sem sua devida pontuação, principalmente do uso da vírgula. A vírgula faz muita diferença no sentido das frases. Não sou muito bom em língua portuguesa, mas me esforço muito para cometer menos erros. Quando escrevo errado é como me perder no universo mórbido e não retornar ao início de tudo, principalmente quando me sentir combalido e insuportável aos olhos de quem lê. Todavia, fico esperançoso de que as minhas mãos se soltem sobre o ombro da pessoa amiga e mesmo cansadas, possam acariciar e acalentá-la. Se eu conseguir finalizar o texto que ele chegue silencioso, que se instale e tome forma numa troca de mensagens ternas, reafirmando a cumplicidade latente: ambos saberão que realmente se chegou ao fim. Aceitarão o conteúdo. Encenarão um adeus, e aí sim, poderão colocar ponto final.

Além dos aspectos delineados, há que se ressaltar que a vírgula por si só mantém uma estreita relação com a intencionalidade discursiva, ou seja, sua existência ou não depende muitas vezes da intencionalidade do falante ou da pessoa que escreve. Eis aí o ponto fundamental que nos permitirá chegar ao ápice de uma discussão. Poder-se-ia dizer que a a
mizade deu certo. Deu tão certo que acabou da forma certa e no momento certo. Apesar de se usar muito o chavão, “que foi eterno enquanto durou”, mas por outro lado, procurando entender que a vida não finda ali, no puxar de uma simples mala, na batida de uma porta, no latido de um cão, no silêncio de um celular ou mudez na internet. Entender que o ponto final deu lugar a uma vírgula para evidenciar que não houve ruptura, e sim, para auxiliar numa passagem branda, num antes e depois que diferem apenas na ausência física do outro, mas que não anula os aprendizados e as vivências que ambos experimentaram enquanto foram amigos. Entender por fim que todo esse ato possa permitir aos amigos seguir a vida com outros planos e sentimentos, tendo o término dela como pano de fundo para outros quadros, com outras cores e perspectivas, enquanto seguimos captando novas amizades, procurando não usar ponto final, somente vírgulas, com intuito de manter a alma leve e consciência tranqüila.






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