Fortunato era um pequeno agricultor, filho único, solteirão,
trabalhador incansável, de boa estatura, olhos azuis, cabelos castanhos
emaranhados até os ombros e morava com os pais à beira do Rio Corrente num
longínquo rincão do mato grosso goiano. Certo dia, cansado das desventuras,
começou meditar sobre como atravessar o rio, já que a única ponte de madeira
ficava a cinco quilômetros de sua casa, então, sentou-se à beira de um barranco
e começou a pensar... A solução era construir uma pinguela para encurtar o
caminho. Do lado de lá, depois de atravessar a densa mata, chegaria mais rápido
a igrejinha que em razão da distância participava pouco, e a construção dessa
travessia era a solução, pois sabia que encontraria lá a linda jovem,
professora, que faziam seus olhos brilharem e o coração bater mais forte. Ela
possuía uma silhueta
muito elegante,
pernas torneadas, cabelos loiros, compridos, e quando a via andar pela estrada de chão sacudindo os cabelos ao vento,
esta cena o deixava encantado. E não era miragem. Avexado, nem se atrevia a
acenar com as mãos quando deixava a igrejinha, ou mesmo quando passava perto da
escola onde ela ministrava aula às crianças do pequeno povoado.
Aqueles momentos inusitados mais pareciam um sonho e a construção da
pinguela era a única forma de se aproximar mais amiúde dela, de alcançar um sonho, ou talvez, acordar para a
vida.
Sabendo
que a travessia era insegura e a sensação de não conseguir alcançar a outra
margem poderia ser sentida a cada passo, mesmo assim não titubeou, cortou uma
enorme árvore que ficava às margens do rio e a ponta cheia de galhos caiu do
outro lado. Foi até lá, equilibrando-se no tronco tal qual a um macaco,
conseguiu aparar os galhos, tirar as lascas como faz um escultor e ainda
amarrar nela umas varas de bambu para ajudar no
equilíbrio. Pronto! Estava construída a formosa pinguela. Ficou observando a
sua arte, chegou bem perto do barranco, olhou para baixo e sentiu-se como se
estivesse num prédio de dois andares e depois, lembrou-se que além do medo de
altura sofria de labirintite e ao podar os galhos sentiu isso. Entretanto, para
quem sentia medo e não tendo alternativa, se viu obrigado a enfrentar a
sensação da travessia, até porque precisava se encontrar com aquela mulher.
Passados
alguns anos visitei Fortunato e numa tarde quente de verão, enquanto o sol se
escondia no horizonte, fiquei observando atentamente aquela pinguela e aí
me veio à mente que a nossa vida está repleta de momentos semelhantes. Muitas
vezes somos forçados a atravessar situações difíceis, sem
nenhuma segurança e equilíbrio. Muitas vezes pensamos até em
retroceder ou sentar a margem daquilo que achamos impossível construir. O
impossível no mundo de hoje é sobreviver ou viver em linha reta, avançar e
superar obstáculos. A menos que a opção seja por não amadurecer e não crescer,
mas sabendo que ultrapassar obstáculos faz parte do itinerário de qualquer ser
humano. Chegará o dia em que será necessário que levantemos nossos próprios
voos e experimentemos novos ares, pois somente consegue sucesso quem
avança independentemente da situação em que se encontram como foi o caso de
Fortunato Simão Filho que enfrentou o seu medo e pode alcançar na outra margem
o seu grande amor.
Vivemos
num mundo de altos e baixos, mesmo para aqueles que se dizem seguros quando
chegam ao ponto final. Na estrada da vida muitas vezes somos quase que
obrigados a passar por algumas “pinguelas” que balançam nossa estrutura
interior. Damos alguns passos, chegamos a vacilar e muitas vezes nem
damos conta de que não há consistência quanto à direção a ser
seguida, não obstante sabermos da necessidade de ir adiante mesmo não tendo
toda a certeza e segurança necessárias para alcançar o que almejamos. Quando
conseguimos passar pela pinguela da vida e pisar em solo firme é sinal que
vencemos os obstáculos, superamos nossas limitações e sentimos mais leves e
fortalecidos. A nossa vida é cheia de “pinguelas” e não adianta a gente querer
se desviar delas, pois elas surgirão ao seu tempo e quando surgirem, nada de
receio e ansiedade, pois, depois do esforço empreendido, vem à alegria de
termos conseguido alcançar do lado de lá pessoas que ansiávamos encontrar e
hoje a felicidade de tê-las com a gente do lado de cá, como aconteceu com
Fortunato.
0 comentários:
Postar um comentário