Amigo leitor (a)

Amigo leitor (a). Quando lemos um livro, ou qualquer texto, publicados ou não, que são sinônimos do prazer, por mais simples que forem, sejam reais ou surreais, nos permite exercitar a nossa memória, ampliar nossos conhecimentos e nos faz sentir as mais diversas emoções, por isso, sensibilizado, agradeço a sua visita ao meu Blog, na esperança de que tenha gostado pelos menos de um ou que alguns tenha tocado o seu coração. Noutros, espero que tenha sido um personagem principal e encontrado alguma história que se identificasse com a sua. PARA ABRIR QUALQUER CRÔNICA OU ARTIGO ABAIXO É SÓ CLICAR SOBRE O TÍTULO OU NA PALAVRA "MAIS INFORMAÇÕES. Abraço,Vanderlan

Pausa para Reflexão.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Naquela manhã do último domingo depois de assistir da Santa Missa na Paróquia Santa Terezinha do Menino Jesus sempre dava carona para a senhora Adriana e algumas de suas crianças, e no porta-malas, sempre um agrado para ajudar no sustento de sua numerosa prole, mas, naquela manhã, alguém se antecipou e se dispôs a levá-la até ao seu casebre a poucos quilômetros dali. Fiquei feliz, porque um jovem casal que iam levá-los prometeu construir um barracão mais aconchegante em outro lote, porque onde moram, fora construído num lote invadido, sem as mínimas condições de uma sobrevivência digna. Fiquei realmente feliz porque no dia seguinte ia postar o vídeo “Mensagem de Natal Solidário e no final do texto a proposta: “Adote uma Família Carente”. 

O desconforto daquela família não é apenas a moradia; um pequeno barraco sem a mínina estrutura ou condições de higiene; maior ainda é o desconforto de sentir medo, receio de doenças ou drogas invadirem sua casa. São oito filhos, todos de menor idade. Pessoas ou situações iguais as dela temos muitas, algumas postadas no vídeo. E aí questiono: Por que as coisas precisam ser assim? Dou uma pequena pausa no trabalho, penso, reflito e volto ao tempo de minha infância como se estivesse vagando no túnel do tempo, remoendo as minhas próprias lembranças, enquanto um amontoado de letras no monitor me esperava pacientemente para formatar este texto, talvez sem nexo.

Terminei de escrever e naquele domingo tentei postar o vídeo e nada. O Pen Drive parecia estar com algum problema. Abri o texto, mas o blog rejeitava como também rejeitava o link do youtube. Sem uma razão plausível, fiquei mais atento ao que estava acontecendo, principalmente quanto à montagem das cenas no vídeo, da música natalina e poesia de fundo. Como a pressa é considerada inimiga da perfeição, assim como a impaciência, resolvi deixar para o dia seguinte, segunda-feira, até porque tinha prometido ao Padre Luiz Augusto que postaria até o dia 25 de novembro, então, estava dentro do prazo. Parecia até competição para conseguir sanar o problema, mas com ajuda de amigos que entendiam do assunto, consegui postá-lo. Enquanto o vídeo ia girando as imagens, ficava refletindo sobre a solidariedade e adoção de uma família carente lá proposta: Era só aguardar o manifesto da comunidade e dos solidários internautas, o qual, depois postado, me deixou esperançoso de que ele não seria apenas curtido ou compartilhado. Acreditava que alguém do outro lado da telinha, se manifestasse para ajudar a Paróquia Santa Terezinha e as famílias carentes cadastradas, que recebem roupas, alimentos, assistência médica e acima de tudo, onde apreendem a rezar e entender o significado da palavra amor existente entre nós.

Por estar ainda compenetrado em minhas reflexões sobre o comportamento das pessoas nem percebi naquele dia a aproximação de um menino, de baixa estatura, franzino, maltrapilho, com uma touca na cabeça, descalço e visivelmente sem tomar banho há alguns dias. Ele ficou diante de mim e com voz rouca pede: “Moço, o senhor pode me dar alguma coisa?” Pode comprar para mim aquela empadinha ali? Estou com fome!

