Homens de um lado e mulheres de outro, perambulam por um pátio de cimento batido, separados por altíssimas grades de proteção. O meu olhar atento de missionário e pensamentos se misturavam naquele espaço sinistro e mal dava para escutar as conversas daqueles que escondiam o rosto com o capuz negro do silêncio. Num canto do pátio, encostado no gradil, um homem franzino com o rosto sofrido, carcomido pelo tempo, manuseava silenciosamente a Bíblia e de vez em quando, observava o sol escaldante que teimava em queimar-lhe o rosto e o peito nu. Minutos depois, outros presos foram se aproximando daquele andarilho errante, e vendo-os se aproximarem, deu uma entonação mais alta na voz lendo em seguida um capítulo. Pararam perto e permaneceram mudos, mas, de certa forma, pareciam interessados naquelas palavras bíblicas. E naquele canto, todos os dias, aquietava-se o velho, manuseando aquelas páginas que lhe trazia conforto e percebia que aqueles textos que lia estava alcançando também o coração de outros detentos. Dias depois, foi libertado, mas, naquele canto do pátio, ficaram seus ensinamentos e alguns seguidores, e mais Bíblias foram vistas espalhadas pelo presídio.
De repente o meu pensamento cataloga alguns versículos que tinha lido dias anteriores e manda-me de volta ao passado. Fez lembrar-me que a prisão é tão antiga como a memória do homem e continua sendo o principal remédio que a justiça tem para combater todos os males, males que poderiam ser deteriorados com um simples remédio: a introdução da evangelização no meio prisional que aquele detento servia como exemplo. Tempo idos, os remédios (prisões) eram mais fortes e em sua bula predominava a pena de morte que era descrita das mais variadas formas, fato que se pode constatar quando desobedeciam ao Código Hamurábi, Deuteronômio, Lei de Manu, das XII Tábuas e Alcorão. Na verdade, naquele tempo desconhecia-se a pena privativa de liberdade. As masmorras serviam para abrigarem presos provisoriamente que, muitas vezes, eram esquecidos pelos seus algozes.
Naqueles tempos prendiam-se homens pelos pés, pelas mãos, pelo pescoço usando correntes e tantas outras formas maldosas conforme a classificação do crime cometido ou seu ato perante aquela sociedade. Passado todo esse tempo, vemos que hoje o número de presos cresceu tanto que a sociedade não encontrou alternativa se não em fechá-los detrás de muros altíssimos, com uma escolta armada e soldados fortemente armados como se estivessem preparando para uma guerra. As celas, superlotadas de gente perversa e irrecuperável, são pequenos quadriculados e uma janela com gradil onde eles amarram suas vestes e lençóis para mostrar a insegurança, o desconforto e a revolta, sempre aguardando um desfecho final: morte entre os presos, pois a lei da física é muito clara: “dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço.”.
O interessante é que ao ver os lençóis e vestimentas penduradas nos gradis não enxergamos nenhuma peça que pertençam aos criminosos de “colarinho branco”; nenhuma peça daqueles que praticam o peculato de toda a espécie; que praticam a corrupção ativa e passiva, o desvio de verbas ou a errada aplicação de recursos, fraudes em concorrências, as prevaricações, os desmandos administrativos, as nomeações ilegais, a concussão, o cerceamento à liberdade, os homicídios e tantas outras mazelas. Na realidade, a maior parte destes crimes não vem à tona e os que surgem são abafados pelos próprios mecanismos estatais ou por influência política. Destarte, o banditismo, armado de armas de grosso calibre, metralhadoras e granadas, explodem caixas de bancos e muitas vezes matam somente para ouvir o gemido do desafeto; saem às ruas e deixa a população em polvorosa, intimidada e ela se tranca dentro de sua própria casa, não podendo sequer sair às ruas, enquanto a polícia persegue pessoas incautas que são jogadas nas prisões ao lado dos piores marginais. Tudo o que se vê é fruto de uma política criminal errada, injusta, implantada através de uma legislação esdrúxula, irresponsável e que precisa ser modificada urgentemente pelo Congresso Nacional. O juízo jurídico colocado em prática pelo legislador funciona como um juízo de valor, não se limita a comprovar a existência das causas, mas, valora-as, para fins de repressão, o que pode ocorrer, em muitos casos, em vez de extinguir ou reduzir o crime, venha estimular ou eliminar um e criar outro. Daí urge, para amenizar um pouco esta situação, além da prática da religiosidade entre os presos, o trabalho prisional intramuros, com incentivo especial à formação de mão de obra especializada, por maiores de cursos profissionalizantes, em parcerias com escolas técnicas públicas e privadas e ainda, a construção de presídios mais humanizados com o objetivo de desafogar a lotação excedente, cujo ambiente atual deteriora mais ainda a mente humana. Fazendo isso, acredito que trará mais socialização aos presos e segurança aos cárceres.
Publicado no Diário da Manhã, edição do dia 24 de abril de 2013
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