Amigo leitor (a)

Amigo leitor (a). Quando lemos um livro, ou qualquer texto, publicados ou não, que são sinônimos do prazer, por mais simples que forem, sejam reais ou surreais, nos permite exercitar a nossa memória, ampliar nossos conhecimentos e nos faz sentir as mais diversas emoções, por isso, sensibilizado, agradeço a sua visita ao meu Blog, na esperança de que tenha gostado pelos menos de um ou que alguns tenha tocado o seu coração. Noutros, espero que tenha sido um personagem principal e encontrado alguma história que se identificasse com a sua. PARA ABRIR QUALQUER CRÔNICA OU ARTIGO ABAIXO É SÓ CLICAR SOBRE O TÍTULO OU NA PALAVRA "MAIS INFORMAÇÕES. Abraço,Vanderlan

Nas asas da imaginação.

sábado, 24 de outubro de 2015

Encostado no parapeito da varanda eu agucei meus olhos rumo ao horizonte, procurando desviá-los da selva de pedra que me impedia de enxergar o belo anoitecer. Aos poucos o brilho do sol foi desaparecendo, encerrando-se o espetáculo que o dia me oferecera, mas o céu não querendo estragar aqueles momentos inusitados, agiu rápido, oferecendo-me a lua, que já nascia soberba detrás dos montes. E foi ali naquela sacada do 4.º andar, bairro Suíça em Aracaju que voltei a recordar do voo que fiz a Santiago do Chile e logicamente, dos momentos de turbulências ocorridas devida à instabilidade do tempo. Mas, eu estava acostumado com as maluquices do tempo, e naquele recanto, era hora rir, rir de uma amiga e de muitas pessoas que se assustaram durante os voos; era hora de gargalhar, de rir até de mim mesmo, mas me contive, enfim, eu queria era, além de festejar minha ida a um país estrangeiro, também curtir o que tinha visto lá das alturas... Naquele momento de nostalgia, de recordações, é claro, já estava em piso firme, ou seja, na varanda de um prédio recebendo o sopro do vento que acariciava o meu rosto imberbe, e sem querer, indicava que a brisa fresca vinha do mar a poucas quadras dali.  Sabia que a brisa vinha de plagas distantes, mas poderia a qualquer momento retornar com o vento, então, não poderia ficar ali sem fazer nada, só sentindo-o, sem pensar em nada, sem pensar no amanhã, sem pensar na estrada que ainda tinha que percorrer. E foi aí que dei uma pausa e antes que meus olhos abrissem em flash para fotografar o mundo, agucei-os novamente, alcei um voo e deixei o vento me levar. Com o coração em júbilo, abri a janela de minha alma e fui roçando com meus pensamentos as relvas úmidas da vida sem precisar me privar de admirar os últimos resquícios do pôr sol ou o nascer da lua. A beleza que vislumbrava era um colírio para os meus olhos e um bálsamo para o meu espírito inquieto, mas transparente como a uma bolha de sabão, que muitas vezes levou meus sonhos certos e incertos, imagináveis e inimagináveis, como se fosse uma nave espacial desgovernada e sem plano de voo.

Ali na bela cidade de Aracaju, quantas lembranças brotaram de minha mente fértil. Quantos tempos idos eu contabilizei e num deles, apareceu uma casinha construída de puro adobe à beira do Rio São Domingos. Abateu-me uma saudade inevitável sobre o meu coração, mas fazia parte. Naquela casa, ainda menino, aprendi vislumbrar o bonito que a natureza oferecia. À noite, não tinha medo da escuridão e ainda contemplava o céu para ver a penumbra esvair-se e ser tomada por estrelas que reluzia universo afora. E o dia, como era belo! Ele se despedia da noite soltando raios de sol que iam retalhando pequenas nuvens brancas que mais pareciam flocos de lã ou carneirinhos espalhados pelo céu. Quando elas se tornavam escuras prestes a desabarem em temporais, nem me importava, pois tudo me ensinava que beleza existia em qualquer desses céus.  Muitas vezes o tempo passava veloz sem a gente perceber, mas, Deus percebia e estava presente em todos os momentos de dificuldades, fraquezas, sucesso ou insucesso. É Ele que faz o sol brilhar, faz a noite cobrir de estrelas o céu, dá frio ao inverno e calor ao verão; faz as folhas secas de outono cair, e a fascinante primavera encher-se de flores e despedirem-se deixando saudade nos primeiros solstícios de verão.

