Nem bem o sol surgia no
horizonte, arriava o meu cavalo baio e aproveitando o seu trotão cadenciado,
encurtava caminhos para chegar à pequenina cidade de Pomares. Se eu usasse a
estrada principal teria que percorrer uns vinte quilômetros a mais para chegar à
escola municipal Santa Izabel. Sempre usava um desvio formado por uma trilha
construída por patas de animais e pés humanos, cheia de declives e pedras que
prejudicavam o trotão do meu cavalo Arizona. Mais
adiante, após passar rente a uma pequena serra, sentia o meu cavalo ofegante e como
de costume, virava às rédeas forçando-o seguir rumo a um pequeno córrego a
poucos metros da trilha para saciar a sede. Desci do animal, apoiando num galho
de pequi, pois eu tinha uma estatura bastante pequena se comparada com o
corpanzil daquele robusto cavalo, descendente de um puro-sangue inglês,
presente dado pelo meu saudoso pai.
Sentado à sombra de uma árvore
milenar, ficava olhando a água límpida daquele córrego que descia sobre o leito
cheio de pequenas pedras de cores variadas, que pareciam ter sido esculpidas
pela natureza, Dava vontade de me transformar em um peixe ou numa pequena folha
seca, cair sobre o rio e sair boiando sobre aquele caminho aquático que parecia
sem rumo, mas, infelizmente, tinha que prosseguir viagem. A escola me esperava.
Todas as vezes que descansava naquele local procurava escrever sobre um imaginário
quadro negro o meu futuro. A cada frase escrita, quando indecisa e sem nexo, o
vento com seu sopro afoito se encarregavam de apagar uma a uma sem pedir
licença. Enquanto a água descia mansa e os pássaros faziam algazarra nos
galhos, sonhava acordado e nem sentia os raios de sol daquela manhã de outono
passar entre as folhagens. Sonhava ser um veterinário para ajudar meu pai na
labuta diária da fazenda, mas sentia que não tinha dom; pensava ser engenheiro
e quantas contas e cálculos matemáticos vinham à minha cabeça. Não gostava de
matemática; talvez médico, essa profissão, não! Não apreciava a matança de gado
e nem gostava de ver sangue. E professor?
Também não! Além de não ter o dom natural, iria ganhar um salário
irrisório. O governo remunera mal. Por fim, sempre vinha um último pensamento:
ser advogado e este foi se firmando cada vez mais em meu subconsciente toda vez
que parava à beira daquele riacho.
Meses se passaram. Já não perdia
muito tempo à beira daquele córrego. Tinha pressa para passar perto da Fazenda
Madrigal e ver a bela e traquina Danielle, ora sentada no mourão da porteira,
ora equilibrando em cercas, mas sempre recebendo dela um caloroso aceno e um
sorriso contagiante quando por lá passava. O Arizona parecia me entender, pois
nem bem passava as pernas por cima do arreio ele já saía à galope. Era
compreensível, afinal, ele também já estava se acostumando com a figura
angelical dela e com o seu assovio que ecoava sobre o vale e nossos ouvidos o
recebia como se o som estivesse vindo de uma orquestra entoada sob a batuta Friedrich
Chopin. Mas, naquele dia, o mourão da porteira estava vazio. Preocupado, parei
o cavalo sob a encosta da serra e levantei os olhos rumo à sede da fazenda.
Tentei visualizar todos os recantos que circundavam aquele casarão e nada.
Fiquei esperando. Horas se passaram. A espera foi inútil. No dia seguinte fui surpreendido por uma
notícia funesta. Fiquei sabendo que ela tinha falecido em razão de uma doença
gravíssima e incurável: a leucemia.
Atônito com a notícia e de não
ter comparecido ao funeral, restou-me a lembrança dos momentos quando eu e ela,
às escondidas, curtíamos o pôr do sol no topo do Morro Agudo. Quantas vezes
abandonei a sala de aula só para encontrá-la perto do Lago das Brisas. Quantas
vezes, em nossa inocência, rolávamos felizes sobre o capim verde, embebidos de
amor e carícias audazes. Quantas vezes eu acariciei o seu rosto bronzeado beijado
diariamente pelos raios de sol. Quantas vezes a vi delirar com os cânticos entoados
dos pássaros. Como explicar cada gesto dela que era raro, assim como o seu sorriso,
que era místico? Eles traziam à minha mente a imagem de uma menina-moça, dotada
de um sorriso angelical, que conheci numa manhã ensolarada de outono, sentada
sobre o mourão de uma porteira e que noutra manhã não pode me esperar, deixando
este mundo para outra dimensão, levando consigo o nosso amor, os acenos e
assovios.
Passei a mão no rosto, imberbe e olhei
para o horizonte no afã de retratar o seu rosto no imaginário quadro negro que
novamente criei, desta vez, para poder encostar os meus lábios sobre ele. E o
fiz. Depois, entrelaçado por estas lembranças e com o coração dilacerado,
deleitei-me à sombra de uma árvore milenar do Morro Agudo, adormeci.
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