Pássaro de Aço

terça-feira, 5 de março de 2013


Através da pequena janela observo alguém na torre de controle autorizar a decolagem. Autorizado, o piloto liga a turbina e o avião desliza pela pista numa velocidade considerável soltando no asfalto uma fumaça esbranquiçada que devia cheirar borracha queimada, e, no momento certo, sustentado pela força da gravidade, levanta seu bico rumo ao céu nublado. Pequenas gotas de chuva debatiam na janela e num repente ficou para trás trazendo a sequidão do nordeste, enquanto observava atentamente a amplitude do universo que nem sabemos ter fim. As nuvens não se assustam mais com esse objeto composto por turbinas e fuselagem em forma de charuto, sustentado por um par de asas que transportam em seu interior pessoas de todos os tipos, e olhando em seus semblantes, notava que cada uma carregava consigo, esperanças, desilusões, mágoas, ansiedade e medo. Algumas são a primeira vez que voa nesse imenso aeródino.

A aeronave segue calmamente rumo ao nordeste do Brasil, cuja rota já estava traçada na planilha de voo. Ela não balançava quando fazia o trajeto sul, permanecia firme e em linha reta, naquele momento sobre as nuvens, ora negra, ora branca, como a um algodão. Dentro, os passageiros ainda se ajeitam nas poltronas, inquietos, alguns tensos, outros com os olhos parados no tempo e um sono por quebrar. Um homem de cabelos grisalhos, com o rosto já carcomido pelas intempéries do tempo rezava em silêncio, enquanto lá embaixo, podia-se ver a terra mostrando sua face, coberta por serras, milhares de meandros, savanas, lagos e dezenas de rios que, algumas vezes, desapareciam debaixo de imensas nuvens negras, ficando totalmente diminuto lagos e rios que se tornavam apenas pequenos riscos sinuosos em face da altura do avião.

O pássaro de aço segue seu rumo e durante alguns segundos uma turbulência, explicada pelo piloto que se tratava apenas de mudança de altitude. Um simples barulho bastava para deixar alguns tensos, mesmo diante do silêncio que pairava no ar. A cada instabilidade da aeronave olhos se abriam e faces empalideciam. Mas, logo, sorridente, veio uma jovem, comissária de bordo, empurrando um carrinho com habilidade e sem nenhum medo no olhar; depois escutou alguém reclamar de alguma coisa e nem percebeu ou se fez de indiferente quando jovens trocavam carícias nas últimas poltronas. Nem pareciam sentir os problemas que afligiam cada um.

O homem construiu máquinas incríveis, inimagináveis, bem como esses pássaros de aço que encurtam distâncias e suavizam nossos sofrimentos algumas vezes maltratados por uma longa viajem numa estrada de chão. O tempo passou sem que fosse notado e logo ouvimos a voz do piloto anunciando a chegada e poucos minutos depois, a torre de controle autoriza a aterrissagem. A nave desce bruscamente rangendo os freios sobre o asfalto quente e depois segue lento rumo ao portão de chegada. Antes de descer, ainda olhei pela janela embaçada pelas gotas produzidas pela neblina que cortava o céu de Aracaju. Tudo era belo e a obscuridade de antes, era interrompida pelas luzes que delineavam a pista do aeroporto e por pequenas aeronaves que desciam e levantam voo.

No saguão do aeroporto, menos aflitos estavam os rostos daqueles que ainda iam seguir viajem. Sai caminhando lentamente e deixei para trás aquelas pessoas que qualquer dia poderia encontrá-las novamente no mesmo trajeto e escutar as mesmas lamentações, as mesmas aflições e aquele medinho de viajar de avião. E entendível que faz parte do ser humano e muitos deles não conseguirão despistar o seu medo, por mais que acreditam em Deus. A mente e o coração da pessoa humana são frágeis e incapazes de seguir essa barra e carrear com fervor a emoções vividas de forma que não mais venha sentir medo. E não adianta fugir da realidade, pois todas as sensações, ansiedades aflições, fenômenos físicos e mentais que ouvi e assisti durante a viajem foram importantes para que possamos entender a existência do homem no universo e, por outro lado, se realmente ele acreditam na existência de Deus. As atitudes demonstradas por cada uma delas, por mais que acreditassem em Deus, considero que essa demonstração de fé, caso não seja rejuvenescida ante o Criador, continuará sendo apenas uma gota de orvalho que não tem mãos para levantar aos céus e pedir ajuda, pois rapidamente de evaporará sob os raios de sol. 

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