Ainda absorto e com o pensamento alhures, olhei complacentemente o rosto daquele menino, de olhar estatalado e profundo e aí não titubeei e nem avaliei direito a situação dele, mas logo percebi que se tratava apenas uma criança desnutrida. Ainda sem conseguir entender a situação dessas pobres crianças, talvez por causa da falta de compromissos de nossos governantes e de não quererem enxergar o óbvio; diante de um País desgovernado, eivado de vícios, corrupção e improbidades, naquele momento em que consegui dar uma pausa em minhas ações, estava tão claro o pedido daquele menino, porque estávamos no horário de almoço, e a única conclusão que consegui chegar era de que precisava dar algo a ele. Eu já tinha passado por esta situação quando criança e sempre alguém me estendia ás mãos. Naquele instante, frente à porta da igreja, o que estava mais perto da gente era justamente a gostosa empadinha. Comprei. Rapidamente e sem dizer uma só palavra ele pega a empadinha e a reparte ao meio com seu irmãozinho, também igualmente em condições precárias de higiene e vestuário, o qual rapidamente se vira e sai correndo, mas feliz.

Que exemplo de solidariedade e amor de irmão. Era apenas uma criança. Incontáveis pensamentos me vieram à mente. “Quem sou eu? “Quem somos nós? O que estamos fazendo em prol da comunidade sofrida? Que mundo é esse? E se nós estivéssemos no lugar daquela criança faríamos o mesmo? O que estamos pensando das outras pessoas? As coisas precisam ser diferentes... Será que se estendêssemos a elas mais amiúde as nossas mãos não teríamos mais tranquilidade e paz em nossos corações?”

Naquele domingo e nos dias que se seguiram, fui tomado por pensamentos diversos e diferentes do meu cotidiano. Hoje parei e dei mais uma pausa, mas o núcleo de minhas reflexões era a ação de renúncia e de amor de uma criança extremamente carente, dividindo com seu irmão um alimento certamente escasso em sua vida. “Será que conseguiríamos ter esse mesmo desprendimento com outros meninos carentes? Com nossos familiares? E com amigos ou pessoas estranhas?”

As lições apresentadas por aquela criança, que muito pouco disse, mas muito fez em poucos gestos, ficarão guardadas em minha memória para sempre. O exemplo daquele menino mostrou o que todos temos, e que igualmente revelaremos a nós mesmos mais cedo ou mais tarde: a percepção de valor da outra pessoa, tendo por base, entre outras coisas, a consciência de priorização da vida e de igualdade entre nós.

Mensagem de Natal Solidário

segunda-feira, 25 de novembro de 2013


Com a chegada do Advento que quer dizer o primeiro tempo do ano litúrgico e que antecede o Natal, faz com que a gente antecipe este vídeo que contém “Mensagem de Natal Solidário, pois para os cristãos, é um tempo de preparação, de alegria, de expectativa, onde os fiéis, esperando o Nascimento de Jesus Cristo, vivem o arrependimento, promovem a fraternidade, o amor, a solidariedade e a paz. Então, peço que compartilhe, encaminhe-o, divulgue-o entre  seus parentes, amigos, amigas para que possam vir participar desse movimento  de solidariedade  e se tornem missionários da Paróquia Santa Terezinha do Menino Jesus, sob a orientação do nosso benfeitor espiritual o Padre Luiz Augusto.  Juntem-se a nós! (ligue o som para ouvir).


O último anzol.

terça-feira, 19 de novembro de 2013


A solidão lhe oprimia e em seu peito havia lamentos. Sentia-se só. Como amigo tentava compreender porque ele também se distanciara tanto de Deus que o criou e lhe entregou de bandeja o Universo repleto de estrelas e em seu bojo o planeta Terra, com sua fauna, flora, rios abundantes, a natureza de uma beleza magnífica, e para que não se sentisse sozinho, ainda, à noite, ELE lhe ofereceu a lua, e para que tivesse vida perfeita, deu-lhe o ar, a água e o sol para movimentar o seu complexo corpóreo. Ainda assim, aquele amigo se sentia só. 
 
Ao ver essas pessoas oprimidas, perdidas na escuridão do seu próprio ser, com situações financeiras precárias, desempregadas, cheias de vícios e muitas cobertas pelo próprio manto do mal, não restaram alternativas ao nosso Pai Celestial senão, ao invés de uma rede, lançar o seu último e imenso anzol e mostrar a aquele homem e a outros que ELE tem a chave para abrir todas as portas e proteger. Em contrapartida, devemos entregar a ELE o coração, pois assim, teremos a sensibilidade de entender as palavras escritas por Mateus (11,28): “vinde a Mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e EU os aliviarei”.  Esta simples frase pode tocar fundo o coração de cada um, pois ninguém melhor que Jesus, filho de Deus, saber o que era ficar só, o que era ser abandonado por todos e encarar a tristeza e a morte. 

