Amigo leitor (a)

Amigo leitor (a). Quando lemos um livro, ou qualquer texto, publicados ou não, que são sinônimos do prazer, por mais simples que forem, sejam reais ou surreais, nos permite exercitar a nossa memória, ampliar nossos conhecimentos e nos faz sentir as mais diversas emoções, por isso, sensibilizado, agradeço a sua visita ao meu Blog, na esperança de que tenha gostado pelos menos de um ou que alguns tenha tocado o seu coração. Noutros, espero que tenha sido um personagem principal e encontrado alguma história que se identificasse com a sua. PARA ABRIR QUALQUER CRÔNICA OU ARTIGO ABAIXO É SÓ CLICAR SOBRE O TÍTULO OU NA PALAVRA "MAIS INFORMAÇÕES. Abraço,Vanderlan

Diário de um sobrevivente.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Apenas um pedido de perdão...
 
 
JESUS, não é meu costume, mas hoje resolvi ir a uma balada. Antes de sair de casa fiz uma leitura bíblica e o sinal da cruz pedindo Sua proteção, pois o mundo está cheio de perigos, de gente maldosa e uma violência que se expande por toda a cidade. Em razão disso, ainda fiz questão de me lembrar de um anúncio televisivo que dizia: “Se beber não dirija” ou “Se dirigir não beba”. O meu pai insistentemente me pedia para que eu não tomasse bebida alcoólica, hoje, então, pela primeira vez obedeci. Não bebi Senhor Jesus! Posso dizer que senti orgulho de mim mesmo, e do modo que li o texto bíblico, o qual por incrível que pareça, deu a entender que mesmo se eu não bebesse correria algum perigo. Dizia: “Todos vão para um lugar; todos foram feitos do pó, e todos voltarão ao pó.” Eclesiastes 3:20. Era prenúncio de alguma coisa que poderia acontecer. Entendo que fiz uma escolha certa, saudável, e no clube, bebi somente refrigerantes, ao contrário de alguns “amigos” que “encheram a cara” e ainda me diziam que eu era um tolo. E quanto à festa, finalmente acabou eu só sei que saí sóbrio, enquanto alguns saíram cambaleantes, dirigindo seus veículos sem as mínimas condições… Estavam totalmente bêbados. Tentei controlar a situação e até me propus a levá-los até as suas casas, mas, tudo fora em vão. Fui para o meu carro, certo que voltaria em paz, com a consciência tranquila, entretanto, nunca poderia imaginar o que estava me aguardando, algo que eu jamais poderia esperar. Nem bem alcancei o outro lado da rua o meu corpo sentiu um impacto violento. Fui atropelado por um carro e jogado sobre calçada, e depois, ainda com alguma percepção, ouvi um policial dizer: - O rapaz que causou este acidente estava bêbado e parece que era amigo deste jovem. A minha mente ia e voltava numa velocidade surpreendente e fazia lembrar-me do texto bíblico, enquanto via o rosto de Jesus que resplandecia diante da pequena luminosidade que contrastava com uma lâmpada de mercúrio, e sua voz branda não parecia distante… Meu sangue escorria por todos os lados e tentava com todas as minhas forças, suportar a dor. Ainda consegui ouvir os paramédicos dizerem: – Este jovem se não for atendido imediatamente pode morrer. Atordoado com tantos sussurros tinha a certeza de que o amigo que me atropelou não tinha a menor ideia da velocidade que empreendera ao seu veículo, afinal, estava dominado pela bebida, e agora eu é que sofria as consequências! Por que as pessoas fazem isso, perguntei a Jesus? Sabem que isto pode arruinar vidas, destruir famílias? Minutos depois senti a maca atravessar um enorme corredor e luzes passarem velozmente fazendo arderem meus olhos. A dor ia me cortando como se fossem milhares de agulhas grandes e afiadas… Eu clamava a Jesus! Pedi ao Teu espírito generoso que fizesse chegar mensagem espiritual aos meus pais, quebrantando-os para não se assustarem. Pedi a Jesus que transformasse meu pai numa fortaleza e que ele não sofresse, e à minha mãe, que escrevesse na minha lápide o amor que sentia por ela.
 