Hoje, caro leitor, eu quero que você abra a janela de sua alma, quero que construa seu mundo interior, quero que olhe para o horizonte, quero que pare, pense e reflita sobre si mesmo. Quem sabe pode até existir um poeta dentro de você, basta querer. Os poetas têm alguma coisa em comum: têm os pés na terra, mas seu olhar, seu coração, seu pensamento estão cravados no céu, e assim, não pense duas vezes, crave o seu e mire o azul do céu, olhe a natureza, ouça os cânticos dos pássaros, aprecie a lua e todo o seu esplendor e aí escreva o que sentiu e o que fluiu em seu pensamento e assim, terás a certeza de que sua alma renascerá e começará a viver o bonito e sentir o prazer que vem das palavras. Todos te entenderão. Não tenha preguiça física ou mental. Fale coisas que possamos entender, sejam reais ou imaginárias. Quando ler meus escritos, mesmo quando falo de tempos idos e as páginas já estejam amareladas pelo tempo, podem até parecer que foram escritos dias atrás, mas não foram, porque aquilo que imaginamos será atualizado pelo próprio tempo e os manterão vivos e reais.

Insisto com assertiva acima. Se ler, não importa sejam livros, revistas ou não, apenas leia; se tiver vontade de escrever, escreva, pois suas fontes de inspiração jamais se dissiparão. Ao devorar livros, deguste-os como se suas páginas tivessem mel; saboreie toda a escrita que sua mente percebeu e que possa vitaminar o seu saber. Tenha a absoluta certeza de que aos poucos, sua ânsia por coisas novas crescerá a ponto de todos os livros te encantarem, despertarem em você sensações que outrora não passavam sequer de dez páginas, enquanto outras pessoas manuseiam várias. Ao ler, faça compassadamente, não tenha pressa, marque a página onde parou e depois prossiga. Seu pensamento voará às alturas e absorverá o néctar da sapiência e aí, tudo se tornará mais fácil e a inspiração poética fluirá naturalmente.  Quando você começar uma frase mesmo sem nexo, pode ter a certeza que, ao final, revisando cada palavra, você finalizará com sucesso o seu texto, portanto, não se apoquente, pegue uma folha de papel ou sente-se à frente do seu computador, use o teclado e digite. Pense no mundo que o rodeia, pense naquela beleza inspiradora que destaquei no preâmbulo, e fazendo isso, notará que seus dedos correrão a uma velocidade incrível e martelarão as teclas com desenvoltura e no monitor, aparecerá automaticamente um amontoado de palavras e nelas, brotarão sentimentos que só um cronista, poeta ou aprendiz são capazes de sentir e ter a inspiração necessária, que certamente, jorrará aos borbotões e que serão gravadas em sua memória para sempre.

Dias atrás voei num pássaro de aço que encurtou distâncias, mas dentro dele não consegui beijar a lua e nem sentir o calor do sol, entretanto, hoje, usando as asas da minha imaginação sei que posso ir até ela e beijá-la, sei que posso contar as estrelas, sei que posso fazer sombra no meu sol, sei que posso chegar ao infinito e que jamais sentirei as turbulências ou qualquer tipo de instabilidade nas asas de minha imaginação, mas sei também, que as usando sem temor, posso ir onde quiser e alcançar coisas impossíveis e até inimagináveis. E podes ter a certeza que é através dessa viajem imaginária que você será capaz de observar os erros e acertos que cometeu durante sua existência. Se não chegar a uma conclusão fática em relação a ti, ao seu modo de agir, a responsabilidade cabe somente a você. É fato que quem escreve deve informar bem aos que leem para que eles possam encontrar ao longo do texto uma orientação plausível, segura, capaz de mostrar-lhes o caminho da retidão e a forma de como viver a vida dentro dos princípios éticos, morais e religiosos. Às vezes, temos que nos sujeitar a pagar pesados  pedágios para alcançar sonhos não realizados, todavia, como no mundo imaginário tudo é possível, faça essa “viajem”, pois quem sabe você usando as asas de sua imaginação possa encontrar o seu ponto final.

