Se na infância fui
ou não como outros meninos, não me lembro bem, minha memória é meia vaga, mas
sei que nunca enxergava o mundo como os outros viam, mas os outros também não
enxergavam o que eu via. Desde pequeno eu já via o bonito e o lado poético das coisas,
assim como via quando o vento que soprava ou assoviada; sabia que rumo tomava e
a suavidade com que levava consigo as folhas secas para, depois, saírem voando,
sem rumo. Nada mais triste era levar comigo aquelas folhas mortas e saber que
mais adiante poderíamos nos separar dada a força do vento e a fragilidade
delas. Quantas vezes amparando minhas mãos no pequeno muro daquele quintal, com
o olhar entristecido como a de um poeta aprendiz, sentia-me como a própria
folha, e aí não via à hora do vento passar ou da vida me levar, e quando ele
passava, sentia-o triste também, pois não conseguia levar até a janela de minha
amada o perfume das ressequidas folhas, o cheiro gostoso de jasmim ou das
pétalas das rosas que rolavam pelo chão. Se minha amada pudesse pelo menos
enxergar a folha, ou o meu olhar marejado detrás do muro, bastava um simples
gesto dela para secar minhas lágrimas, me fazer renascer e sentir a vida me
levar, tornando-nos um elo, pois sabia que ainda havia esperança. Esperança em
um mundo melhor, mais justo, humano e fraterno, onde, talvez, por descrença, o
vento ao passar por algumas estações devia ter ficado angustiado, sentimental e
via que não havia elo nenhum. Talvez entendesse que minhas angústias, paixões e
sentimentos não podiam ser levados por ele, apenas eu ou minha vida. Apenas
para ser mais claro sabia o vento não tinha culpa.
O vento não tinha
culpa e não podia saber a origem de tudo que corroia a nossa alma, e às vezes,
não me interessava saber de onde ele vinha, mas quando passava acariciando o
meu rosto o meu coração acordava para a alegria. O vento foi meu cúmplice e
tudo o que amei, ele sabe que amei sozinho. Sabe que fui um sonhador. Assim, na
minha infância, nas garras da tormentosa vida, ergui-me, no bem, no mal, de
cada abismo, e encadeei-me o meu mistério. Prendi-me a sete chaves. Aquietei-me
num recanto só meu. Às vezes quando deixava o vento me levar sabia que vinha
recheado de cheiro das verdes matas, que trazia a calmaria dos rios e o canto
dos pássaros; sei que se ungia nas fontes da vida e veloz, descia da rubra
escarpa da montanha beijando o sol, para depois afagar meu rosto com suavidade,
me envolvendo em outonais clarões dourados; livrando-me dos relâmpagos
vermelhos que o céu inteiro incendiava; livrava-me dos trovões, das
tempestades, das nuvens que se alternavam e traziam escuridão. Só no amplo azul
do céu, puríssimo, como a um anjo e ante meus olhos, levava em seu colo a
pequena folha seca e as pétalas de rosas que se desalinhavam no chão. Folhas
caídas e pétalas, mas que conhecem todas as estações da vida e os motivos que
as fazem ficarem assim, mortas, jogadas, espalhadas pelos terrenos férteis e
inférteis, simplesmente ao léu, pisadas por pés apressados e levadas por ventos
que não eram os meus. Ficava entristecido a cada estação do ano, e não
suportava ver a manhã seguinte, quando não via as folhas, pétalas sobre as
calçadas, jardins floridos e sem saber para onde teriam ido. Eis a vida, acho
que a vida é assim, penso eu, e por isso caminhando sóbrio sobre terrenos
férteis, entendia que devia deixar o vento me levar também.
Tendo-se razão ou
não, assim é a vida. O vento não te levará e nem a sua casa se você for firme e
construí-la sobre a rocha; o vento de sua vida será perfumado como a um jardim
florido; o vento de sua vida não o sugará da terra se tiveres alicerçado com amor,
então, sendo sua vida assim construída, suportará não somente o vento manso,
mas também os vendavais, ventanias, tempestades, que poderá até balançar sua
estrutura, mas se sua vida for bem regrada não será fácil você cair, sentir o
impacto, e não se desmanchará em pó tão facilmente. Podem vir primaveras,
verões, outonos e invernos, mas se os homens tornarem-se apenas folhas aí sim
deverá temer qualquer ventinho que não tardarão chegar. Assim é a vida... Mas
nos anos que virão entendo que não será tão necessário renovar apenas
guarda-roupas ou comprar veículo novo, mas sim, deixar que o vento nos leve
para renovar o nosso espírito e ampliar a nossa fé em Cristo; deixar que ele
nos ensine a dar uma faxina em nossas vidas; deixar que possamos rever tudo que
aconteceu de ruim e anotarmos na agenda de nossa existência, as palavras amor,
paz, fraternidade, solidariedade e justiça para que tudo possa, daqui por
diante, ser diferente.
Vaidoso, sou, mas
não sou egoísta, nem prepotente ou arrogante e no passo da fuligem, da folha
seca, de algo quase inexistente, tomo o meu destino e procuro ser humilde.
Absolutamente humilde. Sabes por quê? Explico: Porque sei que sou a folha que
voa mansa amparada pelo vento; porque não sei quantas primaveras, verões,
outonos, invernos terei; quantos finais de tarde passarão no jardim de minha
existência; quantas forças advindas do vento poderão suportar. Resta-me então
pedir ao meu Pai Celestial que jamais deixe a janela do universo fechada para
mim. Pode acontecer que as folhas, as pétalas, assim como eu, percam as forças
numa manhã ou tarde, e quando chegar ao entardecer, é possível que não
estejamos caídos enfeitando o leito de um caudaloso rio. Estranho é ver o tempo
passar, trazer o entardecer e a gente não compreender que havia um sentimento
profundo entre nós e que o trem da ventania poderia levá-las intempestivamente
junto com aquelas folhas estendidas em terreno fértil do tempo. Você, caro
leitor, um dia, também será passageiro desse trem ventania e pelo ar será
levado em direção à rua onde mora sua amada, mas como não terás destino, quem
sabe se o vento se perde na curva e o arremessará fazendo-o entrar por outra
janela, vê-la no seu quarto, deleitando-se na cama.
E quando você chegar
e antes de apreciar a lua, contar as estrelas e sonhar com os mistérios da
noite, certamente ficará observando a sua amada e assim como eu começará a
escrever alguma coisa numa pequena folha de papel. Talvez escreva: Ah, se
pudesse ser levado ao vento igual às folhas e pétalas, então meu destino seria
igual a elas, que são apenas folhas ao vento, mas no nosso mundo imaginário
sabemos que são apenas folhas, mas amadas pelo vento. E eu usando as asas de
minha imaginação estarei girando perto da janela, um voo baixo, esperando que
ela me veja, me segure me carregue, me aconchegue em seu colo, para depois, me
guardar dentro do seu diário, como uma folha que não precisa de vento.
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