Lá se
foram dias, meses e porque não dizer anos. Naquele pedaço de chão onde meu pai
usava enxadas e enxadões para o plantio não existe mais. Virou terreno arenoso,
seco, infértil. Uma tristeza infinda abateu sobre o meu coração. Adentrei ao
casarão construído de puro adobe e assoalho de tábuas e afrouxei a tramela. A
janela, obediente, abriu sem o mínimo manuseio de minhas mãos. Olhei rumo ao
poente e nem vi árvores nenhuma importunar o pôr do sol. Os regos d’água não
mais existiam. Nada à minha frente, apenas a natureza devastada. Da janela há
muito tempo vazia de gente, nem sinal de gotas de chuva ou de orvalho que
outrora molhavam as folhas e o vão quadriculado da madeira de angico. A secura
do tempo não as permitiu voltar como não voltaram os meus pensamentos que
jaziam num canto qualquer daquele casarão. Olhei mais uma vez para a imensidão
que parecia regozijar diante de mim e viajei imaginariamente... Meus
pensamentos voaram alto, foram longe, bem distante. Voltei aos tempos de
criança e como a um flash, logo me vi brincando nas pradarias, subindo nas
cercas feitas de lenha, nos pés de jabuticaba e das mangueiras floridas de
verão. Sentia o passado se impregnar em minha pele, previa o futuro entrelaçado
entre os meus dedos e a sintonia do universo pairando sobre minha essência e
algo me dizia que um raio se abriria timidamente no afã de me mostrar no fim
daquele resplendor alaranjado que toda a minha vida se passou e eu nem tinha
percebido, todos os meus suspiros se ecoaram sucumbidos pelo vento e tudo que
via era a figura de uma menina-moça que, timidamente, se aproximara de mim com
um jeito acanhando, mas possuidora de um olhar penetrante, ora trazendo-me
receios, ora ansiedade, que depois se misturaram com a sensação de bem estar.
Daquela janela via minha vida passar veloz como a luminosidade solar, mas algo
novamente veio me dizer o porquê daquela menina fazer brilhar meus olhos, o meu
coração bater sem compasso e suspirar...
Debrucei-me
sobre o vão e agucei meu pensamento. Eles iam e voltavam na velocidade da luz e
num repente, senti sobre o rosto sutis gotas de chuva que escorriam levemente
sobre a madeira da janela. Vi uma translúcida luz que vinha do céu
despertando-me para a vida e o belo anoitecer surgir. Escancarei um sorriso
repleto de mim mesmo, daqueles autênticos vindos da alma e sai terreno afora.
Sai em busca daquilo que sempre sonhei, sai em busca de mim. Meus olhos
brilhavam, o tempo passava lentamente, a noite parecia que seria gigantesca e a
lua mais que depressa veio para me acalentar. Os sons eram suaves, o entardecer
mais bonito e a brisa refrescante, que ingenuamente, acariciava meu rosto.
Quando amamos a vida ela nos ama de volta, quando fazemos o bem, ela nos traz o
bem, quando preenchemos o vazio, a vida afasta a solidão. Por isso, amem-se,
tenha ou não prenúncio de gotas. Seja o tempo frio ou chuvoso, amem-se. Sendo
quente ou abafado, amem-se. Pois um dia de tanto se amar as pessoas também
aprenderão, assim é a vida, viva o bem, pois que mal tem?
Depois da
chuva, pegue as gotas de orvalho que se agasalham nas folhas e façam delas
pequenos diamantes, e com esses diamantes, brincos e colares e os usem para
enfeitar sua amada, mas não as deixe cair. Pegue um
copo e enche-o de gotas e verás que não tem cheiro algum, beba uma gota e
perceba que seu sabor não remete a nada, a não ser a própria água, pois em copo
transparente ela é translúcida e diante do horizonte pode ser percebido por
entre esse conjunto de verdades, então, me permita levar o seu dedo indicador
até a superfície desse líquido para que sinta o frescor e sua pureza. Se puder,
procure perceber essa transformação surreal e se você tiver a capacidade
transformar-se, verás que, tudo se faz em tom mais escuro o sabor é de
aceitável amargor, mas, mirando-o rumo ao horizonte, não se verá mais que um
copo meio taça, como aquele vinho que a gente toma para engolir mentiras ou
tirar da alma o vil metal que passa cortando bem profundo a espinha das
inverdades que nos incomoda. Se um dia voltar a descansar no parapeito
da janela como eu fiz, lembre-se que: aquelas gotas de chuva que pousavam nas
folhagens como se fossem regras, para elas bastava apenas uma palavra, apenas
um "balançar na folha", para tudo vir à tona, e cair...!
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