Como meu pai me alertou alguém naquele dia deveria ter dito também a aquele jovem que é errado beber e dirigir. Talvez, se alguém ou seus pais o tivesse alertado, eu não teria sido acidentado e não me tornaria deficiente.
 
A minha respiração estava ficando mais fraca e aí disse a Jesus: - Estou ficando com medo… E o seu rosto continuava lá resplandecente, atento a tudo e isto eu podia observar, mas, continuava murmurando: - Se estes são meus momentos finais Jesus, afirmo-lhe que ainda me sinto despreparado...! Mas, eu gostaria de poder abraçar o meu pai… Nunca fizemos isso. Então, enquanto estou estirado sobre esta calçada gostaria de poder pedir-lhe perdão e dizer-lhe, mesmo em razões de nossas desavenças, que eu o amo!  Eu o amo muito, muito mesmo! A dor aumentou e então desmaiei.
 
Dias se passaram. Acordei de um coma profundo e no portal de entrada do quarto logo avistei uma luz que indicava: UTI. As minhas pernas não se moviam, o rosto enfaixado e respirando por aparelhos, os braços presos numa parafernália eletrônica recebia soro controlando resquícios de vida. Ao lado da cama uma cadeira de rodas já me aguardava. E agora, pensei? O desespero tomou-me o corpo. Lembrei do acontecido e não conseguia apagar da memória nenhuma cena, mas, de repente recebi um abraço afetuoso do meu pai, como pedira quando estava extasiado e o corpo dormente naquela calçada. Meu pai com os olhos lacrimejados e fisionomia abalada, trasmitia angústia, desespero e dor; dos seus olhos saíam flashes como se fosse uma máquina fotográfica  mostrando bebuns e bebidas, e  não sei como, elas desapareciam a cada piscada como se estivessem sendo sugadas pela sua retina e amparadas pelo sôfrego globo ocular. Mas, uma conseguiu descer pelo seu rosto já carcomido pelas intempéries do tempo e caiu  sobre o lençol branco. E emocionado me disse: Carlos, meu filho, sabe que eu te amo muito! Me perdoe. Suas palavras acalentou meu coração e eu retribui aquele gesto abraçando-o carinhosamente. 

Naquele dia não descartei Descartes.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Ao iniciar este texto senti-me na obrigação de intitulá-lo desta maneira, em outras palavras, citando filósofo francês René Descartes que criou o princípio fundamental de toda a certeza racionalista. Ao manusear meus livros tive realmente a certeza de que não poderia descartar a sua teoria sintetizada na famosa frase “Penso, logo existo”. Parei por instantes enquanto o silêncio dominava aquele pequeno escritório. Olhei para a estante, peguei alguns livros e artigos publicados no Diário da Manhã. O primeiro selecionado foi “Paixão e Morte em Serra Canastra”, e relendo parte do texto, deparei com personagens que nem mais lembrava os nomes, e depois, “Uma Pedra no Caminho” e no meio da leitura, outras personagens se aproximaram e pareciam querer matar saudade. Sentia acenarem para mim e emocionado, fechei o livro. No canto da estante o “O Mistério do Morro do Além” espremidinho entre o “Espelho das Águas” e o livro “Antes que o Sol Beije o Vão da Janela”.  Como se tratava de um fato inusitado eu tive que prender a respiração para tentar explicar aos personagens que a missão do escritor é fazer daquilo que escreve algo que as pessoas que os leem acreditem ser real. Disse-lhes que ao fazer da história de cada um deles ela seria o mais real possível, não obstante vivermos num mundo mágico onde a realidade se confunde com a ficção e que, por vezes, também acreditamos naquilo que a nossa imaginação dita. Mas, hão de entender que o escritor é escravo de seu próprio pensamento e este o rodeia o tempo todo, não importa se está com a mente cansada ou envolta por nefastos trabalhos laborais.  Ele pensa e muito. E quando pensa, nem vê as gotas de chuva se espatifar sobre o vidro da janela, nem o sol e a lua nascerem ou se pôr soberbos, nem os cânticos e alvoroços dos pássaros sobre as árvores, ou outro ruído qualquer, o pensamento interfere e injeta no escritor sensibilidade, o faz viajar pelo mundo da imaginação, o faz prosear consigo mesmo e diante do computador, escrever sobre a beleza de tudo aquilo que circunda o seu universo. Quando faz sol, o pensamento incita-o, e ele, poeticamente, descreve o encantamento de sua rota, a sua subida e descida majestosa no horizonte; descreve com singeleza a mulher-mãe lavando roupas e pendurando no varal da vida suas angústias e incertezas; ameniza o latido do cão, o som dos veículos que passam rente a janela, e no compasso e descompasso dos sons, nem é capaz de ouvir a voz meiga de uma criança que brinca sossegadamente no jardim.

