Níqueis Caíam em Cachoeira

terça-feira, 6 de março de 2012

Dia perfeito para uma caminhada matinal. O quintal da fazenda Bela Vista estava sombreado por imensas árvores que amenizavam o calor causticante, mas a hora de voltar chegara, pois não podia caminhar por muito tempo por ordem médica como fazia anteriormente, no entanto, para a minha sorte, a pequena estrada  que levava ao pequeno riacho estava  plana e sem poeira; tudo  muito perfeito até alguém  ao passar por mim  injetar-me uma dose de insatisfação:  um boiadeiro montado num cavalo baio, interpelou-me dizendo em voz alta que uma organização que explorava jogos ilegais tinha sido desmantelada pela Polícia Federal e entre os suspeitos estavam um tal de Carlinhos Cachoeira e muitas outras personalidades  ilustres entre civis e militares. Relutei um pouco a acreditar. Ao final da prosa, sentindo o conhecimento político daquele matuto, restou-me ficar estático e pasmo em relação aos nomes dos envolvidos. Despedi-me e voltei o olho para o lado esquerdo da estrada e a poucos metros uma pequena, mas imponente cachoeira me esperava. Era costume quando ia à fazenda visitar aquele local aprazível. Ainda atônito com a notícia, desci sobre o barranco acalentado pelo som da água que caia mansa sobre o poço e naquele instante eu mais parecia um menino que sentia a perda de seu pirulito tomado por um pivete. Olhei para os raios de sol que passavam retalhados entre os galhos daquelas árvores milenares e pensativo, me lembrei dos conselhos e exemplos de honestidade dados pelo meu saudoso pai e saudosa mãe que me mostraram o caminho da retidão, ensinando-me a fazer o bem sem olhar a quem.

Pensativo, fiquei olhando as águas e de repente, por encanto, no meio daquele grande volume de água vislumbrei grande quantidade de níqueis que caíam em cachoeira misturando-se a rostos conhecidos e estranhos naquele espelho d’água, e com eles, insígnias, boinas, coturnos, coletes, distintivos e armas de todos os calibres também iam se desprendendo das emaranhadas máquinas caça-níqueis, enquanto viaturas recolhiam uma a uma. A Polícia Federal no intuito moralizador ia enquadrando os usuários daquelas parafernálias eletrônicas nos crimes de corrupção ativa e passiva, facilitação ao contrabando, contrabando, violação de sigilo, lavagem de dinheiro, peculato e formação de quadrilha. A cachoeira, naquele momento inusitado e surreal, ficou poluída e no poço, formou-se um lamaçal. Estupefato, olhando para o sol ainda matinal, questionei: O que leva um empresário ou uma pessoa graduada a fazer isso? Que exemplo está dando a seus filhos? Será que esse tipo de pessoa não importa com nada, apenas com o ganho fácil? Será que esse tipo de ação criminosa faz parte de sua índole, ou sua personalidade já faz parte deste mundo profano?

Olhei novamente sobre o espelho d’água enlameado e vi meu rosto refletir sobre ele. Ainda foi possível ver meus cabelos com as pequenas mechas brancas e o rosto carcomido pelo tempo, que trazia sinais de muita luta, alegria, dor e saudade; foi possível meus olhos verem as águas revoltas por receber aqueles incômodos detritos,  e perdido dentro de mim mesmo, tentava enxergar o impossível para salvá-la daquele lodaçal, mas tudo que planejava era em vão; o meu cérebro cansado de tantas labutas também quedou-se  diante de tantas mazelas; o meu coração extenuado de dor, tentava compreender porque  pessoas de fino trato social  passam a pertencer a uma organização criminosa altamente sofisticada no afã de proteger o líder maior  e os exploradores da jogatina no Estado, assim como, nas operações criminosas, onde recebem,  dele ou deles, em troca,  as famigeradas propinas, cujo valor variava de  acordo com a função do agente público ou a patente militar. Esse grupo de pessoas inescrupulosas estava infiltrando em todos os setores da administração pública deixando o Estado vulnerável.

Naquele momento de tortura surreal, outras situações pitorescas continuaram acontecendo, todas caindo sobre aquela cachoeira.  Eram rostos de Ministros, prefeitos, mulheres fiscais da receita federal e primeiras-damas, todos e todas carregando dinheiro na mão desviados do setor público para comprar mansões, carros importados, vinhos, uísque, rações  para  cachorro, compras em supermercado, lingerie e tantas outras mazelas. A água já raivosa parecia querer romper-se junto às pedras pontiagudas ante a corrupção generalizada que ali passava, ainda mais tratando ato de corrupção praticada por mulher.  Segundos depois, caía desembestada uma sucata giratória - a montanha-russa do Mutirama, - infestada de vírus corruptos que contaminou toda a água, transformando aqueles rostos que caíam em cachoeira em espectros humanos travestidos de sorrisos irônicos.

E quando menos esperava apareceram outras situações horripilantes envolvendo políticos renomados, tanto do alto como de baixos escalões do governo. Denúncias estarrecedoras e de repercussão nacional, que me deixou envergonhado e com certeza toda a sociedade estupefata e boquiaberta. Analisando a situação em tela que gerou aquele impacto surreal e assustador, entendi que no homem político a fraqueza de sua natureza humana tende a distorcer a personalidade do seu cargo e do poder e o leva, enquanto autoridade em função pública, a apropriar-se privadamente dos poderes inerentes ao  cargo e não à sua pessoa. A cachoeira parecia querer me envolver e mãos enlameadas saiam do fundo do poço tentando me puxar para dentro, mas, graças a uma força estranha talvez movida por uma noite mal dormida e a freada brusca de carro acordei. Com o corpo suado, levantei-me da cama, fui à janela, olhei o sol que já nascia soberbo no horizonte e respirei fundo. Tudo fora apenas um sonho. Graças a Deus!

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