Morro da Serrinha: da cegueira à sinfonia dos surdos

terça-feira, 24 de abril de 2012

Semana passada de certo modo fiquei um pouco envaidecido ao receber da Câmara Municipal de Goiânia o Diploma de Honra ao Mérito, concedido às  personalidades da arte e da cultura, propositura do Vereador Djalma Araujo. Naquele dia, com o pensamento alhures, senti-me uma célula ciliar que emergia humilde diante daqueles renomados artistas goianos. Fiquei observando a galeria e as mãos em riste dos parentes e amigos que iam chegando e sinalizando positivamente, prontos a prestigiar-me naquele evento, pois sabiam da   minha difícil jornada literária, do esmero, da dedicação e do meu desiderato de levar ao leitor o bálsamo para aliviar a opressão, a tristeza e a escuridão que oprimem nossos corações, cujo trabalho foi reconhecido,  e quiçá,  talvez até serviu de parâmetro para que eu fosse homenageado junto a outros renomados escritores e expoentes das artes e cultura em Goiás. Fica aqui o meu sincero agradecimento ao Vereador Djalma Araujo.

O introdutório acima pode ser considerado apenas como uma premissa, pois indiretamente não tem nenhuma relação com o título. O assunto que hoje proponho a comentar é de suma  importância ao meio ambiente de nossa Capital e de certo modo, visa atender aos apelos feitos de forma insistente pelo meu amigo ambientalista Marcos Gomes que me pediu para voltar a falar sobre a degradação do Morro da Serrinha. No que tange ao título em epígrafe é importante salientar em primeiro plano que o planeta terra há muito tempo vem dando claros sinais de insatisfação com os seres humanos. O administrador público parece cegar-se diante de suas próprias mazelas e mal ouve o clamor do povo ou vê a revolta da natureza. Não maneia instrumentos eficazes e nem se importam com timbres de vozes que ecoam no universo mórbido do Morro da Serrinha que viu Goiânia nascer e crescer. Em franca degradação e    abandonado pelo poder público, tenta safar-se de usuários de drogas, das intempéries do tempo, das chuvas torrenciais que assola suas encostas e das avalanches de entulhos e lixos depositados em seu topo pelo próprio ser  humano. A cegueira do ser humano e a surdez amoitada nos tímpanos preguiçosos, não o deixa enxergar a um palmo do seu nariz ou ouvir uma sensata proposta de criação de um Parque para visitação pública naquele local aprazível. Chuvas o destroem e ninguém se lembra mais de que foi dali que Pedro Ludovico projetou a futura Capital. A impermeabilização do solo que o circunda, o asfalto, a construção de calçadas e casas, a falta de canalização de águas pluviais, são fatos que vêm corroborando para o nascimento de eventos catastróficos no morro, mas, infelizmente, parece que o ser humano     continua insensível, não quer enxergar a degradação e nem ouvir a sinfonia de vozes lamuriantes e dos instrumentos sonoros esvaecidos sobre o terreno infértil.

Ao ouvir e depois receber via email o apelo do meu amigo Marcos Gomes, ambientalista e apaixonado por Goiânia é que, depois algum tempo e após termos abraçado simbolicamente o Morro da Serrinha, resolvi usar esta coluna e voltar a falar novamente em sua defesa. É lastimável uma região que contém mais de setenta espécies nativas de cerrado, como pequi, jacarandá e cagaita se encontrar abandonada, degradada e qualquer cidadão que fizer uma visita àquela área irá observar nitidamente que lá, em plena área urbana, ainda existe um   resquício original do Cerrado, encravado no ponto mais alto da cidade, onde cavalgou o saudoso Pedro Ludovico Teixeira e que, ao olhar a beleza paradisíaca lá de cima, decidiu pela construção da nova Capital.

Neste morro-símbolo da fundação da jovem Goiânia, que ocupa uma área de 100 mil metros quadrados e se constitui em área de recarga de água e que alimenta o lençol freático com a água da  chuva e drena a água para o setor Parque Amazônia e o Córrego Botafogo vemos sinais flagrantes da retirada ilegal de terra e árvores raras do bioma cerrado – levantamento realizado anos atrás por técnicos da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos que catalogou setenta e duas espécies de flora nativa naquela reserva -, queimadas, arrancadas e destruídas. Muitas faixas de solo no Serrinha encontram-se totalmente expostas, compactadas e com erosões em sulcos, devido à retirada da vegetação.

É caótico o último resquício de cerrado nativo de Goiânia. Um lugar sagrado que é uma referência à memória da cidade que hoje se transformou, literalmente, em depósito de lixo, entulhos e marginalidade (ponto de uso de drogas). Goiânia hoje tem trezentos parques urbanizados e é a segunda mais arborizada do mundo, então por que o Morro Serrinha permanece abandonado e jogado às traças? Onde está o respeito ao verde? Onde está o respeito à memória de Pedro Ludovico. Por que não se cria ali mais um parque? Uma área verde numa região toda habitada onde as pessoas poderiam e ali desfrutar do lazer, do esporte e contemplando a natureza, mas, infelizmente, hoje é sinônimo de abandono e perigo para aqueles que por ali trafegam  Hoje, esperançoso, em razão das proximidades das eleições, acredito que alguma coisa poderá ser feita. Algum candidato a prefeito poderá encampar idéia de implantação do Parque Histórico e Ambiental do Morro Serrinha, resgatando o sonho de Pedro Ludovico e dos pioneiros da cidade.

Entretanto, sabemos de antemão que retórica política, interesses econômicos, protocolos de intenção, reuniões públicas para discutir o meio ambiente, tudo isso muitas vezes não saem do papel. Em certos momentos a verdade tem que ser dita sem meias palavras, não obstante parecer que estamos vivendo num mundo de seres humanos ensurdecidos. Salvo, uma meia dúzia de pessoas que tentam   pregar no deserto para quem não tem interesse de enxergar ou escutar, e como diz aquele velho ditado popular: o pior cego é aquele que não quer ver, então, resta-nos esperar a data fatídica chegar ou Deus nos enviar uma nova arca de Noé para que possamos nos salvar da catástrofe que se anuncia e nessa catástrofe, logicamente, será incluída o Morro da Serrinha porque lá foi retirada a retina da sensatez e criada a sinfonia dos surdos, e certamente, não restará ninguém para ver sua destruição ou ouvir seus apelos.

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