Era prenúncio de verão. O ônibus
balançava na estrada cheia de lama. Dia anterior tinha chovido copiosamente. A
estrada passava por uma região bastante produtiva e havia necessidade de
asfaltá-la para atender aos apelos dos produtores rurais e indústrias locais
que cresciam assustadoramente. À frente, viam-se várias máquinas rasgando o
chão já molhado pela chuva e às margens, lindas pastagens e capim verde
brotando. Plantações de soja e milho perdiam-se na imensidão de terrenos
férteis, enquanto os pneus do ônibus se debatiam nas imensas poças de lama, formando
um jato sujo e os lançava sobre a relva verde que margeava aquela estrada. Numa
curva, o veículo atola e o motorista olha pelo retrovisor e tenta forçar o
acelerador. O pneu desliza sobre o buraco cheio de barro e não consegue sair do
lugar. Cascalhos grossos e pedras são jogados no buraco e o motorista acelera
novamente. O ônibus arranca soltando uma fumaça cinzenta que cheirava borracha
queimada. O veículo parecia carregar um monte de problemas, pois além do
desgaste do motor, dentro ele levava passageiros cheios de esperança, ilusões,
mágoas, ansiedades, desamor... Juca fazia parte daqueles passageiros da agonia
e voltava da Capital no afã de rever o seu recanto recheado de sonhos imaginários,
mas, com certeza, a lembrança do amor que deixou retratado na moldura pendurada
na parede.
O ônibus mal conseguia ficar em
linha reta. Os passageiros se ajeitavam nas poltronas, inquietos. No banco da
frente duas jovens retornavam da Faculdade. Era tempo de férias. Calado, o
motorista segurava o volante com habilidade e o suor descia pelo seu rosto,
enquanto uma professora reclamava de seu salário irrisório, e outra, em prantos,
comentava sobre a morte do filho que tinha sofrido um acidente de trânsito. No
último banco um casal de namorados trocavam carinhos e sequer sentiam os
problemas causados pela estrada. Outros se olhavam fixamente, alguns
demonstravam medo, outros ódio, felicidade, descontentamento e aflição. Tudo
fazia daqueles momentos um viver nefasto. A tristeza infinita estampada em cada
rosto mostrava como a humanidade está doente. As alegrias são tão poucas que ao
se fitarem, encolhiam-se tímidas em suas poltronas com medo de serem abordadas.
Juca, inquieto em sua poltrona,
lembrou-se de Jéssica e dos momentos em que desabotoou uma fileira interminável
de botões forrados de cetim branco; do vestido azul, da blusa alaranjada, do
sorriso dela, do seu perfume que exalava cheiro de flores do campo e depois,
como último ato para se chegar ao ápice do prazer, um beijo ardente com gosto
de mel.
O sol se pôs no horizonte deixando a noite assumir o
seu lugar. Nenhuma nuvem importunava a lua e as estrelas que se esparramavam no
universo. Juca com o corpo cansado desceu do ônibus à beira da estrada e seguiu
rumo ao casarão de assoalho de tábuas e puro adobe construído a poucos metros
dali. Desviou de algumas poças de lama e com o coração em júbilo, parou
momentaneamente e com o pensamento alhures, adentrou naquele ambiente abafado,
deparando somente com o retrato dela pendurado na parede ofuscado pela
escuridão dos dias findos. Doeu e muito ao recordar
dos tempos idos, mas não poderia ser diferente. Se não bastasse a dor incontida
da perda, da lembrança que sempre trazia aquela imagem querida à memória. E o
retrato pendurado na parede foi à forma que Juca encontrou para amenizar sua
angústia e dor. Quando olhava para o retrato se rejuvenesceria e, ao deparar
com o sorriso contagiante, o semblante encorajador, os olhos estupidamente azuis,
os cabelos loiros soltos ao vento e o jeito simples de mulher amável e amante, reverenciava-se,
quedava-se inerte, enquanto os pensamentos inúteis e nefastos eram dissipados
com o uivo enganador do vento. Entretanto,
foi essa a maneira que encontrou para mantê-la viva em seu coração e também vivo
o seu amor por ela. Um acidente fatal
tirou-lhe a vida e ao Juca, já com o corpo curvado, rosto carcomido pelas
intempéries do tempo e amparado por uma bengala, restou, como última lembrança,
manter fixado na parede o retrato dela emoldurado de amor e saudade.
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