E, naquele dia o pensamento resolveu fazer-me escravo de meus personagens e à medida que relia cada livro, foram chegando um a um ou uma a uma, e atônito, fiquei por instantes buscando palavras que pudesse amenizar aquele encontro inusitado entre eu e meus personagens.  Como retrucar meu pensamento e dizer a eles que tudo que escrevia era no afã de superar a ficção para tornar bem real o que escrevia, mesmo sendo trágico o final? Como dizer àqueles personagens que muitas vezes fiquei indeciso quando terminei de escrever e que tive que alterar o final, eliminar alguém, mas era vencido pela vaidade de ter conseguido atingir o clímax pretendido?

Mas, diante deles as palavras embaralhavam na minha mente. Não conseguia balbuciar nenhuma palavra. Só depois de horas lembro que balbuciei alguma coisa. Depois, falei, falei..., e ela, a minha personagem predileta estava ali quietinha me observando como se tivesse absorvido cada palavra e me perguntou: Então eu não sou real? Eu vivo apenas na sua imaginação e é por isso você me deixou sozinha naquele mundo inóspito? Novamente fico sem ação e tenho vontade de abraçá-la, mas, ela se recolhe num canto, uma ação momentânea que meus olhos aceitaram como se fosse um pedido de perdão.

Como explicar aos meus personagens, ao in memorian filósofo René Descartes e a vocês a minha evolução. Deixe-me, então, fazer um pequeno contraponto contando algumas histórias de minha geração que originou o grande movimento denominado de jovem guarda. Pertenci a uma geração que pode ser taxada de romântica, mas que se insurgiu contra a ditadura do excesso de consumo, contra uma rigidez de costumes, contra um autoritarismo dominante que aniquilava qualquer tentativa de criatividade, de experimentação, e o que dizer então de liberdade… O refrão em voga naquela época era “Faça amor, não faça a guerra”. Foi uma mudança radical. A moda de então estava de acordo com o fluir do corpo. O cabelo feito topete era endurecido com brilhantina e nem o vento o movia, as roupas de tergal e jeans, singulares, sugadas e coloridas, ficavam soltas, facilitavam os movimentos, como as calças “boca de sino” e colarinhos altos, era um show nas baladas e rock and roll.

Hoje, apesar de tudo o que se fale em termos de liberdade, o que vemos em todos os lugares são pessoas bem vestidas, homens e mulheres. Roupa curta bem colada no corpo amarrando os movimentos. Sapatos de plataforma, altíssimos, constituindo-se na freguesia-mor dos ortopedistas. E é absolutamente indispensável que tudo seja proveniente de grifes famosa. Os paradigmas que surgem são cambiantes. Em outros tempos, a dedicação a uma causa, estudo ou profissão, era um critério básico para o sucesso pessoal e profissional. O que se busca hoje é o exercício de certa “esperteza”, do suborno e das propinas que cortam atalhos… Hoje percebemos uma dessacralização de tudo que a nossa geração julgou ou julga serem valores incontestáveis.  Tempos idos, o nosso espelho eram olhos amigos e amorosos em que cada pessoa podia se vir confirmada e aprovada em sua singularidade, sentindo-se tão mais perfeita quanto mais parecida com ela mesma.