Bem, tem certos momentos que sentimos incompreendidos, mas, certos de saber: ELE está sempre perto e deseja satisfazer nosso coração, dando-nos a salvação e a possibilidade de continuar desfrutando do seu amor incondicional, assim como, está sempre pronto para aliviar a peso da cruz que carregamos.

O fato de ter recebido de Deus o último e poderoso anzol para pescar talvez o seu impuro coração, achou-se presenteado naquele momento de solidão e sentiu nele a força espiritual para içá-lo, pois jamais poderia imaginar tal força e com ela sair dos devaneios, do sofrimento, da ansiedade e poder combater as crueldades humanas, algumas com total falta de amor ao próximo. Pode-se então, deste ato, começar a entender o significado dos textos bíblicos e a superioridade da natureza de Jesus Cristo. Com posse desse anzol ele pode afirmar que diante de Deus era apenas um pequenino grão de areia que pode se sucumbir sob o peso do pecado e da maldade “num piscar de olhos”, caso não consiga seguir os preceitos pregados por ELE e que já duram milênios. Jesus, o filho de Deus, não foi mais que um profeta, mas sim, um Messias Divino que, como homem, porém dotado de espírito puro e desprendido da matéria, viveu mais a vida espiritual do que a corporal, cujas fraquezas não eram possíveis de serem enxergadas.

Certo dia, aquele homem só, olhou para o céu e viu aparecer uma centena de pássaros, todos alinhados, voando de forma altaneira, levando uma revoada de mensagens, talvez, aos migrantes do norte, e no horizonte poente, viu aparecer uma vara reluzente amparando um lindo anzol e naquele instante sentiu-se pescado e recebeu abraço caloroso de Jesus, enquanto pequenas nuvens brancas ainda tentavam esconder o seu brilho alaranjado, mas, entre cânticos dos pássaros, também viu ser dissolvido, gradativamente, todo o mal com o nascer e o pôr sol. Estava a sua vida renovada. 

Às vezes, mesmo vendo aqueles que nos amam e aos quais queremos o bem, nossos corações são tomados por um sentimento de extrema tristeza e solidão, como acontecia com aquele amigo.

Hoje, talvez recuperado daquela emoção vivida, o seu coração deve estar pulsando manso e o raciocínio mais lógico, e nesta lógica, deve ter constatado que o mais querido amigo ou parente pode, talvez, se tornar para ele um desconhecido que não pode compreender as amarguras que dilapidavam diariamente seu coração. No efeito de sua solidão deve ter compreendido e recebido uma força espiritual surpreendente que hoje lhe dá condições de ouvir, compreender, sentir reações, desejos e tudo de bom que possa receber uma pessoa, principalmente quando se tem a graça de receber de Deus  um abraço e o último anzol para poder servir dele como instrumento para içar a sua própria vida.

Engolido pelo dicionário

terça-feira, 12 de novembro de 2013



Quando vou redigir qualquer texto costumo manter o dicionário perto de mim e ao escrever uma palavra diferente e estranha, na dúvida, o consulto. Essas palavras vão se acumulando em minha memória e de certo modo elas vêm espontaneamente dependendo do tipo de artigo ou crônica que estou escrevendo. Se considerarmos os estudos de memória coletiva e do imaginário, estes gestos e posturas são tributos das estruturas acopladas em nosso cérebro onde sequer imaginamos a capacidade que temos quando somos engolidos pelo engolidor – o dicionário, que é composto de milhares de palavras e nos ensina a produzir a escrita perfeita, a fazer e dizer o correto.

Certa noite, tudo parecia correr bem até que tive de consultar uma palavra, e logo no início do alfabeto, mas não sei como aconteceu, pois em questões de segundos me vi engolido pelo dicionário que abriu um bocão daqueles. Preocupado, haja vista que estava para finalizar um texto e o meu personagem também estava prestes a deixar de respirar, pois na cena eu o fazia engolir a própria língua. Meu Deus! E agora? Estava eu preso, no meio de tantas palavras que compõem a letra “a’ e por coincidência o meu personagem pedia socorro, só que ele estava lá no fim do dicionário. Perguntei a mim mesmo: E agora? Como safar-se deste livro ou atravessar tantas páginas para acudir o meu personagem engasgado?

