A voz adocicada de Goiana Vieira da Anunciação

terça-feira, 23 de setembro de 2014



Sabemos que a música é uma forma de o ser humano expressar suas emoções, sentimentos e a sua própria história, como a beleza, a harmonia e o equilíbrio. No caso do canto lírico, este pode ser representado através de várias formas, se em canto solo ou capela, o cantor não se importa se for acompanhado de uma orquestra, de um violino ou apenas um simples teclado. O cantor lírico surgiu desde os tempos idos, há milhares de anos, que foi se evoluindo ocupando um importantíssimo espaço na sociedade, haja vista que em algumas apresentações teatrais eram indispensáveis o acompanhamento de uma orquestra capaz de nos deixar boquiabertos diante de belas vozes e sons mágicos que nos traziam pura magia, deixando atônitos e encantados juntamente com a platéia. É um jeito especial ou teatral que o artista usa, tanto as mãos como a voz para expressar o que imagina do mundo real ou surreal.

Dias atrás nem precisou apagar as luzes. O palco montado para um ato solene de posse do Instituto Cultural Movimento Santuário da Arte, que antes aspirava e inspirava vozes que se confundiam no fechado espaço, logo se transformou em palmas e depois em silêncio profundo para ouvir a cantora lírica Goiana Vieira da Anunciação. Subia ao palco uma figura humana fantástica que fora convidada pelo Instituto e sem pestanejar, soltou a voz que ecoou naquele auditório, rompendo o silêncio isolado encravado no obscuro de cada alma e como a um rouxinol, parecia anunciar que aquela noite era ainda primaveril. Quem a ouviu se purgou em lágrimas, e às vezes, cantava para si mesmo, impregnava-se e desprendia-se da personagem à sua frente, esvaziava-se de suas emoções, e atento a cada encenação, cantava, cantava! Dia seguinte, noutro evento ocorrido no Palácio das Esmeraldas não titubeei, fiz-lhe um convite para cantar após minha palestra no Teatro Juquinha Diniz, em Morrinhos e ela, sempre gentil e generosa, aceitou. 

Prezados leitores, quão traumático é não saber cantar, quando se precisa cantar, mas em relação a ela bastava ouvir, divertir quando ela se pranteava, versejava ou nos abraçava  pensando em parar cantar. No palco a sua figura nem parecia que estava lá, dada a delicadeza de seus gestos e a doçura de voz. Teu canto era realmente lírico, porque cantava suas emoções e sentimentos íntimos. Não sei se ela era poeta cultora da poesia lírica ou se o próprio lirismo é que a cultuava quando soltava sua adocicada voz. Suas filigranas vocais e suas frágeis e delicadas mãos gesticulavam para o leigo o decifrável, e para os entendidos, uma bela canção, que se transformava e criava asas imaginárias e voava em nossa direção com suavidade e depois, ia para além de mais além. Não a conhecia pessoalmente, mas naquela noite senti que o seu talento, elegância e voz de soprano já derramavam em minha mente em forma de cascata a suavidade de sons e o cantar dos rouxinóis na amplidão do silêncio que pairava em meu coração. 

Sua voz era um néctar que alimentava nossa alma, era a pureza que uniam sentimentos; era o vento suave cortando campinas verdejante; era uma estrela cintilante que, a cada cena, apenas nos restavam pedir bis. Sabemos que a arte de cantar trabalha com outros elementos que não a razão. Ela quer agradar e busca o agrado; ela busca um sentimento que nos tire do chão, que nos leve para um lugar onde não freqüentamos nos nossos dias comuns. A voz de Goiana Vieira da Anunciação desde pequena emocionou muita gente e entortou cabeça de gentes ilustres, musicistas, maestros e autoridades políticas de várias partes do mundo, como entortou as de Juscelino Kubitschek, de Pedro Ludovico Teixeira, do Secretário Norte Americano Henry Kissinger, do primeiro ministro da França Leonel Jospin, fazendo vibrar seus corações, fazendo-os pensar, e às vezes, até duvidar de daquilo que ouviam ou presenciavam a olho nu. A vida, comum, não é o suficiente, deve-se procurar algo além dela, pois se ficarmos parados, mesmo que metaforicamente, é o primeiro passo rumo à morte, mas em relação à Goiana Vieira, tenho absoluta certeza que ela não almeja isso. Se ela optar apenas pela sobrevivência e não pela expressão máxima do que é o prazer pela própria vida de nada adiantaria ter uma bela voz se a vida não for bem vivida, e isto ela faz bem. O seu canto lírico, seja de  que forma vir a fazer ou interpretar, nos moverá, nos elevará e nos transportará a um mundo surreal e nos fará viajar pelo mundo da imaginação, e é graças teus gestos, seu fino trato e voz doce, nos possibilita a viajar em busca do improvável e isto nos deixa encantados e fascinados pela vida. Fantasiar que aquelas apresentações foi um surto, um acaso, uma alucinação e que ninguém sentiu nada ou fingiu que não sentiu... É uma inverdade!

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