Então, queridos personagens, me desculpem por manusear novamente os livros apenas esta noite, mas, neste encontro surreal, convido-os a virem comigo, e seguindo a antiga tradição, buscar a quietude, dar espaço para o mergulho imaginário e consultar à biblioteca virtual, a qual me facilitou com uso de senhas, guardar meus escritos e seus nomes para a eternidade. Em meu subconsciente que embora só seja visitado em situações de crise, o pensamento estará lá, sempre, esperando com a porta aberta para levá-los ao encantamento do mundo da imaginação, pois, para quem sabe pensar tem consciência de si mesmo, ou se pensa, como disse o filósofo René Descartes, logo sabe, ou se pensa, logo terá consciência, se pensa, logo saberá algo certo, por isso, quando escrevo, sou forçado a pensar e se penso, logo existo.

A margarida e o beija-flor

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Passando por uma rua que findava num vale, vi uma casa sem número, construída num canto que quase ninguém notava. Lá dentro pairava um silêncio absoluto, profundo. Olhei para um pasto verde pouco à frente e parei. Com o semblante e boca travados, estacionei o carro e fiquei ali inerte, mudo, enquanto minha mente cobrava de mim uma mensagem bíblica que tinha ouvido na missa dedicada à família Bandico, afinal, era numerosa, unida, que naquele dia festejava seu 1.º Encontro. Na frente daquela casa avistei um jardim cheio de flores, cercado de um gradil e uma paliçada verde; e num canto, no meio da erva fresca, floria uma pequena margarida. O sol a aquecia com seus raios, e assim como às outras flores do jardim ela se desenvolvia minuto a minuto. Dizem que numa certa manhã apareceu do nada, inteiramente aberta, com suas pequenas pétalas brancas e brilhantes, e no meio delas, uma miniatura de sol rodeado de pétalas brancas, e somente na sofreguidão do calor solar e diante da impertinência de um beija-flor é que ela se inquietava.

Mas, mesmo assim, a pequena margarida estava feliz, embora não recebesse nenhuma gota de água. Enquanto as crianças passavam silenciosas, ela, sustentada por seu caule verde, apreciava a beleza da natureza e a bondade de Deus. Parecia-lhe que tudo o que sentia em silêncio o pequeno beija-flor exprimia na sua ansiedade, tentando bicar-lhe e tirar seus polens e ínfimos néctares. Ela olhava receosa aquela ágil ave que girava em torno de si na ansiedade de alcançar seu objetivo: o mel


Ficava injuriada, pois dentro do jardim havia uma quantidade de flores lindas, viçosas e aquele beija-flor parecia se encantar somente com ela; as outras flores se inflavam a fim de parecerem maiores do que as rosas; mas não é o tamanho que faz a flor. Elas brilhavam pela beleza de suas cores e se pavoneavam com pretensão; não se dignavam lançar um olhar sobre a pequena margarida ali no canto do jardim, mas, ela, dentro de sua humildade, ainda as admirava dizendo: Corno são belas!  Mas, porque o beija-flor insiste somente em me bicar, me ferir e destruir minhas pétalas. Questionava. E, no mesmo instante, o veloz pássaro levantava seu voo, não rumo às outras flores, mas para a grama ao lado da pobre margarida, que, irada, não sabia mais o que fazer. O pássaro começou a girar novamente em volta dela com o zunido irritante de suas asas e ainda dizia: Mesmo sem o cheiro daquelas petulantes rosas, encantei foi com você florzinha de pétalas brancas!

Não se pode fazer uma ideia da bondade da pequena flor. O beija-flor a beijou com seu bico, girou freneticamente, depois subiu para o azul do céu levando em suas asas o branco pólen. As horas passaram e a margarida não conseguia refazer da sua emoção. Já estava gostando daquele infeliz. Sentiu-se um pouco envergonhada, mas orgulhosa. Olhou para as outras flores do jardim que foram desdenhadas por aquele pássaro. Sabia que elas tinham testemunhado a honra recebida e da qual que fora alvo dele. Elas deveriam compreender a justeza de sua alegria, mas as rosas estavam mais sérias do que antes e as suas pétalas vermelhas e curvadas para dentro exprimiam seus despeitos. Outras flores de somenos importância levantavam a cabeça com soberba. Que sorte da margaridinha elas não poderem falar!  Teriam dito coisas bem desagradáveis.
 

