Parece
banal e nem é uma lenda o que vou dizer: sem o amanhã não haverá esperança e
muito menos existiríamos. Se não existir o amanhã quedaríamos à beira da
estrada da vida ou nos tornaríamos um desconhecido fóssil nas areias quentes do
deserto. É importante saberem que o amanhã é que aquecerá o ontem, o hoje, e
continuará aquecendo mostrando-nos como devemos fazer para sobreviver neste
mundo, onde, comparativamente, continuaremos sendo apenas um grão de areia ou
um casulo incrustado numa seca forquilha de árvore. Confesso
que acho brega relacionar a palavra amanhã nos momentos de transformação com
uma borboleta. Parece algo bobo e superficial. Mas ultimamente venho pensando
sobre esse assunto. Não sei muito bem o motivo, mas venho. E o mais engraçado é
que o que tem me chamado mais atenção nessa história toda de borboletas é algo,
aparentemente, muito sem graça: o casulo. Todavia, é bom atentar que um dia nós
também precisamos abandonar o casulo para alcançar com sobriedade o amanhã e jamais
devemos transformar o casulo numa prisão, pois acredito que no fundo todos
querem voar e conhecer novos caminhos. E você? Suas asas um dia vão bater em
busca de um novo amanhã?
A questão
é a seguinte: Por que certos pássaros migram? Por que cardumes de baleias se
emergem e imergem sobre as águas oceânicas? Por que as piracemas sobem
cachoeiras procurando águas mansas e as nascentes do futuro? Aliás, algo que
certamente quase ninguém consegue cogitar é a ideia de que existam peixes
capazes de escalar paredões de rochas verticais sozinhos. Os animais, aves e
insetos que vivem ao nosso redor nos dão lição de como se deve sobreviver. Os
periquitos ou qualquer ave engaiolada, por exemplo, estão presas, mas continuam
cantando de forma sublime como se nada tivesse acontecendo. Quando estou na
fazenda noto que em todas as madrugadas eles cantam, e seja dormindo ou não,
sinto-me como se estivesse num barco que segue sua rota à busca do
inimaginável. Certo dia, visitei o Vale do Éden e lá, curioso que sou, observei
alguns casulos e num deles, asas brotavam e uma borboleta saiu para sobrevoar
aquele recanto aprazível ou, talvez, visitar outros ares, outros recantos,
outros céus. Ao caminhar entre a densa mata às vezes tocava com as mãos aquelas
formas vivas que se adormeciam nos galhos das árvores disfarçadas de vegetal.
Imaginem o futuro daquelas células em formato de casulo. Imaginem-nas saindo,
voando, pousando noutros arvoredos, flores e jardins. Mas tal imaginação não
era privilégio só meu.
Na sacada
do meu apartamento estão dependurados muitos vasos ornamentais, como:
samambaia, trepadeiras, crisálidas, orquídeas, flores de maio e do deserto,
onde fico pasmo a contemplar. Numa dessas raízes, um pequeno casulo, mas todas
elas sabiam, mais que eu, a que momento ia se desabrochar e a que horas a
mãe-borboleta e o beija-flor passariam por lá. A trepadeira que já esparramava
seus braços sobre as tela de proteção avançava sobre os nós e nem contabilizei
os centímetros de sua jornada, só sabia que fazia sombra na sacada, seguindo o
fio de náilon do tempo, me ensinando a direção das coisas. O vento soprava
pelas costas de suas pequenas folhas e elas balançavam verde sobre a tela como
a uma caravela reinventando seu verdadeiro mar. Dizem “nas bocas pequenas” que
foi um suicida que decretou a morte do amanhã, mas o idealista, ao contrário, é
um viciado que toma o amanhã nas veias, aspira-o, e em círculos esfrega-o nos
olhos para impregnar nas suas retinas outros amanhãs. No entanto, em relação ao
ontem, ao hoje e ao amanhã, digo: a vida está difícil, dura, e se continuar
assim, não são possíveis, pois esse País não tem mais jeito, muitos amaldiçoam
Deus e o diabo, mas no dia seguinte, amarfanhados, caminham juntos à beira do
lago, de um rio ou mar para saudar a aurora.
A natureza
é sábia, basta olhar os lírios do campo: eles passam a vida tecendo e fiando o
amanhã. E o jardineiro que parece um perverso podador no presente, rega, aduba,
faz antecipar a floração da vida mesmo usando suas lâminas de dor. É sabido que
indo a busca do amanhã as cobras perdem sua pele. Cães ladram pressentindo o
perigo que os homens não percebem. Os lobos quando uivam para a lua estão à sua
maneira saudando o cio das madrugadas. Entendo que não devia ter muros, telas,
gradis, gaiolas, para encarar e prender as aves, borboletas e beija-flores do
amanhã.
Hoje,
mesmo me achando um grão de areia neste imenso universo eu saí em busca do
amanhã, e como uma nave espacial passar por Marte e outros planetas, e se
possível, pousar em Urano. Sai preocupado nessa viajem imaginária, pois numa
Casa Legislativa, atabalhoada e corrupta, foi possível ver que os homens já
estão legislando para desconstituir o amanhã. E se acabarem com ele outros
seres menos ferozes de outras galáxias, mais humanas talvez nem nos receba.
Voando no meu mundo imaginário lembrei-me de minha mãe artesã que tecia e
destecia seu amor nos fios da madrugada esperando meu pai chegar e abrir a
porteira. Era assim que meu pai lavrador - o mais otimista dos homens – roçava
os matos para plantio usando uma enxada afiada que gemia nos terrenos férteis e
inférteis. Hoje eles se encontram em outra dimensão, mas antes renasceram das
próprias cinzas transfigurando suas ações em amor. O que fazem os amantes que
ficam nos bares da vida e praias banhadas pelos mares revoltos? O que fazem os
amantes debaixo das árvores de noturnas ruas e nos leitos secretos de motéis?
Será que estão cumprindo o ritual de crença no amanhã? Não sei. Só sei que o
ano mais uma vez terminou, só que agora passou a ser contado depois de findo
carnaval. Vem à quarta-feira de cinzas e com ela o jejum, então, resta-me comer
e beber as horas que faltam para alcançar um novo dia ou quiçá, o tão sonhado
amanhã. Ah, somos apenas um grão de areia ou um casulo diante deste imenso
universo, todavia, mesmo pequeninos, jamais devemos destruir os objetos, as
memórias que ficaram para reinaugurarem o ano que se inicia. Oh, amanhã! os que
vão alcançá-lo e vivê-lo com intensidade, te saúdam!
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