Sentei-me
diante do computador. Fiquei pensando... Mentalmente fingi que estava
escrevendo, mas de repente, acendeu uma lampadinha sobre a minha cabeça e
depois ouvi: claquete! E qual a minha surpresa? Não apareceu diante de meus
olhos aquele instrumento de identificação de tomada de cena, nem o título de
minha crônica, número ou plano de ação, apenas uma voz que parecia vir de outra
dimensão. E não devia aparecer mesmo porque até aquele momento fingia escrever,
e com o pensamento alhures fingia um pouquinho, mas fingia. Esqueci da
claquete, puxei o teclado, comecei a digitar e lançar no monitor um amontoado
de letras. Nem inspiração, nem tampouco transpiração, mas não era conveniente
ficar sem o dito fingimento, mesmo sendo um fingir mental, pois, talvez, sem
ele, não existisse literatura. Não esquentem a “moringa” se evoco de novo a
magia das letras e volto a falar sobre o fazer literário. É que poucas são as
coisas tão semelhantes neste mundo de infinitas crenças. Mas falo mesmo é do
fingir, que se entremeia entre o real e a palavra. Pode até ser um vício real,
mas se torna necessário ao nosso mundo literário. E onde a palavra criou o
real, o fingimento precedeu a palavra. Mas acreditem, não é só a palavra, dele
também procede ao pincel e à mão que amolda. Podem me questionar à vontade,
dizer o que quiserem, mas de certa forma o fingimento é imprescindível à arte e
isto é fato. Para escrever ou fazer qualquer tipo de arte, é necessário fingir
que se faz, ou fazer, fingindo. É preciso transfigurar a realidade, é preciso
torná-la mais que essencial.
Quando
começamos a criar alguma coisa à primeira atitude é de fingimento. Não, eu não
sei se poderia chamar de atitude porque procuro me despir desta palavra quando
estou escrevendo. Mas, pensando bem, o fingimento, em literatura, não é uma
atitude. Embora ele exista contra nossa vontade, ou de nossa aceitação, não se
dispõe ao nosso manejo. Quando a gente menos espera, ele já se instalou em
nosso texto como a um posseiro.
Aquilo que
torna verdadeira a dor é pura verdade, pois a gente sente isso. Mas a verdade,
na verdade, a gente não reconhece, não obstante encontramos mais verdade do que
em si mesma. Dá pra entender? Complicado não! Para mim, sempre foi mais difícil
entender o fingimento do que os cálculos dificílimos de alguns alquimistas. O
que há em cima equivale ao que há em baixo e o que está em baixo é o mesmo de
cima. Coisa de maluco não! Não se tratando de inspiração, nesse caso o
fingimento não oprime como costuma acontecer com os que escrevem sob as bênçãos
dos deuses da literatura ou mestres acadêmicos. Não sendo transpiração, o
sentimento não nos confina, como atados ficam os que escrevem nas torres altas
e inacessíveis das formas ideais. Eu prefiro ficar totalmente despido de
fingimento e continuar como simples escriba.
Quando
escrevo e reviso o texto, o meu sentir não está despido, está coberto, não com
vestes suntuosas, mas com andrajos, talvez as mesmas de um escriba sentado em
sua poltrona quase nu. É quem sabe... Mas não sou eu. No entanto, precisamente,
aí pode estar atuando o fingimento. São os ornatos que desnudam e, talvez, na
vida, também seja assim. Às vezes tenho que aceitar a opinião da maioria de que
na literatura, que é uma vida mais real ou pelo menos mais densa do que ela, o
fingimento é o germe da arte. Ou há fingimento sincero, ou não há arte.
No mundo
da literatura e ou mesmo das artes desdenha-se das exatidões da realidade,
zomba-se da concreção do real, e só essa coisa fingida conhece o real e o
concreto. Essa coisa interposta pode tomar várias formas: imagens e metáforas
na literatura, talhos, fissuras e desmanches na pintura e na escultura, e a
pior, descontinuidade no cinema. Pode assumir infinitas formas, mas será sempre
uma espécie de desvio que não admite identidade absoluta entre arte e
realidade.
Ah, ano
passado quando escrevi a crônica: “O Escriba e a magia das letras e artes de
Goiás”, descobri que era um simples andarilho no mundo literário, um iniciante
das letras, um escriba. Descobri mais, agora sem nenhum fingimento, que o escritor é pertinente às suas ideias, ideais e
maluquices. Ilustra os textos com coisas reais e surreais, cria sabores, faz
até exalar aromas que extrai do improvável e transmiti imagens ao associar as
palavras e nesse afã, procura ser original, contorna algumas regras impostas,
como se estas fossem corredores imaginários, mas, notadamente, sem as
desrespeitar, mas nunca deixando de ir mais longe, mesmo sem usar as asas da
imaginação, alcançar o infinito. E quando as usa descreve o mundo de uma forma sutil
e consegue transformar o ordinário em extraordinário e nesse ínterim, sem
necessidade de se afirmar como intelectual gera empatia e faz com que todos
vejam mundo de dentro para fora e depois de fora para dentro e por essas
palavras, me sinto despido de fingimento.
O germe
que rodeia a arte pode não ter nome, e nem sei se a corrói com o passar dos
tempos, mas, para mim, ele se chama fingir ou se finge de corrosivo. A arte não
é estritamente a dor ou a alegria do artista, nem se estreita no seu sentir. A
arte não é o artista, e se o artista quiser fazer de si a sua arte, fatalmente
a diminuirá. A arte, a arte mesmo, pressupõe a ação do fingimento e, porque se
projeta, supera quem a criou. E como disse H. Pereira da Silva num provérbio:
“A arte não mente, mas o artista sim, na maioria dos casos, é um grande
mentiroso.”
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