Comentam que no dia anterior, uma menina armada de uma grande faca afiada e brilhante entrou no jardim, aproximou-se das rosas e cortou algumas. A margarida safou-se talvez pela sua insignificância. Mas, feliz por ter ficado sozinha naquele jardim. O sol se pôs, margarida adormeceu e sonhou a noite inteira com o inquieto beija-flor voando pelos campos verdejantes, feliz.

Acordou e viu aproximar um menino portando uma enxada e logo começou a perfurar o chão em sua volta. A cada enxadada margarida tremia de medo. Ser arrancada dali significava perder a vida; e ela gostava tanto daquele espaço e por sorte, foi poupada com a chegada do jardineiro. O menino saiu correndo. E assim ela sobreviveu mais dia.

No final da tarde alguém de supetão, lhe mergulhou o bico. Era o irreverente beija-flor que fez um sinal amistoso e disse ao beijá-la: Você sim, pequena flor, não perecerá aqui!  Ninguém vai lhe fazer nenhum mal e em troca vou adubar suas raízes. Você vai se fortalecer e cada uma de suas pétalas brancas rejuvenescerá, não terão mais o temível odor, e o perfume que sair do seu seio, será inebriante, e quando for levado pelo vento, aromatizarão todos os jardins de nossas existências.

O beija-flor foi aprisionado pelo menino e colocado numa gaiola. A noite chegou, veio o dia e anoiteceu novamente. Ninguém estava lá para levar alimento e água para o pobre pássaro. Então ele abriu suas belas asas sacudindo-as convulsivamente e fez ouvir uma pequena canção melancólica, fúnebre, vinda não sabe de onde. Sua cabecinha se inclinou para a flor e seu coração ferido de desejo e de dor parou de bater. A esse triste espetáculo, a margaridinha não pôde, como na véspera, fechar suas pétalas para dormir; e traspassada pela tristeza, também se curvou ao solo.

O menino apareceu dias depois e ao ver o pássaro morto, chorou copiosamente. Colocou o corpo do beija-flor numa caixa de sapato e o enterrou no jardim. Sobre o túmulo semeou pétalas brancas. Pobre margarida!  Suas pétalas serviram de honrarias, mas, mesmo assim, despedaçada, estava feliz, pois ninguém, a não ser ela, sabia o quanto ele era importante naquele pequeno jardim. Passara a amá-lo ternamente.

Por incrível, lá dentro morava uma mulher de nome Margarida e o esposo com sobrenome Flores. Ela também possuía uma luz irradiante e Flores encontrou nela o sentimento da força inconteste de uma margarida-flor, uma mulher madura, boa esposa, boa filha, boa mãe, amiga e extremamente prestativa. Como aquela margarida que desfalecera por amor, ela também representava esse sentimento porque trazia o significado da inocência, da sensibilidade e da nobreza. Talvez, quando usava um vestido branco, transmitia a paz como aquela pequena margarida, e sem querer contrastar com o sobrenome Flores, que são multicores, eles hão de entender que precisavam de um jardim renovado, regados de amor, sobriedade, humildade, sabedoria e paz. E embasado nestes sentimentos não há jardim que feche as portas e nem flores e margaridas que murchem, pelo contrário, as portas de suas novas moradas ou quaisquer outras que venham construir, estarão sempre abertas e surgirão novas margaridas e flores enquanto souberem regar com amor os jardins de suas vidas.

