O Ambientalista e o Idioma Verde (II)

terça-feira, 3 de julho de 2012

Ao escrever este artigo, procurei dar continuidade ao texto publicado neste jornal na semana passada, com o fito de destacar algumas palavras do glossário verde criadas pelos ambientalistas, e como ressaltei anteriormente, foram bastante usadas na Rio+20. Escrevi destacando seis palavras verdes em cor verde, e hoje finalizo com mais seis, por tratar-se realmente de um tema de grande relevância ao meio ambiente.


A palavra organicus veio do latim, que tinha significado bem diferente: “relativo a instrumento musical”. Foi provavelmente por influência do francês que ela ganhou o sentido de “relativo aos órgãos dos seres vivos”. A expressão “agricultura orgânica” surgiu na Inglaterra em 1940, por oposição a “agricultura química”, para designar aquela que dispensava agrotóxicos e adubos químicos (e mais tarde sementes geneticamente alteradas). Hoje, como “eco” e “verde”, o adjetivo se reveste de conotações fetichistas e marqueteiras: ser orgânico significa ser mais caro, além de supostamente mais saudável, embora “o atual estágio das evidências científicas não aprove esse ponto de vista”, segundo informam as indústrias mundiais de alimentos. Esse detalhe levou à proliferação em todo o mundo, nos últimos anos, selos com variados graus de confiabilidade para atestar o que realmente merece ser chamado de orgânico.


O passivo ambiental é o custo associado à degradação ambiental em que incorre uma empresa. Cobrança de taxas e multas à recuperação de áreas poluídas, passando pela compra de equipamentos antipoluição exigidos por lei. A referência nesse campo é a legislação aprovada em 2004 pelo Parlamento Europeu, com base no princípio de que “o poluidor paga”. A menos, é claro, que tenha excelentes advogados. Mas a tendência internacional é fechar o cerco contra esses depredadores da natureza. A criação de gado é tão central na história da humanidade que a palavra latina pecuária tão usada pelos ambientalistas, tem relação de parentesco com os vocábulos “pecuniário” e “pecúlio”, distantes do vocabulário do campo e ligados à ideia de dinheiro e atualmente dizem causadora do agravamento do efeito estufa devido aos gases produzidos pelo esterco. Ah, acho que esses burocratas esqueceram-se das fumaças expelidas pelas chaminés das fábricas e escapamentos de veículos.


A palavra pegada ecológica foi criada nos anos 1990 por William Rees e Mathis Wackernagel, pesquisadores da universidade canadense de British Columbia, como medida do consumo de recursos naturais pelo homem em relação à capacidade da Terra para repô-los. Calcula-se que hoje a pegada total da humanidade seja de um planeta e meio, o que significa dizer que o consumo de recursos naturais excede em


50% a capacidade de reposição da Terra — um ritmo insustentável, portanto. Em geral, é uma medição que favorece países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento: o Brasil é um dos maiores credores do mundo nessa contabilidade.


Do ferro-velho e entulhos criou-se a palavra reciclagem. Reciclar — verbo que concentra a ideia de “submeter algo a um novo ciclo” — é uma ideia antiga. No entanto, na forma de programas organizados que envolvem governos, iniciativa privada e cidadãos comuns, a reciclagem viveu seus primeiros dias de glória durante a II Guerra Mundial. Tratava-se de reciclar, sobretudo metal para municiar a indústria de armamentos. A partir dos anos 1970, a própria reciclagem se reciclou e, sob a lógica da ecologia, incorporou outros materiais, principalmente vidro, plástico e papel. O Brasil apresenta índices conflitantes nesse quesito: líder mundial em reciclagem de latinhas de alumínio, com bom desempenho também no reaproveitamento de papelão e garrafas PET, não obstante existam poucos municípios com algum tipo de coleta seletiva.


Quanto à palavra verde propriamente dita, esta está entre as mais antigas de nossa língua: vinda do latim virides, surgiu já no século X, época que é considerada uma espécie de pré-história do português. Além da cor, nomeava as matas e, por extensão, a “natureza” em geral.  Nos anos de 1960 a palavra começou a ganhar projeção internacional com a acepção de “ecológico,  que tem preocupações ambientais”. Hoje o sentido ambientalista de “verde” está tão consagrado que a palavra virou bordão publicitário. Todo mundo quer ser verde, o que leva governos e organizações não governamentais a criar uma profusão de “selos  verdes” para certificar produtos e empresas que, segundo critérios variados, têm o direito de se proclamar assim.


A responsabilidade social palavra que consta do glossário verde, corre o risco de ser engolida pelo excesso de esperteza. Mais que uma expressão da moda, a responsabilidade social — de preferência com o auxílio de outro adjetivo, ambiental — tornou-se o xodó da comunicação corporativa no terceiro milênio. Acredita-se que tenha poderes  mágicos: se de fato há empresas socialmente responsáveis, também existem as que, com a ajuda de protocolos ensinados por profissionais especializados, dão publicidade máxima a bondades mínimas em busca de uma reciclagem de imagem pública que garanta diplomas de cientistas do verde e ficha imaculada a poluidores históricos que desconhecem o verdadeiro sentido da palavra e usam o glossário verde de forma inepta.

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