(Crédito
ilustração: Akeno Kurokawa/Aline França).
Sabrina
era uma menina de periferia que queria viver bem, ter uma família, e quando
sair, receber uma bênção da mãe, uma bênção do pai. Queria através da janela do
casebre onde morava ver o pôr do sol, o nascer da lua, ter tempo para contar as
estrelas... Mas como era difícil ficar lá ou sair de lá a pé, descer as
escadarias construídas milimetricamente sobre um morro íngreme. Seguir em
frente até onde os olhos pudessem enxergar e quando chegasse lá embaixo saber
que dificilmente enxergaria mais adiante. Os olhos seriam dominados e
encobertos pela selva de pedra. O jeito era driblar todos os desafios porque só
longe da periferia sentiria o gosto de um beijo, o abraço de um homem de bem e
descobriria como o mundo era e como as pessoas seriam. Ela era apenas Nina, uma
menina, que queria conhecer o melhor de cada um, fazer amizades, descobrir
inimizades e sob uma canção de ninar, fazer amor. Desse amor, poder comprar
sapatos, vestidos, saias, lingeries, tudo novo e ao seu estilo. E Sabrina
preenchia os olhos dos amantes com sua beleza e sensualidade descomunal. Ela se
sentia bem do jeito que era, mas não a felicidade de ter uma família, receber
durante sua chegada ou saída, uma benção dos pais. Em certos momentos achava
que devia ter morrido durante o parto, mas a vontade de viver, de descobrir o
prazer da carne e o amor era muito maior do que os problemas que a envolvia,
daquele lugar que odiava e que todos chamavam de periferia, onde, infelizmente,
seu mundo nascia todo santo dia.
Sabrina,
mais conhecida como Nina não tinha pela branca, mas sua cor negra, cabelos
anelados, olhos verdes, nariz fino, que traziam a feição de um pai branco de
cabelo liso, ou de uma mãe negra de cabelos ondulados. Eles passaram a vida
toda tentando convencê-la que a sua pele era parda, de tom claro, fazia dela
uma menina branca, mas ela nunca aceitou isso. Odiava a ideia de ser branca e
na realidade, não era. Nunca teve crise de identidade e chegou também a ser
chamada de racista e diziam: “Aquela louca ali odeia branco”. Que nada seus
amantes encontrados na selva de pedra todos eram brancos. Que blefem os
vizinhos! Ouvia isso de muita gente, tanto dentro de sua casa quanto em
qualquer outro lugar por onde passava. Pra eles, tudo bem, riam, mas ela não
levava a sério.
Foi muito
difícil entender por que ela às vezes não se sentia à vontade com a cor da sua
pele. Parecia não fazer parte daquilo que ela era. Queria ser preta, mas era
morena, queria olhar no espelho e ver sua pele mais escura, não conseguia ver,
pois sua beleza transcendia diante dos reflexos do espelho, que se curvava
diante de sua beleza, enquanto uma voz dizia: “Ninguém é mais bela que você”.
Mas, mesmo assim, prendia seu cabelo pra esconder no volume dos seus cachos a
maior marca da sua raiz: a negritude.
Entendia
que o tom claro da sua pele não poderia determinar tudo o que sentia e
acreditava, defendia e nem podia esconder sua história e da sua família. Seria
mais fácil alisar seu cabelo, clareá-lo e aceitar o rótulo de branca, mas agora
ela tinha escolhido soltar seus cachos e dizer “eu tenho sangue negro e como eu
me orgulho disso”. Conseguiu encontrar a negritude que tanto lhe negaram
principalmente quando entendeu que isso passava pelas suas escolhas e a de ser
negra sempre foi à maior delas.
Escolheu amar seu
cabelo cacheado, escolheu cultuar sua ancestralidade africana, escolheu
respeitar o sagrado do seu lar, escolheu ter um discurso de mulher negra que
reconhece a dívida histórica que a sociedade brasileira precisa pagar, escolheu
ser mais uma voz que grita contra o racismo e o genocídio da população negra.
Então, assim, ao finalizar, dou um tempo para aqueles que ainda quiseram
defini-la por uma cor, mas antecipo que ela oferece a cor da sua alma, porque
entende ser indiscutivelmente negra!
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