O Andarilho, o Cajado e a Bengala

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Ao sentar diante do computador nem me preocupei saber que dia era. Só percebi que era noite quando o clarão da lua passou efêmero rente à janela sem fazer nenhum alarde. Não ouvia sons de veículos, apenas os emitidos pelas pequeninas gotas de chuvas, extemporâneas, que se debatiam no vidro da janela e logo eram levadas pelo vento. Aquietei-me por instantes. De repente, lembrei-me de um idoso na fila de um Banco com o olhar perdido na escuridão do seu próprio ser. Com o rosto carcomido pelas intempéries do tempo esperava ansioso sentado numa cadeira e com o olhar voltado para uma TV na esperança de ver anunciado o número de sua senha. Uma fila enorme com um atendente apenas. Era demais para ele, assim como era enganoso aquele símbolo de um idoso apoiando-se numa bengala. Uma pessoa de outra fila depois de ser atendida passou pelo idoso e com certo desdém disse: Véi! Esta sua fila num anda e é pura embromação aquele aviso.

Retornando ao mundo virtual, cliquei sobre o Word para escrever mais um artigo, e noutro repente, senti a mão do destino tocar meus ombros fazendo-me lembrar de um andarilho, de corpo curvado e maltrapilho, pegando um galho caído à beira de um caminho. Aquele estranho passava e não deixava de me observar. Eu não era um menino tosco, era esperto e logo percebi que ele iria construir um cajado com aquele galho de angico. Só ele notou que aquele pedaço de madeira no meio do matagal era de lei. Era também perceptível o seu olhar melancólico, olhando para o alto, para as copas das árvores e depois, à sua volta, parecendo conhecer bem aquela estrada.  Observei que ele tinha a sensibilidade de ouvir os pássaros e o barulho do vento passando entre folhagens; de respirar fundo e perceber os diferentes aromas que as flores e frutos produziam. Cheguei perto, dei-lhe água e comida, ele sorriu, agradeceu e seguiu o seu caminho. Certo dia, quando ele retornava, desta vez manuseando compassadamente um cajado, tocando-o firme sobre o chão batido, eu continuava lá, no moirão da porteira, com o olhar voltado para o horizonte poente, mas, certamente, observando-o, assim como, às árvores, as folhagens, as flores que circundavam aquele recanto. Quando ele passava por aquela estrada percebi que o tocar do cajado no chão adquiria um ritmo que dava motivação à sua caminhada. A cada passo batia o cajado no solo levantando poeiras ao vento. O ritmo era uma verdadeira música que tomava conta de meu inconsciente e tornava-se parte de mim. Mas, naquele dia parou diante de mim e me entregou um belo cajado gravado com o Salmo 23: O Senhor é o meu Pastor, nada me faltará..., e novamente seguiu viajem.

Dias se passaram e não mais o vi, assim como, sentia falta do ruído do cajado. E foi em razão da mensagem e desse estranho sentimento que resolvi escrever sobre este tema, que começa assim...

Dias atrás vi o velho Enauro, empresário aposentado, sempre com a costumeira mansidão, sair para seu passeio matinal e junto à porta, pegar o chapéu de palha e a bengala. Coincidentemente, no mesmo momento, do outro lado da rua, saiu Tiziu, o inquieto andarilho, com seu cajado que moldara com esmero. Tempos idos, a bengala era um complemento indispensável aos homens de negócios, fazendeiros ou coronéis. Ela tinha o cabo decorado em prata e nele era gravada as iniciais do proprietário. A bengala tem a sua história. Entretanto, o cajado, desenhado em cavernas, descrito na literatura bíblica, também tem sua história, pois sempre esteve ao lado do homem desde os primórdios da civilização, seja como instrumento de defesa e proteção ou servindo de apoio nas caminhadas intermináveis.  O cajado que o velho Tiziu usava, com o passar dos tempos evoluiu para a bengala, mas, para ele, nada o substituía. Era o complemento do seu braço, o suporte do seu corpo ou de sua própria vida.

