De repente
me vi pedalando uma bicicleta. Estava fazendo parte de uma comitiva de
ciclistas que sensibilizavam as pessoas a se exercitarem e cuidarem da saúde.
Um cinegrafista nos acompanhava. Durante a caminhada, encostado de uma
porteira, notei que alguém esbravejava, mas não em razão do tempo
abafado, mas sim, ele queria saber o que queria dizer a palavra “pedalada
fiscal” e nada melhor do que perguntar pra quem estava pedalando. E não é que o
danado tinha acabado de ouvir no seu radinho de pilha a notícia sobre essa
palavra estranha. Encostei a bicicleta na cerca de arame, aproximei dele e
disse-lhe: As palavras “pedaladas fiscais”, usadas pelo repórter são manobras
governamentais, atos contábeis que envolvem o uso de recursos públicos de bancos
federais para “maquiar” o orçamento federal. Como exemplo, é mais ou menos
assim senhor: Sempre que alguém busca seu seguro-desemprego na Caixa Econômica
Federal ou consegue um financiamento no BNDES, usa dinheiro repassado pelo
governo federal. Outros programas cujas verbas o governo repassa pelos bancos
são as aplicadas em Minha Casa, Minha Vida, o Bolsa Família, Programa de
Sustentação do Investimento (PSI) e o crédito agrícola. O ritmo desse
repasse é constante, conforme a procura da população e das empresas.
Corretamente, ou melhor, sem o uso da malfadada pedalada fiscal, a coisa
funciona assim: O Tesouro Nacional normalmente repassa para bancos públicos e
privados as verbas usadas em benefícios sociais e subsídios. Entendeu?
Complicado não é? Olhei o semblante dele e notei que não entendeu bulhufas!
Sendo uma
pessoa letrada e que guarda na memória elementos que me ajudaram e ajuda no
embasamento, continuei falando: Amigo, o TCU – Tribunal de Contas da União é
responsável pela fiscalização dos gastos do governo. Esse órgão precisa dar seu
parecer sobre as contas do ano findo e em face do que foi descoberto,
inclinou-se a recomendar uma rejeição das contas em função das “pedaladas” e de
outras manobras para camuflar despesas governamentais. Já tinha sido aberto um
processo anterior para investigar exclusivamente as ditas pedaladas e o TCU
também já tinha emitido um parecer defendendo que o governo cometera
"crime de responsabilidade" com as tais manobras fiscais. Há muitas
expectativas de uma rejeição dessas contas públicas, rejeição apoiada pelo
Ministério Público Federal e isso no acalenta. Quando terminei observei que o
semblante dele já demonstrava certa insatisfação com o governo.
O sol era
causticante e com a língua em forma de gravata, tentava usar a torneira do
tempo para beber uma água imaginária. Sem medo de procrastinar em lume porque o
calor era insuportável que fazia latejar meu cérebro, pedi licença ao indivíduo
e subi na bicicleta e silenciosamente continuei a minha pedalada. Não sei qual
o propósito daquele passeio ciclístico e porque aquele grupo o denominou de
“Pedaladas Fiscais” se ninguém era fiscal, ora! No final do tour, encostei-me à
sombra de uma árvore de jatobá que ficava à beira de uma pequena praça. Nem me
assustei porque naqueles dias de calor cardíaco e tempo seco a gente não
conseguia se aquietar nem por segundos, pois o calor era provocado pela
poluição desvairada que me deixava sufocado e exausto.
O vento
que acariciava o meu rosto jogava ao ar as gotículas de suor que se evaporavam
rapidamente. Durante o trajeto a pergunta daquele senhor não saía de minha
cabeça e até dava vontade de retornar para lhe explicar melhor sobre o assunto.
Tinha que ter dito a ele que as manobras contábeis têm como objetivo melhorar o
resultado das contas públicas - ou seja, ajudar o governo a fazer parecer que
haveria um equilíbrio maior entre seus gastos e suas despesas. No caso em tela,
devia ter dito também a ele que o governo Dilma é acusado de atrasar o repasse
de recursos para benefícios sociais e subsídios pagos por meio da Caixa
Econômica Federal, do Banco do Brasil e do BNDES passando a impressão de que as
contas públicas estariam melhores do que realmente estavam. Ledo engano.
Teriam
sido "segurados" cerca de R$ 40 bilhões do seguro-desemprego,
programa Minha Casa, Minha Vida, Bolsa Família, Programa de Sustentação do
Investimento (PSI) e crédito agrícola, segundo o TCU, mas como os desembolsos
não foram efetuados, as contas do governo pareceram temporariamente mais
equilibradas. A questão a ser analisadas é que não houve atrasos no pagamento
desses bilhões de reais em benefícios e subsídios para seus beneficiários,
porque os bancos públicos cobriram esse valor - cobrando juros do governo pelo
uso de tais recursos, ficando, que tais manobras, configuradas como operações
de financiamento, ou “empréstimos” desses bancos para o Tesouro, situação que é
proibida pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Os meus
pensamentos iam e voltavam na velocidade da luz e diante de tantas informações
captadas na região recôndita do meu cérebro não vi alternativa senão em
moldá-los assertivamente de forma que as ações governamentais fossem formadas
por um conjunto de procedimentos capazes de assegurar, desde o início, uma
prestação de contas condizentes com o exigido pela lei e no caso em tela, um
exame minucioso e sistemático das contas rejeitadas, capazes de provocar
resultados satisfatórios e apresentadas corretamente ao povo brasileiro, dentro
da legalidade, uma vez que, se não solucionadas e provadas à ilicitude do ato
das “pedaladas fiscais”, este fato continuará sendo o alvo que motivou ou
poderão motiva o pedido de impeachment
da presidente.
Descansado, prossegui
com as pedaladas, mas agora de volta pra casa. De repente a poucos metros à
frente me deparei com uma camioneta da Receita Federal. Inteligentemente,
desvie-me dela, entrei num beco e continuei. Uma vontade danada de fazer xixi
me fez com eu me escondesse detrás de um muro num lote baldio. Mas, por
incrível que pareça, os outros ciclistas se desviram também e me seguiram,
ficaram me olhando e eu não conseguia escapar dos olhares deles e o pior,
delas, por mais que tentasse. Mas, a vontade de urinar era tanta que me fez
acordar. Preocupado, olhei entre as pernas e notei que a minha cama estava
enxuta. Disse: Graças a Deus! Ao lado, na escrivaninha, um jornal estampando
uma frase: “TCU pede explicações a Dilma sobre “Pedaladas Fiscais”. Era apenas
um sonho.
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