Hoje, após alguns dias da tragédia ocorrida na boate Kiss comecei a pensar na dor daquelas mães, pais, irmãos, irmãs e amigos da vítimas, cada um ou uma, com uma história diferente destacada pela mídia. Deixo-me tomar por um momento de reflexão, enquanto me preparo para ir ao trabalho, mas, logicamente, ansioso para que cada uma daquelas famílias encontrassem algum conforto. Lembrei-me de quantas vezes me irritava com tudo e com o excesso de zelo de minha saudosa mãe, ainda que estivéssemos a centenas de quilômetros de distância. Precisou acontecer aquela tragédia para que eu hoje a entendesse. E entendi, pois os filhos para os pais não têm idade. Necessitam que eles compartilhem, telefonem, digam onde estão, se estão bem ou não, para que possam fechar a porta e deixar do lado de fora as tormentas e preocupações.
A dor daquelas famílias era tanta que não souberam exercitar a revolta. A gente via que era sofrimento demais diante de um prédio em chamas, que mais perecia uma armadilha, um labirinto, cuja saída era controlada por “toupeiras”, comumente chamados de porteiros. Evidentemente que muitos se arriscaram antes a morrer nas dependências da boate na ânsia de salvar seus amigos e ao observar cada expressão colocada pela mídia, tanto escrita como televisiva, notei que na translúcida dor faltava apenas o casamento do fortuito com o inexorável. As imprudências imbecis e metodicamente praticadas dentro de um cubículo sem saída careciam do elemento incidental, destacando a estupidez que serviu de estopim e do gesto tolo de um músico que foi desastroso provocando uma reação em cadeia resultando naquela horrenda tragédia.
Na madrugada de sábado para domingo, um sem noção, inlúcido no palco, manuseando um sinalizador, uma espécie de fogos de artifícios, esguichou para cima fagulhas que atingiram o teto de papelão e material de proteção acústica que são altamente inflamáveis. Foram apenas segundos. O fogo formando imensas labaredas se espalhou pelo teto e a maioria das vítimas morreram asfixiadas pela fumaça tóxica. Não existiam portas de emergência ou outras saídas e a única, se encontrava travada pela imbecilidade, talvez, se estivesse “destravada”, bastava para minimizar a tragédia. Mas, o Corpo de Bombeiros não atentou para esse detalhe e liberou o uso da boate, cuja licença se encontrava vencida desde agosto do ano passado. Para as autoridades policiais é uma informação relevante que parece indicar que a casa não primava exatamente pelo respeito às regras ou havia falha do Poder Público. De quem seria a culpa afinal? Do Corpo de Bombeiros que julgava que tudo ia bem? Do músico que soltou fogos de artifício? Dos porteiros que impediram a saída dos frequentadores porque achavam que os jovens não queriam pagar? Do Poder Público de forma em geral ou somente dos proprietários que tinham protocolizado a renovação da licença?
A escuridão tormou conta do salão deixou a moçada no escuro em meio à fumaça. Não havia luzes de emergência, acionadas automaticamente quando há o corte do fornecimento de energia elétrica. Dizem que um extintor não funcionou. A boate Kiss não poderia naquelas condições estar funcionando. E não era um empreendimento pequeno e nem clandestino e pelo que se vê nos noticiários talvez fosse a maior casa do gênero em Santa Maria, uma cidade de porte médio com pouco mais de 230 mil habitantes, mas com vida noturna agitada em razão de possuir uma Universidade de renome que atrai jovens de todo Brasil. Noticia-se que aquele festa tinha sido organizada por alunos do primeiro ano dos cursos de Tecnologia de Alimentos, Agronomia, Medicina Veterinária, Zootecnia, Tecnologia em Agronegócio e Pedagogia para angariar fundos para suas formaturas.
Por mais que eu tento refletir observo que essa não é uma tragédia fabricada pelo acaso. Ela é obra de uma cadeia de descasos, de desrespeito ao ser humano e quiçá, de uma má administração do serviço público. Uma casa de shows naquelas dimensões tinha de ter, por exemplo, uma brigada civil de combate a incêndios. A ela caberia dizer aos tais imbecis chamados de banda “Gurizada Fandangueira” que o ambiente era impróprio para o uso de fogos de artifício. Assim urge as autoridades policiais que apurem as responsabilidades. Sou advogado, mas a vivência no meio jurídico me fez conhecer uma pouco de perícia técnica, mas, no caso em tela é desnecessário meus parcos conhecimentos, pois há elementos de sobra para concluir que a “fatalidade” que resultou na morte de 237 jovens e outros tantos na UTI, foi construída pela imprudência, insensatez, estupidez e não pelo destino. Foi preciso acontecer uma tragédia dessa magnitude para que o poder público desencadeasse uma fiscalização mais rígida em todo o País, mas, acredito será em vão, pois a morosidade e incompetência do serviço publico não evitará outros descasos. Esse é o Brasil, onde mandatários-mor choraram no intuito de angariar dividendos políticos.
Muito bom o texto.
ResponderExcluirLeia também o que escrevi em http://adedeycastro.com/2013/01/27/eu-acuso/
Considere que trabalhei como Promotor de Justiça nesta querida e hoje impactada cidade durante 22 anos!
Não quero ser melhor do que ninguém, mas desde o primeiro momento eu sabia quem eram os culpados.
Abraços