Parei
diante de uma casa numa rua sem saída. Parecia deserta, mas não estava. Alguém
habitava nela, pois podia ver que as paredes ainda colecionavam seus segredos.
Mas é certo que de vez em quando, parecia deserta mesmo, pois alguma “coisa”
tentava despistar a atenção da gente ou dos invasores de privacidade. E não
demorou muito. Uma janela se abriu, mas não tinha ninguém debruçado sobre ela,
parecia querer mostrar que a casa estava deserta, no entanto, uma luz intensa
iluminava aquele quarto e vultos passavam, iam e voltavam. Olhei pasmo e vi que
realmente não estava deserta. De repente, apareceu um vulto de mulher rente a
janela, outras sombras se refletiam nas paredes, trazendo aos meus olhos
devaneios mórbidos e dava para ouvir vozes embargadas e soluços que ecoavam
dentro do casarão, então, como afirmar se a casa estava deserta.
Não era
apenas o barulho que me endoidecia, mas principalmente a ideia de escutar sons
estranhos, fantasmagóricos, uivos e latidos de cães que nem sabia de onde
partiam. Mas todos diziam que a casa era deserta. Como acreditar nisso? Eu sei
que é difícil ouvir isso e catar os cacos de mim mesmo para depois passar tempo
todo tentando decifrar esse quebra-cabeça: uma casa onde todos diziam que é
desabitada, deserta, só que ninguém foi lá pra confirmar e olha que no imenso
muro tinha uma placa “aluga-se” já corroída pelas intempéries do tempo.
Eu peguei
coragem a adentrei ao imenso jardim cheio de estátuas de tempo medievais. Abri
o portão que soltou um zunido de coisa enferrujada. Parei por instantes, nem
contabilizei os segundos. Agucei os ouvidos e abri os olhos sem pestanejar.
Posso afirmar que eu adoro o silêncio quando é invadido por músicas, não me
importando o gênero musical, principalmente as que fazem de conta que é um
tipo, mas no fundo sabemos que não é, no entanto, isso dava no mesmo. Aprecio a
jornada onde a gente descobre o nosso gosto musical. É necessário saboreá-lo,
mesmo vindo daquele casarão deserto judiado pelo tempo, cuja musicalidade
chegava aos meus sensitivos ouvidos já adormecidos sobre as costas da noite.
Quando ninguém mais tem o que dizer e todos adormecem de cansaço ou libação,
meus olhos continuavam atentos a tudo, às vezes se fechavam enquanto minha boca
bocejava —, então sentia como se a vida extraterrena estivesse tatuando o meu
rosto, acompanhando de uma canção que invadia minha alma com muito gosto, permitindo
a quem nela viesse a morar eu entenderia que também poderia me transformar e
ser um protagonista de um filme ou do fantasma da ópera.
Ao
observá-la de perto, nem conseguia alcançar a inquietação que se acomodava em
minha alma, até porque aquele lindo vulto de mulher se agasalhava num véu
branco e parecia ter alma própria, pois vivia sombreando aquela casa deserta
que, às vezes, andava de um lado para outro, girava, girava, aparecia seguidas
vezes no vão da janela no afã de me assustar sei lá. Mas quando ela percebeu
que nada mais me assustava apesar de ver no seu rosto a tristeza de quem
deixara este mundo há tempos, assim como, o desapontamento, mesmo assim, deu um
leve aceno, eu retribuí e reiniciei a minha caminhada. Cortejava-me de longe,
mas ela e seus brancos véus eu sabia que jamais sairiam daquele inusitado
casarão.
Tenho
comigo que sempre aprendi a tirar esperança da cartola, mas naquele prenúncio
de noite não. A minha cartola quedou-se diante de uma beleza descomunal e dos
sons estranhos, mas suaves e gostosos de se ouvir, e de tão graciosos, me
fortaleciam de leveza e me fazia olhar aquela linda figura de uma maneira
diferente, respeitosa, especial, sendo ou não ela apenas uma alma perdida
naquela casa deserta.
Entrei
compassadamente e resolvi conversar com aquelas paredes, pois descobri que
precisava ver do outro lado, enxergar mais além e até ver o inusitado. Girei os
olhos e os fechei por segundos. Leitor sabe sobre os desenhos em que os
personagens ficam girando por um tempo no mesmo lugar e acaba abrindo um buraco
no chão e sumindo? Foi isso que aconteceu comigo e descobri realmente que
aquela casa jamais será deserta, pois as paredes pareciam me dar asas e abrir
portas quantas eu quisesse, e logo, apareceu um menino com vestimentas
estranhas, com uma bola na mão, tocando-a como se ela fosse o sol cercado
lantejoulas dependuradas no universo.
E foi aí
que descobri também que a minha casa não era deserta. Sobre a cama os
cobertores que me protegiam nas noites frias, as fronhas dos travesseiros que
sempre abarcaram minhas lágrimas em noites de sonhos adormecidos em que eu não
sabia como ou quando ia acordar. Então entendi que se não ficarmos alertas elas
serão apenas moradias para momentos em que se flerta com abismos, todavia,
alguns sonhos são bem agradáveis, aqueles em que a gente sonha com leveza. Mas
às paredes esse segredo nem conto, apesar da insistência desvairada delas, pois
muitos dizem que paredes têm ouvido então o melhor era manter-me em silêncio.
Todavia é fato: as paredes enxergam muito mais do que aqueles que, possuidores
de boa visão, os olhos ficam grudados na vitrine da vida e jamais enxergarão.
Quem não sabe se o nosso olhar depende da cadência da alma?
O céu, o
sol, a lua, as ruas, os labirintos urbanos são testemunhas dos passeios da
gente. Posso apostar que, como observador, não faço questão de lógica ou de
corroborar fatos que eu me encho de paz ao caminhar pelo bosque. É como
se os fantasmas de minha vida ou divindades me acompanhassem nesse momento,
sussurrando em meu ouvido os mistérios da própria humanidade. Desde aquele dia
eu me resgatei do medo principalmente quando me deparei frente a frente com
aquela alma de mulher e foi naquele momento também que entendi que ao fechar os
olhos e aguçar os ouvidos, procurei entender o outro lado da vida, que podia
tocar o céu, contar a estrelas e enxergar além de mais além quando estamos
diante de “alguém” cuja alma ainda habita numa casa deserta.
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