Voando nas turbulentas alturas.

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Através da pequena janela podia se observar na torre de controle alguém autorizar a decolagem. Autorizado, o piloto liga a turbina e o avião desliza pela pista numa velocidade considerável soltando sobre o asfalto uma fumaça esbranquiçada, mas, no momento certo, sustentado pela força da gravidade, levanta seu bico rumo ao céu, naquele instante, parcialmente nublado. A poucos mil pés de altura, pequenas gotas de chuva deslizam sobre a pequenina à janela e logo, dado a velocidade e altura, o pássaro de aço deixou para trás os respingos de chuva, enquanto, sentado confortavelmente na poltrona, observava atentamente a terra e a amplitude do universo que nem sabemos ter fim. As nuvens não assustavam mais esse objeto composto por turbinas e fuselagem em forma de charuto, sustentado por um par de asas que transportam em seu interior pessoas de todas as idades e regiões brasileiras e quiçá, alguns, até outros países, todos quietos, concentrados em alguma coisa, e olhando em seus semblantes, notava que cada uma delas carregava consigo, esperanças, desilusões, mágoas, ansiedade e medo. Algumas pareciam voar pela primeira vez, pois via nos seus rostos certa apreensão e, principalmente, quando apareciam pequenas turbulências que dava um pequeno, mas diferente cadenciado ao voo da imensa aeronave.

Ela seguia calmamente rumo à Argentina, pousando calmamente, e horas depois, pegamos outra aeronave e seguimos rumo ao Chile, cujas rotas já estavam traçadas na minha planilha de voo. A aeronave não balançava quando fazia o trajeto sul, permanecia firme, nem sei a quantos mil pés de altura, pois só enxergada através da minúscula janela, nuvens, ora negras, ora brancas, algumas delas mais pareciam algodão. Dentro, os passageiros ainda se ajeitam nas poltronas, inquietos, alguns tensos, outros com os olhos parados no tempo e um sono por quebrar. Um homem de cabelos grisalhos, com o rosto já carcomido pelas intempéries do tempo rezava em silêncio manuseando a Bíblia, enquanto lá embaixo, mesmo ainda no Brasil, podia-se ver a terra sendo devastada por queimadas, desmatamentos, mostrando sua face minúscula cicatrizada, mas ainda podíamos ver lindas serras, milhares de meandros, savanas, lagos e dezenas de rios que iam ficando para trás, algumas vezes, desapareciam debaixo de imensas nuvens, ficando totalmente diminutos, lagos, represas e rios, alguns sem volume d’água, tornando-se apenas pequenos riscos sinuosos em face da altura do avião. “A coincidência é que eu estava indo participar de um Congresso na Universidade do Chile e justamente o meu tema era meio ambiente, coincidência ou não, o livreto e vídeo intitulado: “O Grito Silencioso da Mãe Natureza” que tinha produzido e levava em mãos, falava justamente sobre o que estava observando lá do alto.

O pássaro de aço seguiu seu rumo e durante alguns segundos uma turbulência, explicada pelo piloto que se tratava apenas de mudança de altitude. Um simples barulho bastava para deixar alguns tensos, mesmo diante do silêncio que pairava no ar. A cada instabilidade da aeronave olhos se abriam e faces empalideciam. Mas, logo, veio a calmaria a 37mil pés, e sorridente, veio uma jovem, comissária de bordo, empurrando um carrinho com habilidade e sem nenhum medo no olhar; depois escutou alguém reclamar de alguma coisa e nem percebeu ou se fez de indiferente quando jovens trocavam carícias nas últimas poltronas. Nem pareciam sentir os problemas que afligiam cada um.

