Sabrina, uma morena de periferia.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

                  (Crédito ilustração: Akeno Kurokawa/Aline França).
Sabrina era uma menina de periferia que queria viver bem, ter uma família, e quando sair, receber uma bênção da mãe, uma bênção do pai. Queria através da janela do casebre onde morava ver o pôr do sol, o nascer da lua, ter tempo para contar as estrelas... Mas como era difícil ficar lá ou sair de lá a pé, descer as escadarias construídas milimetricamente sobre um morro íngreme. Seguir em frente até onde os olhos pudessem enxergar e quando chegasse lá embaixo saber que dificilmente enxergaria mais adiante. Os olhos seriam dominados e encobertos pela selva de pedra. O jeito era driblar todos os desafios porque só longe da periferia sentiria o gosto de um beijo, o abraço de um homem de bem e descobriria como o mundo era e como as pessoas seriam. Ela era apenas Nina, uma menina, que queria conhecer o melhor de cada um, fazer amizades, descobrir inimizades e sob uma canção de ninar, fazer amor. Desse amor, poder comprar sapatos, vestidos, saias, lingeries, tudo novo e ao seu estilo. E Sabrina preenchia os olhos dos amantes com sua beleza e sensualidade descomunal. Ela se sentia bem do jeito que era, mas não a felicidade de ter uma família, receber durante sua chegada ou saída, uma benção dos pais. Em certos momentos achava que devia ter morrido durante o parto, mas a vontade de viver, de descobrir o prazer da carne e o amor era muito maior do que os problemas que a envolvia, daquele lugar que odiava e que todos chamavam de periferia, onde, infelizmente, seu mundo nascia todo santo dia.

Sabrina, mais conhecida como Nina não tinha pela branca, mas sua cor negra, cabelos anelados, olhos verdes, nariz fino, que traziam a feição de um pai branco de cabelo liso, ou de uma mãe negra de cabelos ondulados. Eles passaram a vida toda tentando convencê-la que a sua pele era parda, de tom claro, fazia dela uma menina branca, mas ela nunca aceitou isso. Odiava a ideia de ser branca e na realidade, não era. Nunca teve crise de identidade e chegou também a ser chamada de racista e diziam: “Aquela louca ali odeia branco”. Que nada seus amantes encontrados na selva de pedra todos eram brancos. Que blefem os vizinhos! Ouvia isso de muita gente, tanto dentro de sua casa quanto em qualquer outro lugar por onde passava. Pra eles, tudo bem, riam, mas ela não levava a sério.

Foi muito difícil entender por que ela às vezes não se sentia à vontade com a cor da sua pele. Parecia não fazer parte daquilo que ela era. Queria ser preta, mas era morena, queria olhar no espelho e ver sua pele mais escura, não conseguia ver, pois sua beleza transcendia diante dos reflexos do espelho, que se curvava diante de sua beleza, enquanto uma voz dizia: “Ninguém é mais bela que você”. Mas, mesmo assim, prendia seu cabelo pra esconder no volume dos seus cachos a maior marca da sua raiz: a negritude.

Entendia  que o tom claro da sua pele não poderia determinar tudo o que sentia e acreditava, defendia e nem podia esconder sua história e da sua família. Seria mais fácil alisar seu cabelo, clareá-lo e aceitar o rótulo de branca, mas agora ela tinha escolhido soltar seus cachos e dizer “eu tenho sangue negro e como eu me orgulho disso”. Conseguiu encontrar a negritude que tanto lhe negaram principalmente quando entendeu que isso passava pelas suas escolhas e a de ser negra sempre foi à maior delas.

Escolheu amar seu cabelo cacheado, escolheu cultuar sua ancestralidade africana, escolheu respeitar o sagrado do seu lar, escolheu ter um discurso de mulher negra que reconhece a dívida histórica que a sociedade brasileira precisa pagar, escolheu ser mais uma voz que grita contra o racismo e o genocídio da população negra. Então, assim, ao finalizar, dou um tempo para aqueles que ainda quiseram defini-la por uma cor, mas antecipo que ela oferece a cor da sua alma, porque entende ser indiscutivelmente negra!



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