O menino que queria ser padre.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Abriram-se as cortinas do espetáculo. Entrou no palco da vida o ano novo todo serelepe trazendo a tira colo uma rede cheia de esperanças. Os sinos badalaram. Fogos de artifício explodiram na noite nublada e escura esparramando no céu multicoloridas estrelas. O povo se abraçava na praça ensejando paz ao ano que se iniciava. Terminou o show musical. Cantores que se revezaram no palco seguiram seus rumos. A praça ficou vazia, mas ainda recebendo os últimos suspiros dos seresteiros da noite, principalmente os de José que continuava sentado naquele banco com o pensamento absorto, talvez, recordando de seu tempo de menino quando ajudava como coroinha na pequena Paróquia de São Benedito, lá pelas bandas da cidade de Cabribó. Devia estar pensando nas coisas da religião católica e do seu tempo de coroinha que depois de tanta insensatez foram mudadas e esquecidas. Sentei ao seu lado e ao ver o seu triste semblante, a primeira coisa que me veio à mente e que acabou se transformando para pior foi à queda da Paróquia São Benedito que decaiu em termos de celebração, tornando-se monótona, esvaziando-se.  Os fiéis não mais assistiram missas outrora celebradas pelo grande pregador Padre Paulo Ricardo e nem viram aqueles que vestiam roupas pretas e brancas que precediam as procissões quilométricas que aconteciam em Cabribó, onde todos, felizes, carregavam seus estandartes, enquanto outros milhares de fiéis, com velas acesas às mãos, iam enfileirados, orando e cantando músicas sacras inesquecíveis.

Depois disto, lembrei-me das celebrações cantadas ou rezadas em latim, língua que eu o José não  entendíamos, mas que achávamos a coisa mais bonita do mundo. Dos sinos da igreja badalando  anunciando o início da missa; do momento da reza em que benziam o Santíssimo Sacramento; da  Cerimônia das sete últimas palavras de Jesus no Calvário realizada ao cair da tarde da sexta-feira Santa, na qual havia uma espécie de triângulo de madeira, cheio de velas acesas, as quais no decorrer da cerimônia o sacristão apagava uma a uma e quando a última era apagada, as luzes da igreja também se apagavam e na escuridão que se formava os fiéis batiam os pés no assoalho, repetidamente, para representar o tremor de terra da hora da morte de Jesus. As lembranças eram tantas que se fosse escrever sobre todas, teria que ocupar todo o espaço desta página, no entanto como disponho apenas de uma   pequena coluna, resolvi extrapolar os limites de palavras cedidas aos meus artigos, mas, na certeza de ter a complacência da editora responsável pela página “Opinião Pública” ampliar um  pouco o texto pois não  poderia deixar de falar sobre a última lembrança que me veio à mente naquele banco da praça: o desaparecimento dos coroinhas e a vontade de meu amigo José de ser padre.

Lembrei-me do tempo do Padre Paulo Ricardo, do seu trabalho social em prol da comunidade carente e de sua celebração que contagiava o povo. Naquele tempo ele mandava confeccionar conjuntos de túnicas. Estas vestes eram a tradicional batina vermelha com sobrepeliz branca, uma túnica branca com capuz, uma batina da cor do paramento do padre ou um blusão que tenha o símbolo litúrgico, mas, as vestimentas mal davam para vestir todos os coroinhas, dadas a quantidade de meninos, e no dia marcado para uso delas, apareceram mais de trinta para ocupar os postos. O bondoso padre teve muito trabalho em escolher quem seriam os coroinhas, mas, como bom observador selecionou os garotos Márcio Soares, Walter Moreira, Carlos Manzan e o órfão José Benedito, e por incrível que pareça todos tinham o mesmo desejo: ser padre.

Anos depois Márcio deixou de ser coroinha e até hoje ninguém soube o que aconteceu, então, José   Benedito mesmo triste com a saída de seu grande amigo, viu sua chance de ser padre tornar-se realidade. Um menino a menos. Não, dois, pois na semana seguinte o Walter mudou para a cidade de Minuano. Restaram dois, o Carlos  Manzan e José Benedito. Na igreja exerceram por um longo tempo o papel de acólitos nas funções litúrgicas. Chamados de “meninos do altar”, aqueles que ajudam na celebração das missas.   Hoje, o acólito na Igreja católica, é o ministro que acompanha e serve o celebrante dos atos litúrgicos.

José conhecedor evangelho, participava ativamente de todos os movimentos da igreja, conheceu a Santa Missa com todas suas partes, dos lugares na igreja, dos livros sagrados, dos utensílios utilizados na   celebração e das vestes litúrgicas, sem falar  claro, do conhecimento bíblico. Leu a releu a Bíblia várias vezes e se sentia preparado para ser padre, não obstante contrariar-se com muitos dirigentes que não estavam lá para servir e sim para dominar ou impor seus desejos. Sabia também que os tempos modernos trariam muitas dificuldades as Igrejas Católicas caso seus dirigentes não acompanhassem a evolução dos tempos. Sabia também que poderia ocorrer o afastamento de fiéis em face da concorrência de outras religiões, situação que obrigou José a se refletir e manifestar nas reuniões pedindo mudança de atitude e ouvir o clamor do povo, fato que, talvez, o tenha prejudicado junto aos seus superiores, não obstante tenha insistentemente mostrado a descrença do povo com a igreja católica.

A estratégia de aproximação e modernização de algumas Igrejas Católicas começou a dar frutos e José vendo o povo aglomerar-se nelas sentiu-se ungido, pois sabia que essa era a igreja que Jesus sonhou há mais de dois mil anos. No entanto, José já seminarista, desistiu porque se sentiu injustiçado, talvez porque conseguira acender no povo a chama do amor a Deus e mostrar aos superiores que as vocações não voltariam aos níveis das décadas de 70 e 80, e que certas dioceses, por exemplo, se voltar a ouvir o clamor do povo e mudarem o seu estilo, logicamente conseguirão aglutinar bons números de seminaristas, enquanto outras, se continuarem com idéias retrógadas, celebrações monótonas, sem a participação da comunidade, não permitir que fiéis saiam de outros bairros  para assistir missas, onde se sentem  ungidos pelo espírito santo e mais perto de Deus, se não tirarem as “amarras” que sufocam os grandes evangelizadores, sequer  entusiasmarão novos seminaristas a ingressar na igreja e num futuro próximo não terão padres para celebrar missas, principalmente nas periferias das grandes cidades, como vem acontecendo na região metropolitana de Goiânia. Daí se pode visualizar uma inversão de tendência que responde à mensagem do papa Bento XVI que deixou em novembro do ano passado aos bispos  portugueses: "É preciso mudar o estilo de organização da comunidade eclesial portuguesa e a mentalidade dos seus membros." Que esta mensagem sirva como exemplo para Goiás e quiçá para o Brasil. Por amor a igreja é chegado o momento dos superiores reverem suas posições,   deixar de lado a  insensatez e abrir as portas da igreja para aqueles que querem seu crescimento, como muitos padres  abnegados que ouvem e convivem com o povo querem.

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