Aconteceu numa manhã de outono...

terça-feira, 17 de julho de 2012


Nem bem o sol surgia no horizonte, arriava o meu cavalo baio e aproveitando o seu trotão cadenciado, encurtava caminhos para chegar à pequenina cidade de Pomares. Se eu usasse a estrada principal teria que percorrer uns vinte quilômetros a mais para chegar à escola municipal Santa Izabel. Sempre usava um desvio formado por uma trilha construída por patas de animais e pés humanos, cheia de declives e pedras que prejudicavam o trotão do meu cavalo Arizona. Mais adiante, após passar rente a uma pequena serra, sentia o meu cavalo ofegante e como de costume, virava às rédeas forçando-o seguir rumo a um pequeno córrego a poucos metros da trilha para saciar a sede. Desci do animal, apoiando num galho de pequi, pois eu tinha uma estatura bastante pequena se comparada com o corpanzil daquele robusto cavalo, descendente de um puro-sangue inglês, presente dado pelo meu saudoso pai.

Sentado à sombra de uma árvore milenar, ficava olhando a água límpida daquele córrego que descia sobre o leito cheio de pequenas pedras de cores variadas, que pareciam ter sido esculpidas pela natureza, Dava vontade de me transformar em um peixe ou numa pequena folha seca, cair sobre o rio e sair boiando sobre aquele caminho aquático que parecia sem rumo, mas, infelizmente, tinha que prosseguir viagem. A escola me esperava. Todas as vezes que descansava naquele local procurava escrever sobre um imaginário quadro negro o meu futuro. A cada frase escrita, quando indecisa e sem nexo, o vento com seu sopro afoito se encarregavam de apagar uma a uma sem pedir licença. Enquanto a água descia mansa e os pássaros faziam algazarra nos galhos, sonhava acordado e nem sentia os raios de sol daquela manhã de outono passar entre as folhagens. Sonhava ser um veterinário para ajudar meu pai na labuta diária da fazenda, mas sentia que não tinha dom; pensava ser engenheiro e quantas contas e cálculos matemáticos vinham à minha cabeça. Não gostava de matemática; talvez médico, essa profissão, não! Não apreciava a matança de gado e nem gostava de ver sangue. E professor?  Também não! Além de não ter o dom natural, iria ganhar um salário irrisório. O governo remunera mal. Por fim, sempre vinha um último pensamento: ser advogado e este foi se firmando cada vez mais em meu subconsciente toda vez que parava à beira daquele riacho.

Meses se passaram. Já não perdia muito tempo à beira daquele córrego. Tinha pressa para passar perto da Fazenda Madrigal e ver a bela e traquina Danielle, ora sentada no mourão da porteira, ora equilibrando em cercas, mas sempre recebendo dela um caloroso aceno e um sorriso contagiante quando por lá passava. O Arizona parecia me entender, pois nem bem passava as pernas por cima do arreio ele já saía à galope. Era compreensível, afinal, ele também já estava se acostumando com a figura angelical dela e com o seu assovio que ecoava sobre o vale e nossos ouvidos o recebia como se o som estivesse vindo de uma orquestra entoada sob a batuta Friedrich Chopin. Mas, naquele dia, o mourão da porteira estava vazio. Preocupado, parei o cavalo sob a encosta da serra e levantei os olhos rumo à sede da fazenda. Tentei visualizar todos os recantos que circundavam aquele casarão e nada. Fiquei esperando. Horas se passaram. A espera foi inútil.  No dia seguinte fui surpreendido por uma notícia funesta. Fiquei sabendo que ela tinha falecido em razão de uma doença gravíssima e incurável: a leucemia.

Atônito com a notícia e de não ter comparecido ao funeral, restou-me a lembrança dos momentos quando eu e ela, às escondidas, curtíamos o pôr do sol no topo do Morro Agudo. Quantas vezes abandonei a sala de aula só para encontrá-la perto do Lago das Brisas. Quantas vezes, em nossa inocência, rolávamos felizes sobre o capim verde, embebidos de amor e carícias audazes. Quantas vezes eu acariciei o seu rosto bronzeado beijado diariamente pelos raios de sol. Quantas vezes a vi delirar com os cânticos entoados dos pássaros. Como explicar cada gesto dela que era raro, assim como o seu sorriso, que era místico? Eles traziam à minha mente a imagem de uma menina-moça, dotada de um sorriso angelical, que conheci numa manhã ensolarada de outono, sentada sobre o mourão de uma porteira e que noutra manhã não pode me esperar, deixando este mundo para outra dimensão, levando consigo o nosso amor, os acenos e assovios.

Passei a mão no rosto, imberbe e olhei para o horizonte no afã de retratar o seu rosto no imaginário quadro negro que novamente criei, desta vez, para poder encostar os meus lábios sobre ele. E o fiz. Depois, entrelaçado por estas lembranças e com o coração dilacerado, deleitei-me à sombra de uma árvore milenar do Morro Agudo, adormeci.

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