Quando o
tempo me sobra ou me sobra tempo, procuro o meu computador instalado naquele
quartinho de empregada que transformei em escritório. Na parede, além do antigo
retrato de meus pais, pintado a óleo, pendurei todos os diplomas, certificados
e títulos recebidos, e neste mês, recebi mais três e o jeito foi procurar um
espaço pra eles. Considero todos de grande importância, principalmente o último
que recebi na Universidade de Santiago do Chile. Perto deles, e principalmente,
quando estou bem desperto, produzo melhor meus escritos e às vezes nem noto que
estou em plena selva de concreto e asfalto. Do meu pequeno escritório, no 13.º
andar, pode-se ver o pôr do sol e o nascer da lua mesmo com as persianas
semi-serradas. Na parede, à esquerda, diplomas de várias entidades e Academias
de Letras se destacam e eles são incentivos para continuar escrevendo. Sem
pestanejar, vou à janela, livro-me das persianas e a uso como um mirante para
visualizar as ruas, prédios e o longínquo horizonte. Encho os olhos de
paisagens e na retina, impregno os meus sonhos.
Do alto,
vejo um cachorrinho preso a uma fina corda que, inocentemente, deposita os seus
restos de lixo na calçada e uma senhora, que deve ser “mãezinha” dele, nem
liga, pois a calçada não é a dela e nem mora perto. Eu tive que rir, ri muito
daquela situação vexatória e do rosto ruborizado da mulher quando o danado do
cãozinho defecou bem mole sobre a calçada. Como ela iria colocar no saquinho de
plástico? Senti-me culpado, pois devia ter entrelaçado os dedos para prender o
cocô no orifício do bichinho. Ao ver aquela cena meus pensamentos foram e
voltaram na velocidade da luz trazendo o meu tempo de criancice. No que tange a
aquele cachorrinho é claro que veio à minha mente cenas do passado: cachorros
fazendo suas necessidades, e a gente, inocentemente, sem maldade, entrelaçava
os dedos indicadores e num repente, os excrementos do animal não fluíam mais,
ficavam como que congelados entre o orifício e o espaço. Quanto à lembrança que
tive de certo cachorrinho, infelizmente, não tive tempo de entrelaçar os dedos.
Sorte dele, mas não da dona. Mas naquele tempo situação como esta aconteceu com
uma senhora educada, de fino trato, que apenas ficou observando sorrateiramente
o meu ato e nem se importou quando descruzei os dedos e juntos escutamos o
gemido do canino e sair do orifício um excremento e “plaft”: o sólido foi
atraído pela gravidade e se espatifou no chão.
Do alto, o
sol veraneado de uma manhã de domingo me animava a tirar os óculos de grau para
captar de modo natural, sem anteparos, o mundo que me rodeava. Esparsas nuvens,
raios de sol e um bando de pássaros que brincavam de esconde-esconde nos
arvoredos, por isso é que tomei a decisão de descer com a máquina para
fotografar a beleza celeste e aqueles pequenos pássaros, mas quando cheguei à
calçada, eles não estavam mais lá e o jeito era fotografar os raios de sol que
retalhavam os prédios e, com certo cuidado, esgueirei-me pelos muros,
sorrateiro, caviloso, dissimulado, para conseguir chegar a uma distância que
julguei suficiente para localizar os pássaros e produzir com a máquina uma obra
de arte: prédios, raios de sol e os pássaros com seus vôos rasantes.
Quando
retornei ao escritório fui conferir as imagens e descobri que em três fotos não
tinham os pássaros e nem prédios, e em outras três, apenas uma distinguia duas
aves e um prédio, tornado-se um exercício de adivinhação. Descobri que não era
um bom fotógrafo. Um caso à parte, mas impediu-me de postar no PC. Ah, para não
me descontrolar dentro de minha “caixa de fósforos”, que é meu escritório, e
não esquentar a “moringa”, fui até a uma pia e joguei um pouco de água no meu
couro cabeludo, depois liguei o ventilador, respirei fundo e disse: As fotos
não saíram boas, mas também não pisei em nenhum excremento de animal.
Mas
vamos esquecer esses restos de animais que ficam nas calçadas e ao invés de
placa no jardim pedindo aos donos para recolher os excrementos, vamos
entrelaçar os dedos. Mas, voltemos ao que interessa: o meu pequeno e
“aconchegante” escritório. Neste ambiente cercado por uma estante cheia de
livros é que componho as minhas escrituras, converso com as pessoas amigas
através da internet e escrevo minhas malfadadas crônicas. Sentado diante do
computador massageando o teclado até formar um emaranhado de letras, às vezes
recolho de meu pensamento que está bem distante algumas frases há tempo
impregnadas em meu subconsciente, que me embaralham, mas teimoso, escrevo.
Todavia, o espaço que me reserva o jornal Diário
da Manhã é
pequeno, mas à vezes, até abuso, como faço neste texto. Então, o jeito é parar de
escrever porque não gosto muito de lamúrias e nem vivo ancorado no passado,
assim como, não me apoquento e nem
me deixo ancorar nos fundos rochosos ou
arenosos de minha massa cefálica, caso algum livro ou texto meu não sejam
publicados. Escrevo por escrever. Amo escrever e às vezes pergunto a mim
mesmo: Onde estão os amigos confrades, acadêmicos que quase não se comunicam?
Eu estou aqui dialogando com o mundo, um simples escriba ou aprendiz de
escritor, nascido no interior e crescido na periferia da Capital, que andou de
pés descalços, camisa surrada, calças curtas, mas, hoje, dotado de uma
curiosidade enorme, cheio de esperança e que continua buscando sonhos
ilimitados. Posso dizer que me tornei um homem moderno, ajustado, tolerante,
sem preconceitos, todavia, diante da parafernália eletrônica, seja em tempo
frio ou quente, este acadêmico ou confrade que ora escreve é, como dizem os
argutos: sumidouro de memórias, ah, isso realmente sou... Então, caros amigos e
amigas, cuidem-se!
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