Pensei: Ah, devo alcançar primeiro ele e depois safarmos juntos! Mas, o que aconteceria, por exemplo, no caso de não achar dispositivos susceptíveis em cada letra do alfabeto e encontrar alguma passagem, alguma brecha, um furinho qualquer entre as letras para poder passar. Na letra “a’ foi fácil porque encontrei logo a palavra “abertura” e passei para a letra “b”, que também não foi difícil porque encontrei a palavra “buraco” e não era assim tão pequeno e passei para a letra “c”. Na letra “c” fui cavando, cavando... E qual foi minha surpresa: cheguei à danada letra “d”. Nesta tive dificuldade, passei pela palavra” declive” e parei defronte a um degrau cheio de destroços e após um breve desabafo, desatei do dicionário dois dígitos e passei para a letra “e”. Esta já parecia estar num estuário, escoimando-se de alguma empáfia anterior... Embrenhei-me por essa letra e fui virando páginas e mais páginas até encontrar a palavra “encaixe” e poder enfiar meu corpo e escapar para a letra “f”, mas, antes, fugi da palavra “engolida”, porque, de nada adiantaria aquelas tentativas de fuga. Fui tão sagaz nesta fuga que já caí direto na letra “g”. Na letra “f”, felizmente tinha a palavra “furo” e por lá passei tranquilamente.

Esbaforido, parecia amargar também a língua, mas reconhecia que tinha que salvar aquele personagem antes de enviar esta malfadada crônica ao jornal. De certo modo sentia que tinha que continuar a caminhada naquelas páginas mofadas já corroídas pelas intempéries do tempo e que já estava me dando alergia.

Na letra “g”, de cara me deparei com a palavra: “gaiato”. Eu me senti realmente um gaiato. Tinha que dissolver logo essa e as palavras galhofas, gatuna, genética, mas, se pensarmos bem, na “g” tem a “genial”. E foi aí que apareceu aquela lampadinha sobre minha cabeça. Para sair dela era só usar a “geometria” e causar um reboliço, um estrago no meio dela. Heureca! Deu Certo. Consegui localizar a palavra “grota” calculada matematicamente para fazer cair uma chuva grossa e provocar uma abertura na sua margem. Na letra “i” tive como orientação e incentivo a palavra “impulso” e usei como escudo a palavra “imortal”, e sem nenhum incômodo, incursionei pelo indomável mundo da ineficácia e injetei no interior dela, sem irritá-las, a inteligência para poder passar por ela. Assim, isento de culpa, me vi diante da letra “j”.

Quando nos sentimos presos em nossas próprias palavras e às vezes sem termos condições de nos manifestar, o argumento que usamos são os subsídios que encontramos no dicionário, ora responsáveis pelo desenvolvimento intelectual e por essa razão devem ser gradualmente absorvidos, para não sermos totalmente engolidos por uma sociedade hipócrita e consumista. Se não conseguirem retirar esta sonda que os sugam diariamente, de preferência, então, que pesquisem no dicionário e procure encontrar alguma palavra defensiva ou outros mecanismos de proteção que não os deixem ser engolidos por essa sociedade.

Deste modo, podemos evitar as “coceiras” que infestam o nosso País, um grande espaço de terra que parece o próximo a ser engolido pelos ventos da corrupção generalizada, afundando-o numa areia movediça, formada de tentação e pecado. Vejam este versículo: “A mão poderosa e o braço estendido do Senhor (cf Dt 5,15;7, 19; 26, 8) mostram-se assim em toda a sua força salvífica: o opressor injusto foi derrotado, engolido pelas águas, enquanto o povo de Deus passa pelo meio para continuar o seu caminho rumo à liberdade.

