Certo dia na pequena
cidade de Santana do Agreste, ladeada por imensas caatingas, terreno seco,
inóspito, incrustado na região nordestina, apareceu um cupido e diante uma
jovem perguntou: Ô moça qual foi à última vez que você se olhou no espelho?
Notando o espanto que se aflorou no rosto dela, completou: Com mais clareza
quero complementar a pergunta: Qual foi a última vez que você realmente se
olhou no espelho? Vendo certa tristeza no semblante dela, insistiu: Já percebeu
o quanto você é única, bonita e especial, e se não percebeu ainda,
provavelmente você não anda se olhando direito no espelho. Já reparou também no
quanto você é perfeita ao seu próprio modo? No quanto você é o sinopse de você
mesma, de um jeito que ninguém poderia superar, e que isso te faz única? As
pessoas costumam se olhar através de camadas de preconceitos, de padrões
pré-estabelecidos e assim fica difícil ver a si mesmo, como se fosse de
verdade.
A garota olhou para
o cupido e com certa raiva o questionou: Quem és tu, ô mosquito miúdo,
abelhudo, de asas brancas? Quem acha que tu és para entrar no meu quarto e me
pedir para olhar no espelho. Não és cria de Lampião ou é? Tome atitude e vire
essa diminuta flecha afiada para outro lado. O cupido respondeu: Garota, não se
apoquente, pois eu sou o seu cupido e algo está para acontecer contigo hoje.
Sinceramente, acho vai precisar de mim, mas primeiro, olhe no espelho e tente
não enxergar aquele amor que te cega, incoerente, descabido e que tens por
aquele vaqueiro que mais parece uma girafa, pois além de feio, grandão tem
pescoço alongado, e ele parece nem perceber que você existe, nem te dá à
mínima. O que eu quero dizer é que você deve ser o seu próprio referencial.
Olhe no espelho. Por favor, olhe e sorria!... A autocrítica é importante. No
entanto quero te lembrar que tenho asas, sou pequeno, mas não um mosquito e nem
ser humano, então, não sou passível de erros como vocês e não deixe que o seu amor-próprio
se transforme em soberba. Dê valor aos seus sentimentos, veja a pureza que
irradia no seu coração. Descubra os seus valores morais e espirituais,
inclusive àqueles que você tem por si mesmo, mas que, talvez, desconhece.
Quando você se olhar no espelho, observe que seus olhos verdes vão brilhar.
Quando você vires alguém que te ama e a admira muito, como está brilhando
agora, mesmo sendo o pescoçudo. Olhe pra mim e veja que estou com a flecha
bastante afiada e a ponto de ser lançada. Indignada, olhou no espelho e nem
percebeu que o seu amado, o vaqueiro girafa, acabava de chegar, o qual, vendo
aquele sujeitinho voando inquieto pelo quarto, foi à cozinha, pegou um spray de
inseticida, apertou o gatilho e vapt-vupt! O cupido tagarela ficou tonto e se
esborrachou no chão. Moral da história: Tem certos momentos que, não importa
qual tipo de pessoa que está em nosso convívio, e ou mesmo se tiver errado
tanto, é bom que cada uma atire com sua própria flecha.
No entanto, a
aparência de um cupido ou daquele moço desajeitado, mas querido por todos não
podiam ser confrontadas, pois os dois estavam ali com as mesmas intenções e
pensamentos dignos. Por outro lado, o jovem “girafa”, além de bom vaqueiro, era
trabalhador e de certo modo, bem apessoado, mas naquele dia, talvez
desconfiado, não entendeu porque aquele cupido estava naquele quarto falando
com sua amada, dando a entender que torcia por ele, ou quiçá, pelos dois. O
cupido o conhecia bem, tinha poder pra isso e sabia das boas intenções dele e
das conquistas pessoais e profissionais conquistadas durante sua existência.
Mas as ações do cupido em prol dos dois não eram diferentes das outras e nem
foram em vão. Todavia, com o sentimento de não ter sido compreendido, o cupido
partiu, mais deixou brotado no coração dos dois uma linda história de amor.
Naquele momento difícil, ainda atordoado, levantou-se, pegou seu arco e flecha,
olhou para os dois, acenou e deixou uma humilde e simples mensagem, ficando
claro que a jovem merecia muito mais do que aquele garoto “girafa”, e assim, é
desta forma que encerro esta simples crônica que procurei escrever de forma
harmoniosa para agradecer e ter conhecido a história da bela Alice Nonato e do
vaqueiro Chico Seridó, assim como, da existência naquela região do nobre cupido
Caicó.
A Lua descia soberba
no horizonte, cumpria sua rota e trazia o amanhecer e com ele um novo dia. O
sol voltou a brilhar de modo diferente em Santana do Agreste. A vida nada mais
era do que um caminho que ninguém sabia onde era o seu término, mas mesmo assim,
a pessoa humana continua caminhando sem parar, talvez, à busca de um cupido
qualquer. O homem embora tenha alma e consciência não sabe quando ele termina e
nem se levará um grande tombo no final. O ser humano, com ou sem seu cupido,
continua caminhando como se estivesse procurando a imortalidade, a vida eterna,
mas tudo, infelizmente, é um mistério.
Comparando-me a história daquele cupido, acho que
o meu sempre gostou de matemática, pois desde os tempos de adolescente só me
traz problemas. O cupido aprontava comigo, mas eu não acreditava que ele
existia. Certo dia, eu senti uma flechada no peito e olhando de soslaio vi uma
garota encostada no banco de uma praça. Veio-me uma sensação estranha, uma
atração instantânea... O olhar penetrante dela fulminou o meu coração, como a
um raio cheio de ternura. O Cupido tinha aprontado mais uma vez comigo, mas
aquele garoto sonhador, com alma de poeta, a travessura do cupido só podia lhe
deixar cicatrizes. Mas como resistir à tentação, na realidade, eu até agradeci
ao cupido. O tempo passou e voou como uma flecha que se cravou no coração do
tempo, mas embora fugaz, a emoção naquele dia explodiu diferentemente em meu
peito, trazendo-me o amor, o prazer, o sentimento que nem sabia existir, e,
doravante, passei a entender que cupido não é mosquito, têm asas, mas somente
voa para orientar às pessoas que não existem preconceitos, padrões
pré-estabelecidos pela sociedade quando se há entre as partes o verdadeiro
amor. Assim é necessário que voltemos a ser essa criança, nascer quantas vezes
for preciso e espreguiçar entre os lençóis embebidos com nossos próprios
sonhos, e, talvez, até fiquemos encantados com histórias que surgiam das
esbranquiçadas caatingas.
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