Vejam só caros leitores: O homem construiu máquinas incríveis, inimagináveis, bem como esses pássaros de aço que encurtam distâncias e suavizam nossos sofrimentos algumas vezes maltratados por uma longa viajem numa estrada de chão. O tempo passou sem que fosse notado e logo ouvimos a voz do piloto anunciando a chegada, e poucos minutos depois, a torre de controle autoriza a aterrissagem. A nave desce bruscamente rangendo os freios sobre o asfalto e depois segue lento rumo ao portão de chegada. Antes de descer, ainda olhei pela janela embaçada pelas gotas produzidas pela neblina que cortava o céu. Tudo era belo e a obscuridade de antes, era interrompida pelas luzes que delineavam a pista do aeroporto e por pequenas aeronaves que desciam e levantavam voos.

No saguão do aeroporto, menos aflitos estavam os rostos daqueles que ainda iam seguir rumos diferentes. Sai caminhando lentamente e deixei para trás aquelas pessoas que qualquer dia poderia encontrá-las novamente no mesmo trajeto e escutar as mesmas lamentações, as mesmas aflições e aquele medinho de viajar de avião. E entendível que faz parte do ser humano e muitos deles não conseguirão despistar o seu medo, por mais que acreditam em Deus. A mente e o coração da pessoa humana são frágeis e incapazes de seguir essa barra e carrear com fervor a emoções vividas de forma que não mais venha sentir medo. E não adianta fugir da realidade, pois todas as sensações, ansiedades aflições, fenômenos físicos e mentais que ouvi e assisti durante a viajem foram importantes para que possamos entender a existência do homem no universo e, por outro lado, se realmente ele acredita na existência de Deus. As atitudes demonstradas por cada uma delas, por mais que acreditassem em Deus, considero que essa demonstração de fé, caso não seja rejuvenescida ante o Criador, continuará sendo apenas uma gota de orvalho que não tem mãos para levantar aos céus e pedir ajuda, pois sabemos que rapidamente se evapora sob os raios de sol.

O literato e as pedras no caminho.

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

É difícil o fazer literário. Mais difícil ainda é depois de delineado o tempo, saber conduzir a palavra pelos meandros do texto e o jogo que se deve ter para viajar no contexto, para que um artigo ou crônica não sejam apenas mais um ou uma entre tantos ou tantas que se publicam diariamente em revistas e jornais. Escrever é como andar sobre pedras pontiagudas esquecidas em terrenos íngremes sem senti-las. Hão de se convir que existam pedras que dificultam e impedem a nossa passagem de um estágio a outro e não importa o momento. Vencendo-as, no entanto, e ultrapassando-as, deslocando-as do caminho, haverá inevitavelmente a descoberta da realidade da vida, por mais cruel que seja.

Geralmente quando começamos a escrever procuramos em primeiro plano concentrar, procuramos pensar em tema e o escolhemos, e mesmo sendo uma história comum, real ou surreal, criamos alternativas, inventamos modos, peripécias, ouvimos o canto dos pássaros e quando olhamos o horizonte, vemos o sol se por e a lua assumir o seu lugar. De certo modo, até sentimos as dores que nos mesmos criamos para os nossos personagens. Tudo ao seu tempo ajuda e se inebria em cada frase, fazendo surgir diversos personagens. Indiscutivelmente bastam poucas palavras e a mente generosa que tem o literato, nada lhe prende em sua cabeça pensante. À vezes, pode descuidar-se, mas na ânsia de escrever o óbvio, pesquisa, lê tudo sobre o tema a que se propõe e prossegui, levando a palavra a todos aqueles que estão, talvez, na mesma situação do próprio literato, afinal, pedras podem, de repente, ser pisadas em qualquer lugar ou cair sobre todos. Pesquisar e trazer informações precisas sobre qualquer estigma que assola a humanidade nos dias de hoje, nada mais é que uma obrigação de quem escreve, pois em qualquer parte do universo pode uma pessoa incauta, despreparada, estar lendo o texto e aí as informações servirá como um alerta não só para ela, mas também para todos nós.