Caminhando pela letra “j” ainda foi difícil minhas mãos alcançar as dele e aí, retornei a caminhada. As letras em volume gigantesco me confundiam, estavam lisos como sabão e os pés descalços não podiam pedir ajuda, e naquela página, simplesmente vi que a noite já havia engolido o dia. Cansado, sem nenhum aparato, descansei alguns minutos ao lado da palavra “jardim”. Mais à frente, a palavra “jurisprudência” e “justiça”. E foi com elas que justifiquei a minha situação e como veredicto a minha passagem para a letra “l”, cheia de labirintos, lápides, larvas, lesmas, mas felizmente, elas me ajudaram a soletrar e encontrar um levadiço e levitar até uma loca e alcançar a letra “m”, que sem nenhuma mutação, ainda mostrou-se ser a força motriz, e aí, usei a palavra “matemática” e fui calculando, calculando... E sem querer, mas querendo, comecei a navegar, passando por um orifício, e do outro lado, encontrar uma porta quebrada e outra passagem à frente, já rachada, e por incrível que pareça, eliminei de uma só vez as letras ”n”, “o” “p”, “q” “r” e “s” adentrando na letra “t”. 

Na letra “t”, de cara, já levei susto. Fui recebido pelas palavras “trovão”, “tempestade”, “terremoto”, tufão, terra em transe, que me deixaram tenso, cujo receio me fez chegar à palavra “túnel”. Adentrei e logo recebi chuvas de palavras e letras que se desprendiam das páginas e caíam sobre minha cabeça. No fim do túnel, um vulto, talvez fosse o do meu personagem que acenava freneticamente. De repente, uma escuridão inesperada e não mais o vi. Novamente um trovão ensurdecedor. Assustado e suando muito, acordei. Graças a Deus! Era apenas um sonho, mas o incrível é que, ao virar o rosto no travesseiro amarrotado, observei sobre a mesinha ao lado o meu engolidor, o dicionário e sobre ele, “O Imortal”, livro de Vanessa Bosso.

Texto do discurso – Posse na Academia Morrinhense de letras

domingo, 10 de novembro de 2013



Permitam-me não revelar a minha idade, haja vista que os cabelos grisalhos já falam por mim. Para se chegar a ela podem ter a certeza de que foi dura a minha batalha pela sobrevivência. Foram altos e baixos, mas tudo que aconteceu de bom ou ruim, me fez crescer profissionalmente, moralmente e espiritualmente. Esta idade nada tem a ver com numerologia, mas com sobrevivência mesmo! Devo ter nascido contra a vontade dos astros na Fazenda São Domingos dos Olhos D’água, município de Morrinhos conhecida como a cidade dos pomares, lugar aprazível que eu não vi crescer, pois meu pai João, ainda jovem, aqui faleceu e sem recursos, a minha mãe Carolina, uma guerreira, que hoje também se encontra em outra dimensão, foi obrigada a nos levar para Goiânia em busca da tal sobrevivência. Ela pegou um pequeno ônibus, à época, apelidado de “jardineira”, viajou pela estrada de chão levando contigo nove filhos, a maioria de menor idade. 

Ainda menino naquele ônibus, lembro-me vagamente que estava amparado pelos seus braços fortes e que deixou a pequena cidade de Morrinhos, em busca de um novo lar, de uma vida melhor na Capital. Pela estrada de chão, esburacada, o ônibus seguia célere deixando para trás uma poeira fina que se esparramava com o auxílio do vento, apagando imagens de um passado como se nela tivesse impregnada a borracha do tempo e, lá dentro, sacudidos pela trepidação, outros passageiros também sonhavam com um mundo melhor, mas, receosos de não conseguirem alcançar o seu intento seguiam silenciosos. Pela fresta da janela passava o vento e em seu colo sentia a sua pureza de mãe, enquanto sua mente contabilizava os quilômetros emplacados estrada afora, e de forma sutil, seus olhos ainda tinham a sensibilidade de contemplar a natureza, cujos vales, serras e montes iam passando velozmente à medida que o veículo seguia rumo ao seu destino. O seu semblante jovem transpirava dor e saudade de nosso pai, ainda jovem, morto de forma trágica, no entanto, mesmo assim, soube manusear as rédeas do destino, frear e puxar  o cabresto que construiu usando cordas de ternura que acostava aos filhos, para, no momento certo, poder puxar, exigir ou se recusar, até de forma obstinada, qualquer coisa que lhe contrariasse ou entristecia seu coração.

