Apenas o Sol e a Lua como Testemunhas

quinta-feira, 21 de março de 2013


Quantos meninos e meninas estão perambulando pelas ruas, pés descalços e maltrapilhos em busca de um lugar melhor na sociedade em que vivem. Quantos permanecem às margens da sociedade em uma luta insana pela sobrevivência. Procuram casas não habitadas, terrenos baldios, uma ponte para fazerem delas suas moradias ou se protegerem do sol escaldante, ou à noite, do frio; não tem proteção da sociedade e não são convenientemente vigiados ou orientados por adultos responsáveis. Nesse percurso, como crianças desprovidas de recursos, passam a maior parte do tempo na rua, sem serem necessariamente infratoras, fazem de tudo para manterem-se vivas e algumas até procuram, de forma lícita, gerar míseros trocados para ajudar no sustento da família. 

Consideradas pela sociedade como perturbadores da ordem e da paz social essas crianças nasceram como quaisquer outras cheias de vitalidade, alegria e expectativas. Querem fazer parte da sociedade que lhes confronta nas ruas e sonham fazer parte de um modelo econômico e social do qual são excluídas. Só encontram barreiras e falta de oportunidade nos lugares onde vivem: os espaços segmentados das cidades, as favelas e os bairros de periferia. Rejeitados por essas comunidades se afastam para permanecerem vivas e aí, deparam com a violência das ruas, são presos, maltratados e ao serem julgados pela justiça dos homens não tem ninguém que os compreende e os amparam de verdade. Ao sentirem os olhos sisudos da lei, voltam seus pensamentos para o passado e conseguem somente vislumbrar o sol e a lua que foram os únicos a testemunharam seus momentos de angústias, solidão e devaneios. 

Diante desta situação seria desumano acusar os pais paupérrimos por falharem ou não terem condições de criar e educar os filhos, haja vista que sequer lhe são assegurados condições mínimas para que possam viver com dignidade e manter os filhos numa base sólida. Apoiar essas famílias carentes seria a maneira mais hábil de fortalecê-las e, em consequência, o caminho seguro para a promoção de políticas de defesa da infância e da juventude, bem como de seu direito de exercer a cidadania. 

Durante a minha caminhada, ao ouvir os desabafos dessas famílias, restou-me sentir na profundeza da alma que o ser humano está acéfalo e em face dessa acefalia moral da sociedade tento compreender a minha própria história: eu era um menino pobre, pés descalços, que percorreu ruas poentas, engraxava sapato para sobreviver e, nas andanças, procurava buscar aquilo que muitos não tiveram e foram negados pela sociedade: uma família, um lar, mesmo humilde, mas de verdade. Naquele casebre, entre os desabafos, senti que a fome batia à porta do estômago de uma criança, a sua boca estaca seca, a pele encardida, os lábios rachadosdesnutrida e o corpo todo reagia conforme as variações da velocidade de um móvel da unidade do tempo; olhava a prateleira e nada via; nada que podia suprir a dor imposta pela fome. Outro meninomenos franzino, de olhos castanhos arregalados, saiu para a rua e se encontrou com outros na mesma situação. Formou-se um bando e a cidade trancou suas portas com medo do absurdo, esta mesma cidade que viu e vê tudo sem levantar o bastão que tem poderes de abrir portas e nelas colocar o amor e a dignidade. Situação que me lembrou de uma notícia de jornal que anunciava um show milionário com o cantor inglês Paul McCartney que dizem estar sendo patrocinado pelo Governo de Goiás. Se for verdade, é um absurdo! Um contraste com tudo que a gente assiste na vida real. 

É salutar que haja responsabilidade e que se inclua na sabedoria dos homens que cuidam desses meninos e meninas de rua que, além da inclusão familiar, há a necessidade da religiosidade, colocar em suas bocas os provérbios citados por Jesus durante milênios e fazer com que todos possam entender a amplitude de suas palavras. Os gritos silenciosos desses jovens trazem para nós, neste período tenebroso, onde ocorrem crimes a todo instante, sinais de um possível novo tempo, porque está exigindo de nós outra postura, onde deve participar toda a sociedade: os pais, professores, sociólogos, juizados, Ministério Público e o Governo, porque esses meninos e meninas vão crescer e, amanhã, se tornarão adultos e a sociedade dotada de bom alvitre não vão querer vê-los organizados e fazendo parte de um movimento que ampliarão por certo o submundo do crime.

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