Quando
ultrapassamos a casa dos sessenta anos de idade a primeira ideia que nos vem à
mente é a aposentadoria. Mas, ontem, depois de retornar de um abrigo de idosos
não gostaria de tocar neste pormenor, porque ao conversar com eles senti que
não se consideravam idosos comuns, não aceitavam este rótulo e muito menos
dizer que tinham prazo de validade. E sabem por quê? Alguns deles nasceram e
cresceram na labuta da roça, algumas idosas diziam que lavavam roupas anos a
fio e as penduravam no varal da vida, sem contabilizar os anos perdidos; outros
diziam que massageavam barro para montar tijolos e adobes para construir
moradias, e os mais afortunados, plantavam arroz e milho, possuíam cavalos,
campeavam o gado, cuidavam de galinhas, hortaliças e pomares nos plantados nos
fundos dos quintais e ainda, se deixassem, eles até faziam ordenha de vacas.
Esses senhores e senhoras pagadores de impostos que trabalharam duramente a
vida inteira, sabem que o desamor e o abandono destruíram seus dias e os que
ainda lhes restam. Raramente, recebem visitas, e eles, inofensivos, acham
normais. Hoje, se considerarmos o aspecto de convivência familiar de cada um,
pode ser que alguns deles talvez tenha sido um desastre como pai, ou talvez,
não compreendido que estamos vivendo num mundo moderno, que os tempos mudaram,
o mundo evoluiu e que não se usa mais a varinha de marmelo para roçar as pernas
e bundas dos jovens desobedientes e nem a palmatória para esquentar a palma de
suas mãos. Hão de entender também que o tempo dos impacientes, implicantes,
teimosos, mandões não existe mais, todavia, em razão do que vem acontecendo em
relação à desobediência da juventude esses dois instrumentos “educacionais”
citados, hoje fazem muita falta.
Sentado
numa cadeira de descanso, com cachimbo e olhar perdido dentro de si mesmo, cabelos
grisalhos, mãos calejadas e rosto carcomido pelas intempéries do tempo, o velho
Manoel deu um longo suspiro, olhou-me meio desconfiado, mas querendo desabafar
pediu-me que gravasse esta mensagem e a enviasse aos seus filhos, e sem
pestanejar, foi logo dizendo:
-
Caro amigo, por causa da idade, não quero que meus filhos se preocupem em me
visitar todos os dias, ou qualquer dia, somente para cumprir uma obrigação.
Quero que eles façam isso quando sentirem realmente saudade, vontade de me ver;
quero que façam isso quando sentirem saudades daquele cheirinho de perfume
misturado com suor que sempre carreguei e eles sabem que só eu tenho; quero que
façam isso quando sentirem falta de um apoio moral, de uma orientação de pai,
porque ajuda financeira não mais posso dar, pois já doei a eles tudo que tinha.
Quero que sintam falta da forma que meus olhos olhavam pra eles, com aquela
expressão de orgulho, amor e carinho.
Hoje,
impossibilitado de andar com desenvoltura, por causa da idade e questões de
saúde, não quero, se for visitar alguém, que eles venham aqui e me levem com má
vontade, de uma casa para outra ou de uma cidade pra outra como se eu fosse um
embrulho rotulado com um prazo de validade. Na realidade, o meu querer é ficar
aqui, sossegado, neste recanto, curtir os amigos da mesma idade e lembrar-me do
cântico dos pássaros, do latido do cão, do cantar do galo no poleiro, do gado
pastando a relva molhada ou apreciar a ordenha do gado leiteiro, e se pudesse,
usaria as asas da imaginação para voar, ir para bem longe, além de mais além,
no entanto, é importante conscientizá-los o quanto eu valorizo as amizades aqui
neste abrigo e a liberdade, não só a minha, mas, sobretudo, a de meus filhos e
das pessoas que nos cercam e continuou...
-
Caro amigo, por causa da idade, quero que meus filhos me olhem e sintam orgulho
de mim, de tudo que tentei realizar profissionalmente em prol deles e de toda a
minha luta pela sobrevivência e levar a vida com dignidade, conforme os
princípios éticos e morais, conforme meus próprios princípios e a minha
vontade. Não quero que pensem que fui egoísta a ponto de prejudicar alguém, que
alguma vez falhei, ou que eu os amei de menos ou amei de mais, ou que amei um
mais que o outro. Eu simplesmente optei: eu quero ser bom pai, bom avô e
bisavô; eu quero amá-los muito e se pudesse cuidar de meus netos, bisnetos
quando precisassem de mim, é claro que cuidaria com o maior prazer, cuidaria
porque sei que em procedendo assim, estaria ajudando-os a se tornarem pessoas
de bem, especiais e que este meu ato pudesse fazer a diferença em suas vidas e
na vida dos que os cercam, mas hoje, infelizmente, não posso, porque alegaram
que não podiam cuidar de mim e aqui me abrigaram.
-
Caro amigo, por causa da idade, permita-me dizer-lhe que sinto uma vontade
danada de curtir meus netos, bisnetos e mimá-los do meu jeito. Que eles me
critiquem se eu exagerar nos carinhos ou que possa discordar de algum castigo
dado por eles, talvez pesado demais. Exagero que um dia posso ter feito, então,
queria que considerasse este meu ato de mimo apenas como um pedido de perdão e
uma prova de amor, amor inconteste de um pai e avô.
-
Caro amigo, por causa da idade e dos anos que ainda nem sei se vou emplacar,
quero que não sintam pena de mim quando porventura ficar debilitado, estirado
num leito e impossibilitado de andar por algum motivo qualquer; quero apenas
que olhem para mim e digam: meu pai sempre foi um guerreiro, sempre foi, é
forte, possuidor de muita fé em Cristo e cuidou da gente com amor, tornando-nos
homens de bem, usando ou não a vara de marmelo.
E
por fim, amigo, eu quero que meus queridos filhos, hoje ou amanhã, não se
sintam responsáveis por mim, eu lhes tiro dessa obrigação. Eu os solto, eu os
libero. Que vivam suas vidas, trilhe seus caminhos, procurem alcançar um status
melhor na sociedade, mas jamais se esqueçam de amar as pessoas com as quais
convivem. Quero que formem seus filhos, trabalhem, tenham êxito; quero os crie
como eu os criei, mas, logicamente, se eles acharem que eu o fiz da melhor
maneira. Quero que sejam corajosos, que sonhem muito, sonhem alto. Quero que
sejam gentis, retribuam sorrisos, compartilhem bons momentos, cuidem de seus
corpos, mas especialmente de suas almas. Jamais duvidem da existência de Jesus
e de nosso Criador. Que não se prendam a dogmas, não julgue nada, não condenem
ninguém, não acredite em tudo o que lhes disserem, procurem eles mesmos às
respostas. Quero que usem o poder de discernimento que há dentro de deles. Mas,
finalmente, quero que lembrem sempre disso: Eles podem tudo! O improvável pode
até existir, mas o impossível não, então, é necessário que eles creiam piamente
nisso. Eu apenas quero que sejam felizes, pois neste Natal, mesmo sem a
presença deles neste abrigo, eu serei!
0 comentários:
Postar um comentário