Naquele ônibus, antes de afundar no seu mar de sonhos sabia que mais adiante, mesmo sem teto, não poderia se curvar diante das adversidades que surgiriam, pois teria que sustentar e agasalhar nove filhos,   talvez, fazendo faxinas em residências ou usando os carrinhos de madeira para buscar peças de roupas em bairros distantes, lavá-las no tanque da integridade e pendurá-las no varal da vida sob um sol escaldante. Tempo em que talvez não tenha contabilizado; tempo que lhe consumiu o corpo e fez aparecer os   primeiros cabelos brancos protagonizados por este mesmo tempo.

Ontem, debruçado na janela, tentava amparar o queixo com as mãos, olhava o horizonte poente e aguçava os olhos que naquele instante eram a janela de minha alma que tentavam recuperar a  imagem de uma mulher guerreira, que fora levada pelo tempo, sem motivo, como se fosse uma simples folha seca... Talvez, seja este o padrão diariamente imposto a elas, mulheres da vida real, modernas, mas sem realeza, sem personal trainer, sem personal dieter, que à noite, assim como eu, mesmo com os olhos embaçados, se debruçam na janela, sem nada a ouvir, sem expressar sorrisos, e se sentem dominadas por um exército de gente que não as entendem e nem procuram saber que também sonham. Quieto naquele quadriculado nostálgico e nem um pouco lúdico, nem vi o tempo passar quando os meus olhos voltaram a se inclinar novamente sobre a janela da minha alma e enxergarem a poucos metros dali árvores centenárias também debruçarem os ramos, assim como, ver transformados os cabelos de minha mãe em louras mechas e o sol e a lua se porem e nascerem soberbos. Mesmo cansados, sei que somente queriam é que eu vivesse uma existência efêmera, mas encantada... Eu procurava entender isso e saber que um dia tudo iria extinguir-se, então, não nada mais me restaria. Todavia, era deslumbrante ver a primavera se antecipar florindo jardins e os Ipês, cujas flores caíam e deixavam o chão colorido, que minutos antes, tinha sido molhado por pequenas gotas de chuva rapidamente secadas em face escaldante sol que já se despedia detrás da selva de prédios. 

Quando nasci, de forma irônica, a parteira que me ajudou a vir ao mundo, devia ser uma distraída, mas, de certo modo, possuidora de um espírito crítico iluminado, pois disse no momento que nasci que eu era bonitão. Era 03 de fevereiro de 1949. Nascia mais um aquariano. Mas, para receber uma mísera herança, me emanciparam, e hoje consta na minha Certidão de Nascimento o ano de 1948. Um ano a mais, mas, é como outro qualquer, tanto é que, às vezes, nem importo, pois muitos dizem que nem aparento ter esta idade. Cresci sem bolo, sem vela de aniversário, sem pedidos, sem brinquedos e durante muito tempo o travesseiro foi meu melhor amigo. Ele era triste também. Aprendi a conversar com ele e dizer a verdade. Mentir não é coisa minha. Sem sono passei muitas noites contando carneirinhos e no mundo dos sonhos me tornei um dos maiores produtores desses animais, que guardava com carinho nos currais da vida que construía a cada sonho. Tinha certas noites que contava de três em três dada à quantidade que se acumulava nas minhas insônias. Quando conseguia dormir, doía, assim como a vida. Demorei a gostar de viver e tinha uma tristeza que me visitava até mesmo nos dias de alegria. Por conta disso, aprendi a sorrir com economia, mas quando me permitia sorrir, sorria com vontade, e por conta de minha tenra idade, alguns dentes me abandonaram, então, deixei para rir somente quando estava diante do espelho. Gostava de ver a “janelinha” entre os dentes. Quando meu pai morreu não tinha nem cinco anos de idade e o seu corpo estirado no chão naquela manhã fatídica diziam que tinha sido eliminado por um fio de alta tensão. Era pequeno demais para entender aquela cena e compreensível os fantasmas não me perseguirem e não quererem me adotar. Achei esquisito como a morte se apresentou para mim pela primeira vez, daquele modo, ainda criança, de forma tão violenta. Naquela época não morria tanta gente assim, eletrocutadas. 

