
O ônibus mal conseguia ficar em
linha reta. Os passageiros se ajeitavam nas poltronas, inquietos. No banco da
frente duas jovens retornavam da Faculdade. Era tempo de férias. Calado, o
motorista segurava o volante com habilidade e o suor descia pelo seu rosto,
enquanto uma professora reclamava de seu salário irrisório, e outra, em prantos,
comentava sobre a morte do filho que tinha sofrido um acidente de trânsito. No
último banco um casal de namorados trocavam carinhos e sequer sentiam os
problemas causados pela estrada. Outros se olhavam fixamente, alguns
demonstravam medo, outros ódio, felicidade, descontentamento e aflição. Tudo
fazia daqueles momentos um viver nefasto. A tristeza infinita estampada em cada
rosto mostrava como a humanidade está doente. As alegrias são tão poucas que ao
se fitarem, encolhiam-se tímidas em suas poltronas com medo de serem abordadas.
Juca, inquieto em sua poltrona,
lembrou-se de Jéssica e dos momentos em que desabotoou uma fileira interminável
de botões forrados de cetim branco; do vestido azul, da blusa alaranjada, do
sorriso dela, do seu perfume que exalava cheiro de flores do campo e depois,
como último ato para se chegar ao ápice do prazer, um beijo ardente com gosto
de mel.
O sol se pôs no horizonte deixando a noite assumir o
seu lugar. Nenhuma nuvem importunava a lua e as estrelas que se esparramavam no
universo. Juca com o corpo cansado desceu do ônibus à beira da estrada e seguiu
rumo ao casarão de assoalho de tábuas e puro adobe construído a poucos metros
dali. Desviou de algumas poças de lama e com o coração em júbilo, parou
momentaneamente e com o pensamento alhures, adentrou naquele ambiente abafado,
deparando somente com o retrato dela pendurado na parede ofuscado pela
escuridão dos dias findos. Doeu e muito ao recordar
dos tempos idos, mas não poderia ser diferente. Se não bastasse a dor incontida
da perda, da lembrança que sempre trazia aquela imagem querida à memória. E o
retrato pendurado na parede foi à forma que Juca encontrou para amenizar sua
angústia e dor. Quando olhava para o retrato se rejuvenesceria e, ao deparar
com o sorriso contagiante, o semblante encorajador, os olhos estupidamente azuis,
os cabelos loiros soltos ao vento e o jeito simples de mulher amável e amante, reverenciava-se,
quedava-se inerte, enquanto os pensamentos inúteis e nefastos eram dissipados
com o uivo enganador do vento. Entretanto,
foi essa a maneira que encontrou para mantê-la viva em seu coração e também vivo
o seu amor por ela. Um acidente fatal
tirou-lhe a vida e ao Juca, já com o corpo curvado, rosto carcomido pelas
intempéries do tempo e amparado por uma bengala, restou, como última lembrança,
manter fixado na parede o retrato dela emoldurado de amor e saudade.
0 comentários:
Postar um comentário