Sempre
chega a nossa hora. Sempre chega o dia em que sofremos um frio danado na
barriga e ficamos deveras nervosos. Ocorre uma pane cerebral. Às vezes pensamos
em desistir, temos medo de não conseguir chegar até o fim daquilo que
almejamos, pois não queremos fracassar. Certo dia me vi diante de uma enorme livro, comecei a suar muito, um
suor de escorrer pelo rosto que limpava as células adormecidas para, depois,
serem levadas pelo vento sem alcançarem o chão. Meu Deus! Foi apenas um cochilo. Se antes de começar a
pensar sobre um assunto sério estava suando, imagine antes de adentrar ao livro! Tudo ocorreu num
final de tarde, diferente, inusitada, parecia que o sol brincava comigo e não
havia nenhuma nuvem a importuná-lo. Fazia um calor danado! Não sei por que
aceitei escrever aquele texto, precisava de mais tempo para me preparar. Era
muito esquecido e era tanto esquecimento que esquecia até de mim mesmo, e em razão
disso, jaziam-se também as lembranças.
A tarde começou a
cair e o sol precisava entregar a terra à lua. A obscuridade à minha volta
começou a ser interrompida pela luz violácea dos relâmpagos que se enquadravam
no vão da janela, mas paciente, ficava ali, inerte, velando no silêncio do meu
quarto, dedilhando no teclado do computador, frases de amor que ia retirando do
baú corroído pelas intempéries do tempo, para enviar a alguém, mas, por
incrível que pareça não me lembrava quem. Passei as mãos no rosto imberbe e
fiquei aguardando o momento certo para reiniciar. Reiniciar o quê? Tinha
esquecido. Um pássaro passou e cantou freneticamente rente à janela e naquela
fase de pensamento absorto, levei um susto, mas o bom é que ele me devolveu à
realidade. Recuperado daquele transe os meus pensamentos começaram a voltar,
mas bem devagar, em ritmo lento, pensando sempre no momento em que meu corpo
voltasse a precisar de maior esforço. O suor continuava descendo, mesmo quando
o sol já tinha se despedido da terra. Novamente pensei em desistir, mas tinha
que continuar, não podia deixar de lado algo que era importante para mim e se
não continuasse naquele momento poderia voltar a esquecer. No meio das
folhagens que pendiam perto da janela, vi um rosto angelical de mulher, que
logo desapareceu por detrás de uma pequena neblina. Comecei a sentir sede,
precisava de água, vi um copo cheio de água à minha frente, não resisti e bebi.
Nem sei quem o colocou ali. Depois olhei para as folhagens com certa
ansiedade... A bela imagem não mais a vi. Da sacada ouvia-se uma música,
romântica, lenta, mas naquele instante, eu precisava de algo mais estimulante.
Na próxima vez pensarei nisso e preguiçosamente, debrucei sobre a escrivaninha.
Cochile, mas depois dormi debruçado sobre ela.
Horas
passaram. Fui novamente até a janela, olhei para os lados, procurando me
distrair, observando sempre os movimentos, alguns rápidos, outros lentos. Uns
transeuntes pareciam desajeitados, com pernas e braços balançando desconexos
como se estivessem num circo. Eram tão cômicos que não agüentei e sorri.
Ninguém ia me ouvir mesmo, estava na sacada. Aliás, dali não sei onde encontrei
forças para rir tanto assim. Ria tanto que meus rins doíam, enquanto o suor
tomava todo o meu corpo. Parei de rir, pois precisava chegar ao final tão
almejado. Não podia desistir e nem esquecer o que planejava. Os meus leitores
esperavam o melhor de mim. Parei de rir e passei às mãos onde ficam os rins e
vi que tudo voltara ao normal, Olhei na minha mão direita e no dedo indicador
um pequeno laço que eu tinha amarrado para me lembrar do que tinha que fazer.
Faltava pouco para terminar e sabia que ia conseguir. Fiquei olhando para o
laço e comecei a dar umas dedilhadas rápidas no teclado do computador e
palavras foram se amontoando no monitor; senti que o final estava próximo, mas
precisava de um título para fechar com “chave de ouro” o texto. Era mania minha
e para não esquecer tinha fixado no botão da camisa um clipe com um pequeno
papel e nele um nome. Ora, laço no dedo, clipe e outros apetrechos pendurados
no corpo só para lembrar-se de alguma coisa, não acham demais? Coisa de maluco
ou de quem está com amnésia. Eu simplesmente esqueci o que representava aqueles
apetrechos. Mas enfim, com esquecimento ou não, o importante é que cheguei ao
fim. Com os olhos e mente cansada, mas ainda com certo fôlego literário, quis
explicar, de alguma forma, que às vezes é necessário a gente anotar o assunto e
não se importando em que lugar se deve afixar a peça lembrança. Por outro
lado, devemos abandonar o velho barco e a mesma rotina; devemos deixar de lado
velhas roupas e esquecermo-nos daqueles caminhos que sempre nos levaram ao
mesmo lugar ou a lugar algum. Eu só não queria levar a certeza de que nada sabia ou
pouco sabia... Penso que cumprir a vida seja simplesmente ir marchando rumo
certo, seguindo em frente, sabendo que todo mundo passou por ele, amou, chorou
ou ainda chora quando passa por esse caminho. Cada um de nós compõe uma
história e vida. Cada ser em si carrega o dom de ser capaz, de ser feliz, de
girar em torno de si ou do universo como faz o planeta terra, e se não ousarmos
fazer, nós ficaremos para trás, à margem de tudo e em certos momentos,
começaremos a esquecer de nós mesmos. Você, caro leitor, sabe do que eu estou
falando e sei que não esqueceu, ou sei lá, poderia até ter-se esquecido ou
esquecido de esquecer.
Amnésia
literária é a pior coisa que pode ocorrer com um escritor. Num passe de mágica,
ele transborda de boas ideias, de história e estórias sedentas para serem
contadas. Esse transbordo pode acontecer durante uma caminhada num bosque; num
tumultuado trânsito; durante o deleite de uma sombra que o protege do sol;
durante a noite quando o sono surge de repente e não dá tempo para enxergar o
nascer da lua. Como num passe de mágica, esquece-se de tudo isso na companhia
da caneta, frente ao computador, tão logo os dedos tocam o teclado. Certamente são situações que
precisam ser estudadas antes que se dê um nó na memória do escritor, pois em
dias de amnésia literária em que a gente esquece tudo, o caro leitor tem de
concordar comigo, pois se torna necessário redobrar a cautela para evitar que o
literato cause uma “guerra mundial” em razão de um simples esquecimento.
0 comentários:
Postar um comentário