Já em Goiânia, vi o asfalto chegar tatuando as ruas poentas e com pés descalços, gostava de empurrar sobre elas um carrinho de madeira que carregava esterco, ou uma tabuinha com furinhos cheios de pirulitos que vendia para ajudar no sustento da família, mas, rindo como se fosse feliz, como se fosse outro qualquer. Não sei por que, mas o carinho do vento que cortava as ruas amenizava o meu coração-menino e me deixava besta. Um ser vivente, livre como a um pássaro e voava em busca do imaginário, de sonhos talvez impossíveis. Certo dia, cansado das bolinhas de gude, das fincas, das bolas feitas de meia que recheava de palhas de arroz e de empinar pipas em dias sem vento, uma maçã do amor que mordi num parque de diversão, lambeu meus beiços e chegou ao coração. Achei que estava doente. Tão desacostumado com a alegria, chorei de felicidade. Lágrimas doces. Não é coisa de poeta, eram doces mesmo! Naquele dia até meu travesseiro chorou e molhou o lençol branco onde fiz questão de derramar junto delas as minhas, que desciam mansas pela minha face. Foi a primeira vez que me senti um “bitelão”. Não lembro mais do rosto dela, mas sei que sua boca era perfeita demais e tinha os dentes branquinhos como algodão.

Ainda pequeno, com uma caixa de engraxar sapatos, comecei a trabalhar. Toda vez que passava pelo portão nem percebia a tristeza fazendo sombra no meu sol. Ele, antes de entregar a noite à lua, me ensinava o valor da liberdade, da honradez e honestidade. Era viciado em livros infantis, gibi, revistas em quadrinhos e em certos momentos eu parecia fugir das galés. Cada remada nas páginas da vida, mais gibis, mais livros, mais revistas. Em cada um ou uma, descobria continentes, astros, ídolos, atores, autores, heróis, gentes diferentes, importantes que me faziam sonhar. Aprendi a conhecer os oceanos, a amar o mundo e achar atalhos para o coração sem me tornar moleque ou escravo de ninguém. No meu primeiro livro já corroído pelas intempéries do tempo, tentei construir nele um sonho, sem saber que tinha, em seguida, outros, que por mais singelos que foram, sei que ensinaram pessoas a gostarem de leitura e poesia. Eu gostava e gosto de escrever, divulgar e botar fogo no pavio para incendiar mentes preguiçosas. Pessoas que não liam agora começa a ler. Tem gente que voltou a estudar só para aprender a escrever publicar artigos e poesias em jornais.  Voltei a sorrir no lugar que me fazia chorar. Outro dia até cantei, desafinado, fiz graça da desgraça alheia embutindo nela frases poéticas. Tem dia que tudo é poesia. Engraçado, de tanto escrever e tentar levar mensagens a cada um, indistintamente, acabo fazendo essas pessoas felizes. Certo dia estava sorrindo distraidamente e uma pessoa me perguntou por quê? Naquele dia fiquei sem entender, agora eu sei. O amor de minha mulher, dos filhos, noras, genro, netos e netas me deixam feliz. Dificilmente a gente se dá conta do sorriso de uma criança, do voo bisonho de uma garça ou da graça de uma borboleta, do perfume de uma flor, do canto de um pássaro, do doce de uma fruta; não percebemos a perfeição, o espírito revolucionário e aventureiro da juventude, quando todas as utopias eram possíveis assim como a maravilha e o esplendor da criação de Deus.

Durante a minha caminhada, ao ouvir os desabafos de toda espécie, restou-me sentir na profundeza da alma que o ser humano está acéfalo e em face dessa acefalia moral da sociedade tento compreender a minha própria história: eu era um menino pobre, pés descalços, que percorreu ruas poentas e engraxava sapatos para sobreviver e, nas andanças, procurava buscar aquilo que muitos não tiveram e foram negados pela sociedade: uma família, um lar, mesmo humilde, mas de verdade. Naquele casebre, entre os desabafos, senti que a fome batia à porta do estômago de uma criança vizinha, com a  boca seca, pele encardida, lábios rachados,  desnutrida e o corpo todo reagia conforme as variações da velocidade de um móvel da unidade do tempo; ele olhava a prateleira e nada via; nada que podia suprir a dor imposta pela fome. Outro menino, menos franzino, de olhos castanhos arregalados, saiu para a rua e se encontrou com outros na mesma situação. Formou-se um bando e a cidade trancou suas portas com medo do absurdo, esta mesma cidade que viu e vê tudo sem levantar o bastão que tem poderes de abrir portas e nelas colocar o amor e a dignidade.  São contrastes absurdos que a gente assiste na vida real. 

