Restou Apenas um Retrato na Parede

terça-feira, 31 de julho de 2012

Era prenúncio de verão. O ônibus balançava na estrada cheia de lama. Dia anterior tinha chovido copiosamente. A estrada passava por uma região bastante produtiva e havia necessidade de asfaltá-la para atender aos apelos dos produtores rurais e indústrias locais que cresciam assustadoramente. À frente, viam-se várias máquinas rasgando o chão já molhado pela chuva e às margens, lindas pastagens e capim verde brotando. Plantações de soja e milho perdiam-se na imensidão de terrenos férteis, enquanto os pneus do ônibus se debatiam nas imensas poças de lama, formando um jato sujo e os lançava sobre a relva verde que margeava aquela estrada. Numa curva, o veículo atola e o motorista olha pelo retrovisor e tenta forçar o acelerador. O pneu desliza sobre o buraco cheio de barro e não consegue sair do lugar. Cascalhos grossos e pedras são jogados no buraco e o motorista acelera novamente. O ônibus arranca soltando uma fumaça cinzenta que cheirava borracha queimada. O veículo parecia carregar um monte de problemas, pois além do desgaste do motor, dentro ele levava passageiros cheios de esperança, ilusões, mágoas, ansiedades, desamor... Juca fazia parte daqueles passageiros da agonia e voltava da Capital no afã de rever o seu recanto recheado de sonhos imaginários, mas, com certeza, a lembrança do amor que deixou retratado na moldura pendurada na parede.


O ônibus mal conseguia ficar em linha reta. Os passageiros se ajeitavam nas poltronas, inquietos. No banco da frente duas jovens retornavam da Faculdade. Era tempo de férias. Calado, o motorista segurava o volante com habilidade e o suor descia pelo seu rosto, enquanto uma professora reclamava de seu salário irrisório, e outra, em prantos, comentava sobre a morte do filho que tinha sofrido um acidente de trânsito. No último banco um casal de namorados trocavam carinhos e sequer sentiam os problemas causados pela estrada. Outros se olhavam fixamente, alguns demonstravam medo, outros ódio, felicidade, descontentamento e aflição. Tudo fazia daqueles momentos um viver nefasto. A tristeza infinita estampada em cada rosto mostrava como a humanidade está doente. As alegrias são tão poucas que ao se fitarem, encolhiam-se tímidas em suas poltronas com medo de serem abordadas.


Juca, inquieto em sua poltrona, lembrou-se de Jéssica e dos momentos em que desabotoou uma fileira interminável de botões forrados de cetim branco; do vestido azul, da blusa alaranjada, do sorriso dela, do seu perfume que exalava cheiro de flores do campo e depois, como último ato para se chegar ao ápice do prazer, um beijo ardente com gosto de mel.


O sol se pôs no horizonte deixando a noite assumir o seu lugar. Nenhuma nuvem importunava a lua e as estrelas que se esparramavam no universo. Juca com o corpo cansado desceu do ônibus à beira da estrada e seguiu rumo ao casarão de assoalho de tábuas e puro adobe construído a poucos metros dali. Desviou de algumas poças de lama e com o coração em júbilo, parou momentaneamente e com o pensamento alhures, adentrou naquele ambiente abafado, deparando somente com o retrato dela pendurado na parede ofuscado pela escuridão dos dias findos. Doeu e muito ao recordar dos tempos idos, mas não poderia ser diferente. Se não bastasse a dor incontida da perda, da lembrança que sempre trazia aquela imagem querida à memória. E o retrato pendurado na parede foi à forma que Juca encontrou para amenizar sua angústia e dor. Quando olhava para o retrato se rejuvenesceria e, ao deparar com o sorriso contagiante, o semblante encorajador, os olhos estupidamente azuis, os cabelos loiros soltos ao vento e o jeito simples de mulher amável e amante, reverenciava-se, quedava-se inerte, enquanto os pensamentos inúteis e nefastos eram dissipados com o uivo enganador do vento.  Entretanto, foi essa a maneira que encontrou para mantê-la viva em seu coração e também vivo o seu amor por ela.  Um acidente fatal tirou-lhe a vida e ao Juca, já com o corpo curvado, rosto carcomido pelas intempéries do tempo e amparado por uma bengala, restou, como última lembrança, manter fixado na parede o retrato dela emoldurado de amor e saudade. 

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