Zé Bigorna
andava meio triste lá pelas bandas da Vila Tamanduá quando certo dia um
redemoinho passou pela rua poeirenta tangendo folhas secas, papéis, sacolas
plásticas, espantando pássaros e levando toda a sujeira local. Zé nasceu na
cidade de Cabribó no sertão da Paraíba e há tempos vinha tentando esquecer-se
das terras secas nordestinas e morar de vez nas produtivas regiões do sudoeste
goiano, onde sobreviveria plantando soja e milho. Ia até bem na vida, mas um
dia tudo se foi por “água a baixo”, pois começou a dever pra muita gente e se
enroscar com a justiça local, e o jeito foi fugir da Vila Tamanduá da próspera
cidade de Mandruvá. Passou a viver de roça em roça, de cidade em cidade, mas
certo dia quando vagava pelo centro da cidade de Mamoeiro, sem as suas
inseparáveis peças, o famoso alforje que carregava sobre os ombros e uma
algibeira, todos vazios, e ao seu lado, o cão Peralta e mais nada. Diante de um
redemoinho que surgiu do nada, sentiu-se como se fosse uma simples folha papel.
E sufocado por uma densa poeira, sentiu o seu corpo rodopiar-se e ser engolido
junto com o de Peralta e outros incontáveis pedacinhos de papel. Tentou
escapulir, mas de nada adiantou. Sucumbiu-se à força daquele vento e ao próprio
desalento. Junto às sobras dos papéis recortados e sacolas voadoras levadas aos
céus, Zé Bigorna desapareceu transformando-se apenas em mais que uma obra
efêmera da natureza. Tão efêmero como aquele vento circulante que formava um
redemoinho.
Nem bem
longe dali vivia um tipo estranho e sempre usava um gorro na cabeça, jeito de quem dominava a natureza e caminhava
em direção à rua poeirenta. Era matuto como Zé Bigorna, como aquelas pessoas
que descambam para a cidade e para sobreviver faz de tudo um pouco.
Estabelecera na cidade de Mamoeiro exercendo uma função também estranha e só se
firmava quando os ventos eram bons e fortes, pois como dizia o povo: o danado
era criador dos redemoinhos e chamado “filho do vento”. Com sua força
sobrenatural viu a aristocracia, vestiu a fantasia e tornou-se um ser surreal
naquela região, principalmente quando os ventos mudavam de rumo, pois ao invés
continuar girando sobre si aquele ser estranho tornou-se um encantador em ruas
e campos poeirentos. Diziam que lutou muito para escapulir do feitiço, mas não
conseguiu safar-se e nem mudar a direção do vento, pois mesmo sendo feiticeiro,
começou a entender que a vida destoa, voa, assim como ele, Redemoinho, o filho
do vento.
E por
falar em redemoinho, não tão diferentemente do filho do vento, ele surge quando
há aquecimento em determinado ponto, transferindo-se esse calor à porção de ar
que está parada logo acima dele, e, quando atinge uma determinada temperatura,
esse ar sofre rápida elevação, subindo em espiral e cria um mini centro de
baixa pressão, ganhando velocidade e acaba levantando a poeira do solo, fazendo
com que um funil de “sujeira” se torne visível. Pois bem, o estranho de nome
Redemoinho parecia conhecer de tudo isso e dizia as más línguas que ele era
realmente o filho do vento. A população sabia que a grande
euforia dele era quando surgia o vento que vinha do sul, seja para fazer o bem, ou
para o mal. Todos tinham certeza de que o vento sul era o seu pai e que, com
sua força descomunal, levantava poeira, sacudia mares, brincava com os oceanos
e fazia surgir grandes ondas todas em redemoinho tudo como forma de homenagear
o filho
Ouvindo
essa história ou estória sei lá, como escritor e poeta, passei entender o
fascínio que tenho pelo vento, até mesmo quando ele abate os galhos das árvores
e faz planar as folhas secas caídas no chão. Sempre que o vejo soprando, seja
forte, manso, ou em redemoinho, me vem o desejo de parar num campo aberto e
arremessar o meu chapéu para o alto só para ver qual direção ele tomaria, mas sempre esperançoso de que o sopro do vento me levasse
junto e me deixasse num lugar qualquer, e que a distância não apagasse a minha
existência No fundo entendia que não era
necessário compreender quando o vento sopra em nossa direção, mas saber que a
razão é capaz de compreender o sucedido, pois as feridas no coração com o
passar dos tempos já estão extremamente profundas. No entanto, para mim
não me importava qual direção ou distância o vento nos levaria, só sabia que eu
iria junto com meu chapéu. Sem volta.
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