O cajado não tinha o cabo dourado como a bengala do nobre Enauro, mas Tiziu o manuseava com maestria. Com a mesma classe que o “malandro” tira o chapéu, ou o detetive pendura o casaco. Na casa dele o cajado tem um lugar certo para repousar. Todos sabiam que os antepassados usavam a bengala como um adereço masculino, tornando-a símbolo de status social, e a partir do século 20, a bengala ganha um caráter mais funcional no auxílio ao cego, apoio ao soldado ferido e braço amigo ao velho trôpego e frágil. Entre os notáveis temos muita gente famosa e entre essas, o legendário Charlie Chaplin e os cavalheiros ingleses, que iam ao teatro usando fraque, cartola e bengala. Já o cajado, não possuiu o mesmo status social, mas amparou desde os primórdios da civilização muita gente humilde em suas caminhadas, ajudou pastorear ovelhas, ajudou aos cristãos percorrerem lugares distantes e inóspitos para pregar o evangelho. Até Jesus teve o seu Cajado e fez dele um símbolo da resistência e da força cristã.

Hoje, caminhando pela estrada da vida tento levar o meu “cajado”, para enfrentar algumas subidas e descidas que ela nos impõe e que só o cajado pode aliviar. Peregrinei a maior parte de seu caminho sozinho, e ainda menino, carreguei nos ombros uma caixa de engraxar sapatos, fui jornaleiro, comerciário, bancário, executivo, servidor público, escritor, ambientalista e hoje, depois de uma estafante Universidade, até me chamam de doutor. Durante essa minha caminhada nada foi capaz de tomar o meu cajado que sempre me firmou no chão. Sim, o cajado talvez tenha sido a minha cruz e eu já fazia parte dele e ele de mim. Ele era a continuação de meus braços, parte integrante de meu corpo e nos tornamos um só.

Talvez seja esta é a razão para o grande apego que os peregrinos ou andarilhos têm ao seu cajado.

Mas, os tempos mudaram. A bengala está perdendo seu encanto ao complementar o vestuário masculino e hoje passou a ser o símbolo do idoso. Dessa forma é agora vista com desdém, só o velho ou o doente faz uso dela. Enauro, infelizmente, foi para outra dimensão e deixou a bengala repousando no mesmo lugar, mas sei que ela continuará no seu braço direito quando cruzar as ruas infinitas do paraíso ou dos caminhos que Deus lhe indicar. Juntos, cajados e bengala ampararam os velhos Enauro e Tiziu por décadas, deixando-lhes conscientes da dependência que tinham dessas peças, hoje, algumas  apenas ornamentais. Elas os conduziram com a elegância dos tempos que não voltam mais… Ao olhar o símbolo do idoso segurando uma bengala ou cajado, postado nos guichês de atendimento por determinação legal, devemos fazer com o maior respeito e tentar retratar com esse olhar o passado de glória de cada um deles, suas lutas insanas pela sobrevivência e a forma intrépida que fizeram para percorrer o caminho de suas existências, usando os cajados e bengalas sem jamais terem medo da derrota ou pressa de chegar à vitória.

Bizuca, o tímido.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Quando Mirella apareceu em Pomares ele só tinha certeza de uma coisa: ela era diferente de todas as garotas da cidade. E as diferenças não estavam apenas na aparência. Tinha certeza que já a havia visto, através de uma TV, numa encenação teatral ou talvez, no mundo de sua própria imaginação. Restava-lhe apenas imaginar. A timidez até nos sonhos o dominava, fazia dele um idiota, mas, às vezes, inquietava-se diante de tanta beleza e aí, era difícil segurá-lo: sonhava sonhos impossíveis com Mirella e ela estava sempre do mesmo jeito, sensual, e no mesmo lugar. O interessante é que jamais a conhecera, entretanto, dizia que ela nos seus sonhos, parecia lhe pedir socorro e ser salva de alguma coisa que não conseguia decifrar, e não decifrava mesmo...
 
