Existem pessoas que
amam qualquer estação do ano. Eu vivo da forma que elas oferecem e relembrar do
inverno que passei em Santiago do Chile não me trouxe nenhuma saudade, pois lá,
diante de um aquecedor, os dedos sem luvas retorciam, não era capaz de sentir o
calor, as chuvas de verão e o cheiro das flores da acolhedora primavera.
Naquela bela cidade não era possível cobrir o meu sono, pois estava carente de
sol.
Fui visitar a
Capital chilena no mês de outubro do ano de 2016 e numa manhã fria e gelada de
inverno me senti acompanhado pela sinfonia das neves que esfriava os pés mesmo
usando sapatos aquecidos. Naquele mês, no Brasil, predominava a primavera. Em
Santiago, via as pessoas andando com pressa nas ruas e avenidas seguindo pro
trabalho e afazeres, todas agasalhadas até o pescoço. Era um festival de cores,
botas até o joelho, casacos compridos e escuros, para todos os gostos. Mas
naquela mesma manhã, a mesma neve fina que caía mansa, também cobria o telhado
alaranjado das casas e o escuro asfalto, batia sobre os vidros da janela,
fazendo um barulho suave que me tirava do embalo do meu sono já travado pelo
intenso frio. Embrulhado por cobertores grossos, procurando dormir e sonhar com
o único desejo que trazia a mim, uma esperança, rolava pela cama, espreguiçava,
mas notava que nela havia uma ausência: o calor, mas não o do “cobertor de
orelha”, tão comumente chamado no Brasil. Pela fresta da janela podia ver
tranquilamente a Cordilheira dos Andes, verem o tempo ser fechado por
esbranquiçadas neblinas, mas dessa vez, um pouco mais forte. Lá na avenida,
dava pra ver uma linda mulher, apertando o casaco contra o corpo, andando
devagar, cabeça coberta por um tecido de lá. O seu rosto pálido era fácil
notar, assim como, o cheiro de camomila trazido pelo gelado vento. Aquietei-me.
Meus pensamentos iam até o mundo inóspito, um lugar desconhecido, onde cenas
faziam embalar meus sentimentos, me faziam lembrar dos abraços que recebia do
manto da noite que me envolvia com amor, Lembrar dos soluços que ecoavam pela
casa fazia e das lágrimas e mais lágrimas derramadas sem parar que saíam dos
olhos serenos de uma garota, cheios de amor, mas que vinham acoplados de tristeza
e solidão.
Lembrar-me daquela
tarde ensolarada, daquele verão que passamos juntos, deitados na areia de uma
praia que criamos em nossa imaginação e das às ondas que vinham e voltavam;
lembrar das gaivotas que faziam seus voos rasantes sobre uma praia deserta;
lembrar do barulho das ondas e era com tanta força que parecia real, mas era um
amor tão surreal, imaginário, impossível de descrever, de explicar, só quem
pertencia a aquela região inóspita poderia entender.
Dei uma pausa. Olhei
novamente pela fresta da janela e lá fora, quase não havia mais neblina, as
pessoas se avolumavam nas ruas andando, se debatendo um contra o outro, cada um
com seus pensamentos em algo, nos problemas, nos filhos, nas tarefas, nas lojas
cheias, nas pessoas comprando, gastando, ganhando ou comendo, e era assim uma
manhã fria, monótona. As pessoas faziam as mesmas coisas quase todos os dias,
mas não era uma manhã qualquer para aquela linda mulher que se juntava à
multidão vestindo uma jaqueta preta, os olhos cheios de lágrimas, que jamais
entenderei por que. Alguém ia ao encontro dela e a olhou fixamente naqueles
olhos magníficos e perguntou estranhamente: Você quer ir tomar um leite com
chocolate ou café?. A mulher o fixou pasmo. E não era uma manhã qualquer, mas
os dois se entreolharam e continuaram no meio da multidão, Naquele instante
parecia que nada poderia separá-los, pois havia no peito deles um desejo
ardente, vadio. A neve caía, geava mais forte, mas nem se importavam, pois ali
estavam eles, amor e o tudo.
Naquele
oitavo andar, às vezes fazia da vida analogias de situações em que às vezes me
encontrava, não importava onde. Quando passava por momentos difíceis, em
invernos onde o sol batia fraco e não nos aquecia, onde a chuva era fina e não
nos nutria, sentia que minha árvore genealógica perdia o viço de suas folhas e
caíam lentamente por não serem capazes de se manter devido ao inverno rigoroso
que passei em certos momentos de minha vida. Bom, mas as raízes, estas sim, não
morrem tão facilmente, uma vez que estão envolvidas pela mãe terra que as
sustentam, que as protegem do frio onde também são nutridas com a água que se
acumula nesses pequenos grãos de vida que nos faz refletir sobre o que temos e
se somos capazes de sorrir e florir, gerar frutos e sementes antes da chegada
desses dias difíceis de inverno. Quando vemos que nada fizemos por merecer, o
sol da primavera, do verão ou do outono, passa às vezes e nada geramos em prol
do bem comum, não procuramos refletir sobre a nossa vida sem flores e sem
perfume, sem frutos e sementes. É nesse momento que o inverno rigoroso nos
permite refletir e assim nos fortalecer para a próxima estação e então mudar,
para nos fazer sorrir quando o sol voltar a brilhar. Por fim, quando o inverno
chegar devemos pacientemente esperar que ele passe para que possamos gerar
sementes que venham a fortalecer a floresta de nossa vida e o mundo como um
todo.
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