Certo dia numa casa deserta.

terça-feira, 19 de julho de 2016


Parei diante de uma casa numa rua sem saída. Parecia deserta, mas não estava. Alguém habitava nela, pois podia ver que as paredes ainda colecionavam seus segredos. Mas é certo que de vez em quando, parecia deserta mesmo, pois alguma “coisa” tentava despistar a atenção da gente ou dos invasores de privacidade. E não demorou muito. Uma janela se abriu, mas não tinha ninguém debruçado sobre ela, parecia querer mostrar que a casa estava deserta, no entanto, uma luz intensa iluminava aquele quarto e vultos passavam, iam e voltavam. Olhei pasmo e vi que realmente não estava deserta. De repente, apareceu um vulto de mulher rente a janela, outras sombras se refletiam nas paredes, trazendo aos meus olhos devaneios mórbidos e dava para ouvir vozes embargadas e soluços que ecoavam dentro do casarão, então, como afirmar se a casa estava deserta.

Não era apenas o barulho que me endoidecia, mas principalmente a ideia de escutar sons estranhos, fantasmagóricos, uivos e latidos de cães que nem sabia de onde partiam. Mas todos diziam que a casa era deserta. Como acreditar nisso? Eu sei que é difícil ouvir isso e catar os cacos de mim mesmo para depois passar tempo todo tentando decifrar esse quebra-cabeça: uma casa onde todos diziam que é desabitada, deserta, só que ninguém foi lá pra confirmar e olha que no imenso muro tinha uma placa “aluga-se” já corroída pelas intempéries do tempo.

Eu peguei coragem a adentrei ao imenso jardim cheio de estátuas de tempo medievais. Abri o portão que soltou um zunido de coisa enferrujada. Parei por instantes, nem contabilizei os segundos. Agucei os ouvidos e abri os olhos sem pestanejar. Posso afirmar que eu adoro o silêncio quando é invadido por músicas, não me importando o gênero musical, principalmente as que fazem de conta que é um tipo, mas no fundo sabemos que não é, no entanto, isso dava no mesmo. Aprecio a jornada onde a gente descobre o nosso gosto musical. É necessário saboreá-lo, mesmo vindo daquele casarão deserto judiado pelo tempo, cuja musicalidade chegava aos meus sensitivos ouvidos já adormecidos sobre as costas da noite. Quando ninguém mais tem o que dizer e todos adormecem de cansaço ou libação, meus olhos continuavam atentos a tudo, às vezes se fechavam enquanto minha boca bocejava —, então sentia como se a vida extraterrena estivesse tatuando o meu rosto, acompanhando de uma canção que invadia minha alma com muito gosto, permitindo a quem nela viesse a morar eu entenderia que também poderia me transformar e ser um protagonista de um filme ou do fantasma da ópera.

Ao observá-la de perto, nem conseguia alcançar a inquietação que se acomodava em minha alma, até porque aquele lindo vulto de mulher se agasalhava num véu branco e parecia ter alma própria, pois vivia sombreando aquela casa deserta que, às vezes, andava de um lado para outro, girava, girava, aparecia seguidas vezes no vão da janela no afã de me assustar sei lá. Mas quando ela percebeu que nada mais me assustava apesar de ver no seu rosto a tristeza de quem deixara este mundo há tempos, assim como, o desapontamento, mesmo assim, deu um leve aceno, eu retribuí e reiniciei a minha caminhada. Cortejava-me de longe, mas ela e seus brancos véus eu sabia que jamais sairiam daquele inusitado casarão.

Tenho comigo que sempre aprendi a tirar esperança da cartola, mas naquele prenúncio de noite não. A minha cartola quedou-se diante de uma beleza descomunal e dos sons estranhos, mas suaves e gostosos de se ouvir, e de tão graciosos, me fortaleciam de leveza e me fazia olhar aquela linda figura de uma maneira diferente, respeitosa, especial, sendo ou não ela apenas uma alma perdida naquela casa deserta.

Entrei compassadamente e resolvi conversar com aquelas paredes, pois descobri que precisava ver do outro lado, enxergar mais além e até ver o inusitado. Girei os olhos e os fechei por segundos. Leitor sabe sobre os desenhos em que os personagens ficam girando por um tempo no mesmo lugar e acaba abrindo um buraco no chão e sumindo? Foi isso que aconteceu comigo e descobri realmente que aquela casa jamais será deserta, pois as paredes pareciam me dar asas e abrir portas quantas eu quisesse, e logo, apareceu um menino com vestimentas estranhas, com uma bola na mão, tocando-a como se ela fosse o sol cercado lantejoulas dependuradas no universo.

E foi aí que descobri também que a minha casa não era deserta. Sobre a cama os cobertores que me protegiam nas noites frias, as fronhas dos travesseiros que sempre abarcaram minhas lágrimas em noites de sonhos adormecidos em que eu não sabia como ou quando ia acordar. Então entendi que se não ficarmos alertas elas serão apenas moradias para momentos em que se flerta com abismos, todavia, alguns sonhos são bem agradáveis, aqueles em que a gente sonha com leveza. Mas às paredes esse segredo nem conto, apesar da insistência desvairada delas, pois muitos dizem que paredes têm ouvido então o melhor era manter-me em silêncio. Todavia é fato: as paredes enxergam muito mais do que aqueles que, possuidores de boa visão, os olhos ficam grudados na vitrine da vida e jamais enxergarão. Quem não sabe se o nosso olhar depende da cadência da alma?

O céu, o sol, a lua, as ruas, os labirintos urbanos são testemunhas dos passeios da gente. Posso apostar que, como observador, não faço questão de lógica ou de corroborar fatos que eu me encho de paz ao caminhar pelo bosque. É como se os fantasmas de minha vida ou divindades me acompanhassem nesse momento, sussurrando em meu ouvido os mistérios da própria humanidade. Desde aquele dia eu me resgatei do medo principalmente quando me deparei frente a frente com aquela alma de mulher e foi naquele momento também que entendi que ao fechar os olhos e aguçar os ouvidos, procurei entender o outro lado da vida, que podia tocar o céu, contar a estrelas e enxergar além de mais além quando estamos diante de “alguém” cuja alma ainda habita numa casa deserta.

0 comentários:

Postar um comentário

 
Vanderlan Domingos © 2012 | Designed by Bubble Shooter, in collaboration with Reseller Hosting , Forum Jual Beli and Business Solutions