O galo que ciscava prá dentro

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Certo dia ao visitar a chácara da minha amiga Elizabeth no município de Cabribó fui surpreendido pela grande quantidade de pintinhos e galinhas que se esparramavam pelo grande galinheiro. Curioso, perguntei-lhe:

- Beth, como você conseguiu essa grande reprodução de aves?

Com aquele jeitão de mulher simples da roça disse:

- Alan pode ver que preparo bem os canteiros, onde, no verão, quando o sol e a temperatura ficam mais fortes, são usados os galinheiros do pomar ao lado, totalmente sombreado onde a temperatura fica mais amena, e no final da tarde, o tratador as solta para se alimentarem de ervas daninhas, insetos e frutas que caem no chão. Comem também os insetos que ficam nas hortaliças, e com isso através dos estercos, deixam o nitrogênio no solo que irá alimentar a pequena horta montada em formato de coxo. Ainda  para aumentar a produção procurei montar as coisas de modo que pudesse alimentá-las também com as sobras da cozinha e excedentes dos canteiros, pois elas gostam muito de restos das hortaliças, principalmente das sobras de alfaces.

Beth deu uma pausa na conversa, ficou um pouco envergonhada, mas depois soltou o verbo:

- Olha Alan, você pode pensar que é gozação, mas não é. Na realidade a grande produção de pintinhos, frangos, frangas e essas galinhas-mães têm um motivo: O galo Corisco. Venho observando há anos que depois que eu o comprei e o coloquei no galinheiro a produção de ovos aumentou. Ele é um galo diferente, não cisca prá fora! E mesmo tendo um esporão grande e pontiagudo não briga com os outros galos e eles ainda o respeitam, e a galinhas, então..., ah, nem se fala.

Ainda incrédulo, perguntei-lhe:

- Como isso é possível?

Ela respondeu, com um sorriso maroto:

- Não sei, mas parece que as galinhas gostam do seu jeitão e com isso vai levando vantagem sobre os outros. Os galos que ciscavam prá fora tive que retirá-los do galinheiro e vendê-los para que eles pudessem cantar em outra freguesia.  Eles cantavam como cocoricós destoando-se do canto canoro do Corisco. Estavam assustando as galinhas. Finalizou.

O galo Corisco além da espora pontiaguda era grandalhão e tinha uma bela crista vermelha caída para o lado. Suas penas eram brilhantes e coloridas como as de um pavão. Descendente de pai gaulês possuía uma elegância de fazer inveja e ainda gostava de cantar. Só que não cantava cocoricó, cocoricó, como todos os galos. Ele aprendia de tudo um pouco e cantava acompanhando o som de viola que vinha do mourão da porteira tocada pelo jovem tratador Alessandro. O seu canto saía diferente à medida que a viola entoava uma canção romântica ou música caipira. Mas seu forte mesmo era as músicas de Roberto Carlos e Paula Fernandes. Aí o seu canto saía mais sonoro do que nunca. Todos admiravam o Corisco: patos, patas, marrecos, marrecas, perus, peruas, galos, galinhas, pintos, gansos... Todos. Era incrível! Até os outros animais se aproximavam do galinheiro: cachorro, cavalo, boi, vaca, porcos, pombos...  Todos. Mesmo os passarinhos vinham de longe para ouvi-lo cantar: bem-te-vi, rolinha, sabiá, tiziu,   pardal, andorinha, araras, pica-pau... Todos.

À noite, olhando a lua cheia que seguia sua rota e iluminava aquele rincão, fique pensativo, comecei a filosofar e perguntar a mesmo: Quantas pessoas ou entidades públicas e privadas poderiam fazer como aquele galo ciscando prá dentro? Quantos partidos políticos ou coligações poderiam se unir para o bem comum da sociedade e ao invés de desunirem, ciscar prá dentro? Quantas comunidades poderiam        trabalhar juntas sem ódios, ciúmes invejas ciscando prá dentro?  Quantas decisões religiosas, sem a  prática do conservadorismo, poderiam ser tomadas em prol de uma comunidade, ciscando prá dentro, em benefício do crescimento da igreja católica e para que a paz volte a reinar? Ah, que bom se todos pudessem deixar de lado o ciúme, a inveja, o egoísmo, a intolerância, a teimosia, a severidade em     demasia e ciscar prá dentro!

A lua soberba seguia o seu rumo enquanto a região recôndita do meu cérebro tentava decifrar e entender as ações de um simples galo que procurava sempre ciscar prá dentro, atraindo todos os animais que   circundavam aquele galinheiro. No começo estranhei o cisca-cisca inverso daquele belo galo. Mas, aos poucos, comecei a entender seu ciscado que outros galos tinham dificuldades de fazer, não obstante  tentarem. Era elogiável, pois todos tentavam o cisca-cisca invertido. Era uma grande demonstração de maturidade entre eles. E, pouco a pouco os chacareiros se achavam no direito de tocar viola perto de seus galinheiros, todavia, somente a viola do jovem Alessandro é que ajudava o embalo do Galo Corisco em qualquer tempo ou horário, principalmente ao nascer e pôr do sol, e nesse caso, os outros chacareiros teriam que contratá-lo também para que seus galos tivessem o prazer de ciscar inversamente, cantar com maestria e aumentar a produção. A notícia correu por toda a região de Cabribó. O povo e a bicharada tiveram que engolir as cantorias dos galos roucos e o som das violas desafinadas de seus tratadores.

Apenas sobreviveu à história o Galo Corisco, que sempre ciscou prá dentro e angariou simpatia e os outros, desajeitados, tiveram suas vidas ceifadas.

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