Certo dia, durante o
enterro de um amigo eu fiquei observando uma lápide colocada sobre um túmulo,
na qual, para aquele que é um bom entendedor, principalmente quando se trata de
coisas misteriosas, havia uma placa de mármore e nela uma frase que homenageava
o morto ali sepultado que dizia: “Enfim sóbrio”. Existiam outras frases
estranhas, pitorescas, profanas, em outros túmulos, mas que me abstenho de
citá-las porque posso transgredir as regras sagradas e falta do devido respeito
às coisas divinas. Destarte, muita gente famosa, celebridades e escritores de
renome esperam que seus nomes sejam escritos na lápide acompanhados de uma bela
frase, sejam ou não citando atos heroicos seus, todavia, com o passar dos
tempos frases começaram a serem usadas por toda a população para lembrar as
qualidades daquele ente querido que “viajou” para outra dimensão deixando muita
saudade.
Ao lado esquerdo do
túmulo um homem bem vestido colocava um buquê de flores sobre uma lápide de um
parente se, noutra, alguém de vestimenta branca colocava um prato cheio de
pedaços de frango ao molho pardo com pequi, junto uma vela e garrafa de pinga.
Na lápide estava escrito “Enfim sóbrio”. O homem bem vestido vira para o outro
e acreditando tratar-se um absurdo aquilo pergunta: Desculpe a intromissão, mas
o senhor acha mesmo que alguém virá comer esse frango e tomar pinga neste
local? Olhando de soslaio e meio chateado com a pergunta, o outro responde:
Sim, quando alguém de sua família vier cheirar as flores que você está
colocando sobre a lápide pode visitar este túmulo pra comer frango e se quiser,
pode até tomar uma dose de pinga. E continuou: Eu respeito às opções dos outros
e isto eu acho que é uma das maiores virtudes que eu tenho. Quem está enterrado
aqui era um parente, gente boa, mas que bebia muito e antes de morrer me pediu
que colocasse sobre a lápide uma garrafa de pinga, e sabendo que adorava,
coloquei também este prato cheio de coxa de frango, pois pode ser que seu
espírito sobrevoe este cemitério e procure alguma coisa pra comer. Na verdade
ele gostava bastante de frango ao molho pardo com pequi. Com seu jeito gozador
e profano disse que o modo de agir de cada um é diferente, pensa diferente,
então não deve julgar o meu ato, apenas tentar compreender. Só lhe digo uma
coisa: não é macumba.
A morte é um
mistério, mas sempre tem um túmulo esperando por alguém e isso não é mistério
pra ninguém. Mesmo que as estações do ano passam, que elas vão e volta, a vida
continua se a gente respeitá-la e curtir cada momento. O medo da morte é uma
ilusão no peito dos sábios, todavia, em relação a isso prefiro não ser um
sábio. Quem vive as estações de forma solene é igual aos que curtem uma vida
sem limites, isso eu faço e curto. Eu sempre sonhava ser cantor, um musicista,
pois a canção é a imortalidade e as estações permanecem mesmo quando se acaba a
alegria e a felicidade.
Observei
bastante o diálogo daqueles homens. Pra mim a conversa foi extensa,
incompreensível, descabida, feia, profana. Diante daquele ato senti que alguma
sou e que ainda me resta um pouco de sobriedade, talvez o bastante para me
lembrar dos sonhos e da vontade de viver de um ente querido, literato, que foi
chamado de volta pra viver e poetizar em outra dimensão. Olhei para a lápide do
amigo e ali estava escrita uma frase que me tocou profundamente que dizia: “Aqui jaz apenas um poeta que pouco escreveu. O
silêncio que paira aqui talvez faça parte dele algumas de suas obras
inacabadas” Logo abaixo daquela frase
a data de seu nascimento e morte.
A
saudade devorou-me por alguns minutos como um vapor que leva a última gota que
já pertenceu a um oceano, mas não me rendia, estava lá com as minhas orações,
mesmo que não viessem a falar mais dele, ainda estarei na terra alimentando-me
do que me devora, e quando um dia eu me for deste mundo sei que terei o meu
mausoléu e nele gravado, em minha memória um epitáfio qualquer, que aos poucos
poderá até cair no esquecimento, mas jamais se findará totalmente, pois, não
serei eterno, mas o que restou de mim poderá ser eternizado através da escrita.
Quando eu me for, insisto, o tempo encarregará de preparar o meu mausoléu para
um próximo, que ocupara o meu vazio e as metades desfeitas que alimentarão dois
sentimentos e quiçá, histórias de uma vida que poderão terminar igual a
minha...
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