Bate papo com um mosquito.

terça-feira, 5 de maio de 2015


No mundo da imaginação ou do universo fantástico das fábulas todo absurdo é possível e permitido. O homem desfigura-se para compor o enredo, onde o bicho é coadjuvante. Homens se transformam em bichos, bichos se transformam em pessoas humanas, peixes voam, pássaros nadam, cachorro relincha, cavalo faz cocoricó, o pintinho pinta, pedras falam, bichos e homens conversam... E através da imaginação, podemos ir além dos nossos limites no tempo e no espaço, conhecendo assim um mundo inacreditavelmente real.

Através da sensibilidade da escrita, o escritor tem acesso à linguagem primordial, não somente do homem, mas também dos animais e das árvores. Quando homem solta os pensamentos eles voam sem rumo, carregando uma imaginação surreal, às vezes distorcida, talvez por pertencer a uma sociedade hipócrita, e já não se sabe, onde e quando termina ou começa a vida real, se é que existe. Distorcida ou não, a arte literária é uma manifestação de criatividade, de sensibilidade, de discernimento, de solidariedade, de simplicidade, mas não é, de maneira alguma, manifestação de conhecimento e nisso eu acredito e passo a régua.

Se colocarmos em discussão cientificamente a situação em comento, podemos afirmar que a pedra não é um ser vivo e pronto! A água desliza sobre o leito, mas não é um ser vivo e ponto final! O cachorro é um animal irracional, ponto e sem mais delongas. O homem é um animal racional e ponto final! Mas a questão é que estamos falando do mundo imaginário, surreal. Veja o título desta crônica: “Bate papo com um mosquito” E não é um mosquito qualquer. É com o chefe mor dos mosquitos, o Osama Aedes Aegypti Bin Laden e mostrar que podemos conversar com eles, com os insetos, com as plantas, com as pedras, com as águas, com os ventos... Então pergunto: Por que tantas pessoas se afastam da natureza? Por tantos tentam destruí-la para poder dominá-la? Não somos seres da natureza tanto quanto uma palmeira onde cantam canários e sabiás? Por que o povo não se une nos bairros para combater esse mosquito transmissor da dengue? Somos ou não somos maiores pelo fato de sermos seres que pensam.

Talvez, se não fosse à pergunta feita por aquele menino pobre estirado sobre um banco à entrada de um CAIS, bastante febril e com suspeita de dengue, eu nunca teria pensado em conversar com aquele famoso mosquito, acomodado há bastante tempo num pneu de trator, bem folgado, logo ali, num lote baldio. Mas o fato é que, de alguma maneira, esse famigerado inseto de pernas longas e magras já pensava em dialogar comigo. Eu ou qualquer pessoa jamais podíamos imaginar que ele estava ali junto com suas amadas se reproduzindo dentro daquele pneu.

Pois bem, todos sabem que o macho não transmite a famigerada dengue, mas dá suas picadinhas, respira como qualquer animal; ele morre e nasce e é um vivo ser que voa com o vento e brinca de esconde-esconde tendo ou não sol, tendo ou não chuva; reproduz em proporções gigantescas, ou seja, é um inseto de amor eterno, terno até demais com as fêmeas. Estas sim precisam de nosso sangue e transmitem a doença. Mas quem vai falar isso não sou eu, é o próprio Aedes. Eu sou apenas um homem que se preocupou com a situação daquele menino, que olhou e pensou, mas o que pensou o mosquito enquanto eu pensava sobre ele? O que estaria pensando enquanto eu descansava à sombra de uma árvore logo ao lado daquele lote baldio? O que estaria dizendo enquanto eu descrevia sobre sua magreza e impotência de transmissor? Por que deixa para a fêmea o trabalho de picar as pessoas que, infelizmente, não se preocupam em se desfazer do lixo que acumula no lote ao lado ou dentro de seu próprio habitat.

Estava observando demais a vida pregressa dele e quase me esqueci do bate-papo. Aproximei-me devagarzinho, e olho no olho, fiz a primeira pergunta:

- Há quanto tempo reside neste pneu?
- Tem vários anos, nunca fomos perturbados por qualquer ser humano. De vez em quando passa um carro soltando uma “fumacinha” fedida, mas de tão fraca não alcança nosso habitat.
- Por que o governo não consegue exterminá-los?
- Acho que ele não tem um projeto preventivo para eliminar os criadouros e combater nossas fêmeas transmissoras. A saúde pública brasileira está um caos e o povo não colaboram com a limpeza dos lotes baldios, dos vasos, pneus, garrafas, copos, tampinhas de garrafas, calhas, caixas d’água, piscinas, então, de nada valerá o trabalho da vigilância sanitária. Procriamos até em tampinhas e todos sabem disso! A incompetência do governo e a falta de colaboração do povo, jamais vão conseguir quebrar o ciclo de vidas dos mosquitos e eliminar ovos e larvas. O governo está até criando em laboratório mosquitos geneticamente modificado, mas tudo é forma de abrir canal para mais corrupção no Brasil. Finalizou dando um sorriso sarcástico bicudo.
- Quem é aquela fêmea toda desengonçada sobrevoando perto daqueles meninos? - Perguntei-lhe.
- É a Dina Russefe. Ela ruim e mente demais! É uma verdadeira sanguessuga. No criadouro dela têm os mosquitos Zenoinos de Castro, “os três em um” e o controlador, apelidado de Vaccari que tentou “picar” alguém importante e se deu mal. Dizem por aí que ele “meteu a mão” na rica mosquitinha Pietrabras, muita querida e respeitada por todos e se enrascou de vez, ficando sem o pré-sal que “salgava” as mãos do pessoal daquele criadouro, que, por sinal, é cheio de melecas e larvas... Aedes deu mais um sorriso, agora cheio de deboche, e antes de concluir, me perguntou: - Você realmente acha que está conversando comigo, um simples mosquito?

A pergunta me deixou encabulado, mas logo pensei: se sou escritor e viajo no mundo imaginação, então pode tudo. Como subterfúgio para que ele não mandasse sua amada se aproximar de mim com aqueles ferrões, respondi-lhe que sim e que podia ficar tranquilo que não ia denunciá-lo para as autoridades sanitárias e nem indicar o local de seu criadouro. Deixei o local pensativo e o fato acontecido, para os leigos, creio que só restarão descobrirem nesta crônica onde estão as metáforas, mas para mim, a imaginação de minha conversa com o mosquito era uma coisa real que ia além da imaginação. Tropos para uma fábula ou um acalanto, desses que invento para orientar, levar minhas congratulações e elogios a todos àqueles que se cuidam, fazem a sua parte no combate a dengue, cuidando de seu lote, de sua saúde e de seus vizinhos.
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