Certo dia ao ler uma carta esta me reportou a outra que tinha quase com o mesmo sentido, uma carta de despedida, de uma amiga extraordinária, limpa, sincera, honesta, que enfrentou uma doença terrível, incurável, por sinal, a mesma situação da outra amiga, e ela, sobre pedras, também pisou... A carta dizia assim: “Vá me perdoando pela aspereza do trato, porque me irrito fácil com você. Tu és uma pessoa boa e excelente amiga que tenho acompanhado há anos. Como eu, você não quis “aparecer” publicando livros fracos como eu fiz. Só estou com essa irritação por que algum “vírus” maligno fez isso comigo. Perdoa-me! Para que fiquemos bem, é melhor a gente se evitar, de oferecer nossos préstimos. Sei que posso contar com todos e principalmente com você nos momentos difíceis. Então, deixo-lhe como lembrança, o poema que fiz e sei que você gostou”. Poucos dias depois ela partiu para sempre.

Atabalhoado, pela tamanha coincidência, confrontei as cartas e esta outra dizia: “Amiga, hoje com o corpo quase desfalecido, fui para a cama. Para variar não conseguia dormir e ainda, de madrugada, caiu uma tempestade como nunca vista. Ao fechar a janela que estava semi-aberta, ouvi um trovão ensurdecedor que rasgava o céu. Lembranças vieram à minha mente mostrando vívidos detalhes de uma vida mal vivida e de projetos não realizados. No meu quarto, paira um cheiro mofo, fétido. Minhas mãos estão geladas, o corpo suando e mal consigo respirar. Se você amiga me perguntar quantas lágrimas desceram pela minha face, não sei! Só sei que me encontro resignada e estes últimos momentos de minha vida quero que me perdoe se algumas vezes lhe tratei de forma áspera. Você nunca escreveu livros fracos e para mim és best seller. Sabe que um dia  rezei e pedi ao nosso Pai Celestial para amenizar a minha dor. Pedi tanto que momentos depois me senti aliviada. A dor desapareceu, não sei explicar, mas desapareceu...”

Verdadeiramente, pelo que elas realizaram somente podemos entender que vieram ao mundo para dar-nos exemplos de honradez, amizade, dignidade, pois enquanto viveram, mesmo depois da doença de que foram acometidas, elas continuaram amigas e leais. Esta pequena crônica pode ser uma lição de vida. Vida em todos os sentidos. E por mais simples que seja este texto ele nos repassa respeito à amizade, o amor, amor à natureza, e principalmente, amor à vida. Todos os literatos, mesmo caminhando sobre pedras, procuram de alguma forma explicar, seja no meio ou no final de cada texto, o significado do que é Ser neste mundo de Deus.

O grito silencioso da mãe natureza

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Trabalho apresentado durante o IV Congresso Internacional  de Ciências, Tecnologias, Cultura, Literatura e Meio Ambiente, evento realizado na Universidade de Santiago - Chile, durante os dias 9 a 12 de outubro de 2015; Meu tema: Meio Ambiente.





Eram apenas gestos e nada mais...

domingo, 4 de outubro de 2015


Preguiçosamente apertei lâmpada do abajur que perscrutava as sombras dos gestos refletidos nas paredes, parecendo seres vivos saltitantes extraídos de filmes de animação, vivos como nunca, imagens que jamais refletira. O velho abajur geralmente iluminava debilmente o quarto fazendo a luz branda tornar todos os meus gestos romanticamente surreais. Todavia, de repente, a luz que a muito não acendia tão intensamente, surpreendeu-me com seu poder de claridade. Alguém deve ter substituído a velha lâmpada por uma de 60 volts. Os movimentos sombreados na parede começaram a acontecer como a um desenho animado filmado em câmera lenta e em formato de preto e branco. A imagem refletida na parede era febril e frenética, mas também estática, bastava ficar quieto. Os gestos de minhas idas e vindas retesavam-se na branca parede do quarto e lutavam para se libertar de um corpo estranho que se movia de um lado para outro e insistia em não liberar meus gestos ora embutidos naquela cena surreal, mas, fortificados com a presença da forte luz, escaparam do peso daquelas sombras e rejuvenesceu o meu coração que de tanto lutar já gesticulava incólume.

