
Naquela barraca à beira da praia a própria natureza fez-me esquecer a dor sofrida. As ondas que vinham do oceano se esparramavam sobre a areia branca despoluída e não mais retornavam ao seu habitat e quando algumas insistiam, outras as empurravam de volta, num vai e vem de confrontos de forças que só a natureza é capaz de decifrar. Vinham com as ondas nossos sonhos que se esvaiam ao colidir com nossos corpos já salgados por tantas marés impostas pela vida, talvez com a com intenção de nos benzer e proteger-nos do mundo profano. Encarei várias ondas no afã de restabelecer os sonhos que se perdiam na areia, e no calor de cada desabafo, restou-me retornar à barraca, para continuar ouvindo o som melancólico do mar e a voz incômoda de um repentista.
A manhã quente avançava sobre os coqueiros que circundavam a barraca enquanto a viola do cantador soava desafios e improvisos. Voltei os meus olhos para o lado cujos caminhos estavam embaçados pelo mormaço embevecido com a destreza daquele repentista que, na ligeireza de seus dedos calejados, articulava rimas e construía cadencias, enquanto os visitantes ouviam forró vindo de uma caixa de som. Era uma disputa infernal, mas o poeta de cordel precisava ganhar o seu quinhão. Ao ver a sua insistência, lembrei-me de minha adolescência e das modas de viola e da grande admiração pela espontânea inteligência dos cantores sertanejos que montados em cavalos baios ou viajando em velhos ônibus, percorriam cidades do interior de Goiás para fazer suas apresentações, promovendo nos palcos da vida uma verdadeira batalha pela sobrevivência e, dessa forma, receberem como retorno, afama e tornar-se e um lídimo representante da música sertaneja de sua região. O toque da viola do repentista e a lembrança de minhas raízes me fizeram voltar ao passado.
Quanto a aquele repentista procurei distinguir se naquele no momento não era um problema, pois, sem mais delongas, ponteava a viola e ia soltando versos no afã de persuadir-me, assim como aos burocratas freqüentadores daquela barraca, todavia, sabíamos qual era a sua intenção. No final e muitas vezes no meio da entoação recitava versos rimando com o pedido: colabore com este cantador com R$ 20. Caí como a um bobo da corte naquele rincão alagoano. Esqueci de levantar o dedo indicativo e em riste balançá-lo negativamente. Perguntei a mim mesmo: Como não cair numa armadilha quando se recebe uma cantoria que está sendo destinada à amada sentada ao lado. Ele quer ver a reação, o olho no olho e colocar-nos diante de um espelho imaginário para mostrar o radiar de uma felicidade duradoura. Esta tática que o cantador repentista usou para receber um sorriso dela, a minha compreensão e paciência, para, no final, me pedir para contribuir com alguma coisa e que, para evitar alguma dúvida, já antecipara no teor de seus versos. Meus dedos não sinalizaram o “não” para negar o início daquela apresentação e olha que o repentista rimou elogiando a beleza de minha mulher, o meu peito peludo, os meus olhos castanhos, comparando-me com o ator global Gianecchini e o meu jeito galã. Abestalhado e não querendo ser grosseiro com aquele repentista que entoava versos versejados, acabei por desembolsar R$20. Naquele dia, acompanhados de minha filha e genro, agora residentes naquela bela cidade de Aracaju, deixamos a praia apinhada de gente e de pequenos pássaros que bicavam minúsculos alimentos trazidos pelas ondas, todavia, a emoção de vê-la feliz e o seu progresso profissional, me fez esquecer tudo, dos momentos difíceis que passei e reviver somente sentimentos que alimentam a vida e motivam sensações prazerosas.
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