Antes de Mirella aparecer naquela manhã de primavera, ele estava contando os meses para deixar a pequena cidade de Pomares, mas agora era diferente: Mirella estava ali à sua frente, ao lado do portão, deslumbrante, com o sorriso solto, envolta por uma densa neblina, mas, ainda dava para ver seus lábios, finos, sem batom. A jovem o olhava e ele retribuía ao mesmo tempo em que desviava os olhos. Ela chegou a sorrir enquanto fitava e ele quase chorou diante da invalidez que o impedia da aproximação. Era uma imagem impactante. Mas, ele já sentia que havia algo entre eles, uma atração que não conseguia explicar. Precisava se aproximar, tocar-lhe às mãos, entender o que estava acontecendo, se tudo aquilo era real ou se coisas surreais estavam sendo geradas pela sua fértil imaginação. Mas, para se aproximar, teria que enfrentar o seu próprio medo e a timidez que travava seus passos e o emudecia; Carol, a empregada, supersticiosa, ao vê-lo estático junto à porta compreendia o seu sentimento. Sabia que desde a morte de sua mãe trancava-se no quarto para manusear o computador e vagar pelo mundo virtual à busca de um elo perdido e que, se o encontrasse, talvez mudasse o seu comportamento e o modo de ser.
 
Será que havia algum segredo, um tipo de segredo que não deveria ficar oculto por muito tempo, estocado num lugar qualquer, próximo a um rio, a um lago, a um jardim florido, num espaço qualquer, terrestre ou sideral, um tipo de segredo que poderia mudar a sua vida? Ah, havia sim, poderia, mas, infelizmente, não conseguia decifrar...

O portão se abriu e mal pode esperar para convidá-la a sair de Pomares, uma cidadezinha pacata construída longe de tudo e no meio do nada. Ele morava com seu pai e a empregada Carol, que agia mais como se fosse sua madrasta. O pior, é que ela lia vários livros no afã de escapar da realidade e ter sonhos estranhos como os de Bizuca, como os daquele jovem que sempre aparecia rente a sua janela, um jovem pelo qual ela se dizia apaixonada, só que, jamais conseguiu tocá-lo, como acontecia entre Mirella e Bizuca Cortez. Neste ponto estavam empatados. Eram apenas sonhos.
 
Linda Vasques, sua vizinha, era a mais nova garota na cidade. Voltou recentemente a Pomares depois de cursar Faculdade de Enfermagem na Capital. Agora ela estava morando com seu tio Cordão apelido dado em razão de sua facilidade em “dar nó até em goteiras” nos comerciantes locais. Ele é um recluso, de poucas amizades e sai pouco às ruas, e agora sua bela sobrinha é assunto na cidade. Um alvoroço danado. A rapaziada não se contém. Acontece que ela também era garota dos sonhos de Bizuca e numa certa noite quente de verão vê as duas cruzarem os recantos verdes e repentinamente, se atracarem. Saíram rolando pelo terreno poento e Bizuca, desesperado, apressou os passos passando por uma trilha que parecia sem fim, e como por encanto, perto de um casebre, viu os corpos de Mirella e Linda desaparecerem por detrás das aspirais de uma fumaça escura que saíam de um fogão a lenha. Atônito, com a respiração ofegante e suado acordou. Levantou da cama, olhou pelo quadriculado vão da janela e disse: Graça a Deus! É apenas um sonho!
 
O sentido de toda essa introdução é falar um pouco sobre a timidez e, como membro assumido dessa espécie humana, venho aqui, sem pestanejar, de peito aberto e no afã de revelar aos meus irmãos de infortúnio, como aprendi a burlar em alguns momentos essa perversa e rigorosa timidez. O tímido para existir precisa trapacear sua própria condição e ao navegar sobre o mar de suas incertezas poderá até se tornar um náufrago de si mesmo, não obstante saber que a parte mais emocionante de sua vida acontece no espaço da sua imaginação. Ali, nos recantos verdes onde ele depositava diariamente seus sonhos e daqueles que conseguem sonhar sonhos imaginários, os tímidos se tornam Reis, arrebatadores de corações. Foi andando nesse mundo onírico e utópico, passando por caminhos pincelados pela natureza, sem pedras, sem pó e espinhos é que me senti capaz de ir ao encontro de alguém que certo dia me fixou os olhos. Eu chegava cheio de ginga, fazia charme, versejava palavras sem nexo, decorava-as, pensava antes de falar e até ousava cantar, para, finalmente, conseguir sugar de seus lábios o néctar das flores e matar um desejo ancestral.

 
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