A luz brilhou mais forte e pensei que nunca acabaria. Olhei para um canto vi uma cama e berço vazios e sobre a cama e travesseiro, faltava alguém. Com os olhos ainda travados pelo sono, cabelos desalinhados, mãos calejadas em face da lida rotineira fiquei pasmo e uma saudade abateu-me sobre o peito. Faltava realmente alguém naquele espaço, alguém que me ajudou a curar as minhas dores e feridas; alguém que não reclamava de nada, nem das dores desconfortantes dos pés, dos joelhos, das pernas e braços, esfolados por quedas e estripulias que a própria vida gerou; alguém que naquela noite inusitada não pode ver o meu rosto ser iluminado pela nova e potente lâmpada do abajur. Alguém que se estivesse ali certeza teria de que a luz mostraria a face e o dom de sempre me envolver com a calmaria que a vida tantas vezes insistiu em roubar-me.

Gestos surreais, cenas realmente inusitadas, refletidas na parede, que naquela noite somente eu tive o privilégio de assistir: um corpo de mulher em movimento coberto por um lençol cheio de contrastes e cores, cabelos loiros, lisos, amparados por um travesseiro de espumas macias que, mesmo deleitando-se numa cama despida de macios lençóis, sobre ela afigurava a imagem de uma mulher guerreira e forte. Os gestos só podiam ser surreais mesmo, pois há dias não acendia aquele velho abajur e jamais pensava assistir cenas tão preciosas que minha mente jamais esquecerá. Mas, quanto á saudade é difícil imaginar mesmo quando se vê apenas gestos refletirem numa mísera parede. É uma coisa estranha que toma conta da gente, chega sem pedir licença e acontece quando menos imaginamos e aí vem saudade do seu cheiro, saudade de uma melodia que curtíamos que nos trazia boas recordações, saudade de uma simples palavra ou manifestação de amor; saudade daquelas imagens que foram se acoplando dia a dia na região recôndita de meu cérebro, mas, eis que a máquina do tempo surgiu e me envolveu, convidou-me a voltar a ser criança.

A mulher que se gesticulava nas sombras refletidas na parede pode ter costurado a vida de muitos entes queridos, usando a linha da verdade para que pudessem construir suas vidas com sobriedade. Mulher, esse alguém, que deixou a saudade invadir o meu peito e se transformou numa ponte de concreto e me fez retornar a mim mesmo; uma travessia moldurada de sabedoria, sem empecilhos, onde se vê bordada uma identidade muitas vezes esquecida, perdida na pressa que me levou ou que me deixa levar.

Hoje, ao olhar para os gestos e falar em saudade dela é dizer o óbvio, é devolução, é ato que restitui o que se parte; é luz que sinaliza o local de nosso porto seguro, é voz mansa no ouvido que nos acalma nas madrugadas de desespero e solidão.  Mas, naquela noite, ao acender a lâmpada do abajur e ver aquelas cenas refletidas na parede não me restou alternativa senão em finalizar este artigo em uma única frase: O poeta tem diante de si vários sentimentos: o real, o palpável, o prático, o surreal, o imaginário, visões fantasiosas, e quando escreve, muitas vezes objetiva levar ao leitor uma mensagem de amor, esperança, fé, e intencionalmente, deixa de dedilhar o teclado do computador e o substitui pela caneta-tinteiro injetando nela a ruborizada tinta de um coração ferido pelo tempo no afã de aferir a sensibilidade de cada um, mormente quando virem perscrutadas as sombras da pessoa amada refletidas na parede.


 
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