Sei que a felicidade tem dívidas em relação a mim, por isso não faz mais do que a obrigação de me manter alegre, satisfeito e ser solidário. Mesmo feliz muitas vezes fico revoltado, mas sei que isto faz parte do ser humano. Como hoje, onde estou sendo agraciado por esta Academia. Há datas que sempre farão parte de minha história. Por exemplo: O cantor Wando morreu no mesmo dia em que fui internado. Não tive medo. Por coincidência, o procedimento cirúrgico foi o mesmo. Eu gostava das músicas e do jeitão que ele cantava. Noutro exemplo, eu sabia dançar bem, era um “pé de valsa” agora... Perdi o jeitão, as pernas não obedecem como antigamente, mas, pelos menos, a minha mente continua boa para remoer lembranças. Faço aniversário em época de calor. Em pleno verão. Por isso careço do sopro dos ventos para amenizar a estrada da minha vida e estes mesmos ventos, inspiro para dentro do meu peito para abafar o calor do coração. Não sei quem me disse que estou ficando velho, desconfio que seja o contrário, pois me sinto apenas mais experiente. Apesar dos cabelos que começam a embranquecer estou aprendendo a ser jovem, mas quando corro, é claro, não dá para disfarçar que passei dos sessenta, mas, mesmo assim, quero ter a sabedoria de um ancião, a maturidade de um adulto, o espírito de um adolescente, ver o mundo com os olhos de uma criança, ser feliz, rir de tudo e até de mim mesmo.

De vez em quando eu fico rindo sem saber por que. Um riso espontâneo, sem malícia. Deve ser riso represado. Rir é da hora. Agora que acostumei ando esperto, controlo o riso. O destino não é confiável como não são confiáveis muitas pessoas que recebem nossos risos. Gosto de rir com amigos e amigas. E falando neles, tenho muitos. Amigos são pessoas que a gente escolhe para sorrir com a gente. Pode até chorar, mas tem que rir também. Descobri com o tempo que amigos amparam, estão com a gente para o que “der e vier”, por isso, queria agradecê-los hoje por me receber efetivamente nesta Academia, onde assumo, como muita honra a cadeira n.º 15 que pertencia ao saudoso escritor José Flausino Sobrinho e tinha como patrono, o saudoso professor, ex-deputado Estadual, Federal, e ex-presidente da Academia Goiana de Letras, o escritor Pedro Celestino da Silva Filho, ou simplesmente, Celestino Filho.
Ontem, levantei preocupado em face da responsabilidade que iria assumir nesta Academia de Letras de minha bela cidade de Morrinhos.  Esta preocupação eu destaco, às vezes, pela falta tempo porque são muitas as minhas atribuições diárias, e por mais que tento controlá-lo ele não sobra. Da Capital Goiânia até esta minha cidade natal rasguei o asfalto e consumi a quilometram em menos de duas horas, e neste local aprazível sempre senti um aconchego, em suma, eu me dou bem, mas acredito secretamente que com o tempo fui conquistando-a e sendo conquistado, mesmo sabendo que não posso provar isso, só gosto de pensar assim, afinal, esse danado do tempo já conhecia meus horários, minhas obrigações profissionais e sociais, assim como, a minha cara de choro quando adentro esta cidade e logo me vejo diante do Cristo Redentor de braços abertos a me recepcionar. A emoção da chegada me faz explodir em lágrimas porque ELE faz lembrar-me de meu falecido pai e ao descer do veículo sempre me sinto como a um espírito e percebo que para mim ele não morreu e continua impregnando seu amor em meu coração, e por instantes, descubro que esta deve ser, sem a menor dúvida, a melhor coisa a acontecer a alguém (mesmo que este alguém seja um espírito...).
Vou parar por aqui, o texto já está meio sem nexo e um pouco esquisito,  pode ser que algumas penas sapientes tenham se soltado das asas de minha imaginação quando redigia causando estragos às minhas idéias, fato que, talvez, me fez extrapolar o limite e cansar os ouvidos de vocês que me honram com suas presenças e dos mestres acadêmicos que hoje me empossam nesta  augusta Academia Morrinhense de Letras.

 
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