Num pequeno beco e cheirando crack para enganar a fome, cujo pó fora improvisado numa latinha de refrigerante, Pimpolho como era chamado pelos meninos de rua, cambaleava confuso e diante daquela noite escura e fria desejava o fim do mundo para poder deitar novamente nos braços cândidos de sua amada Amarília que certamente, acreditava ele, já tinha encontrado aposentos no paraíso. Ela tinha morrido de overdose num domingo de sol, cansada de tanto buscar respostas imediatas para sua vida e das dores que lhe corroíam o corpo e lhe tiravam a calma nos momentos mais impróprios do dia. Pimpolho era usuário e depois passou a vender drogas. De perseguidor passou a ser perseguido pelo mundo do crime. Andava pelas ruas escuras e via vultos, mas, não conseguia identificar se eram gente ou monstros, dado ao excesso de droga que tinha consumido (cheirado) naquele dia, que dominava o seu cérebro e delineava em seu corpo dores indescritíveis. Em sua derme se viam torturantes imagens e frases sem nexo tatuadas em seu corpo franzino.
Peito nu, calça caindo sobre a bunda e diante de um frio intenso, olhou para aquele prédio abandonado pensou: é só subir e pular do 5.º andar e pronto! Logo estarei com Amarília. A queda é curta; sei que a dor é surda, mas é inevitável. Imaginou seu corpo estirado na calçada entre os transeuntes que em suas pressas rotineiras, talvez, nem se importariam por tratar-se um delinqüente, uma vez que a ferrugem que alimenta a solidão tende a engasgar a garganta rouca das pessoas com palavras insolentes. A sua voz já fraca insistia em ecoar-se no beco enquanto a cidade devorava as almas em cicatrizes escondidas nas confusões urbanas e sequer sentiu que Pimpolho estava à beira do abismo prestes a despencar. Desabar ou deixar-se cair; era apenas mais um passo à frente, uma questão de segundos para despedir-se da vida e deixar que aquele transe profundo, dominado pela droga, o levasse de volta ao começo de tudo: o paraíso.
As luzes piscavam freneticamente diante de seus olhos enquanto reinventava desatinos costumeiros para desencorajar os que teimavam em consumir drogas que certamente, como ele, ficarão perdidos, abandonados pela família, pela sociedade e não terão respaldo para atravessar o longo corredor da solidão e escapar da dependência química. De alma vazia, deixa tudo espalhado pelo chão úmido dos becos da vida e nem se importa em perder a memória como quem esquece um papel importante, mas, sempre sabendo que a solidão rondará seus passos que se abrem diante do firmamento sem luz ou esperança de uma clarividência; antes que o sangue estanque, que o dia amanheça e possa dormir enquanto o mundo explode em centenas de manifestações desencontradas.
Pimpolho fugindo dos seus erros, mas, com o sorriso estampado em seu rosto, deu um passo para frente. Olhou para as estrelas que brilhavam intensamente no céu; lembrou-se do conselho sua amada Amarília, hesitou e deu dois para trás. Naquele 5.º andar um tiro de revólver cortou a escuridão. Uma bala perfura o coração de Pimpolho e o seu corpo cai lá das alturas tendo apenas a noite como testemunha. A marquise daquele prédio abandonado que lhe servira de abrigo por muitos anos agora jaz o seu corpo franzino.
VANDERLAN DOMINGOS DE SOUZA. É advogado e escritor – Membro da União Brasileira dos Escritores. E-mail: vdelon@hotmail.com Autor dos Livros: Uma Pedra no Caminho; O Mistério do Morro do Além; e Espelho das Águas.
VANDERLAN DOMINGOS DE SOUZA. É advogado e escritor – Membro da União Brasileira dos Escritores. E-mail: vdelon@hotmail.com Autor dos Livros: Uma Pedra no Caminho; O Mistério do Morro do Além; e Espelho das Águas.
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