A primeira carta do menino da porteira.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

                                                                              Era uma tarde de sexta-feira. O céu estava coberto por nuvens negras gigantescas. Um prenúncio de chuvas abundantes e não se via mais sinais de raios de sol. Começou a cair uma chuva fina enquanto eu descia ao porão acompanhado de minha avó Catarina. Pendurei o chapéu Panamá e a capa de couro sobre um pedestal de ferro e em seguida abri o baú de madeira envelhecido, na tentativa de encontrar um documento de meu saudoso avô. Ao manusear os papéis já corroídos pelo tempo e sentir nas narinas o cheiro de mofo fétido e ácaros que se soltavam ao vento, deparei com uma carta já amarelada e corroída por traças. Era a primeira carta de Fortunato, mais conhecido naquela região como “o menino da porteira”, que enviara a Polliana Barteli. 


O menino da porteira de quem falo não é aquele sem nome, homenageado por cancioneiros, numa ficção sertaneja, cantado em prosa e verso sob a batuta de maestros e o acorde de sanfonas e violas caipira. Nem é aquele que abriu a porteira para a boiada passar, que viu a poeira baixar, ouviu o som do berrante e ou saiu pulando para apanhar uma moeda atirada por um boiadeiro errante. O menino de quem falo abria sim a porteira, mas a do coração para receber o amor daquela menina que sempre passava a galope montada num cavalo branco acenava-lhe com as mãos e que conhecera à beira de um pequeno riacho. O menino da porteira de quem falo era real e os caminhantes e boiadeiros sempre o via no mourão da porteira ansioso à espera de sua amada. O menino de quem falo tinha quase a mesma vida que as demais pessoas, a diferença é que morava na roça e para sobreviver, cuidava da horta, capinava quintal, tratava das galinhas e ordenhava as poucas vacas para ajudar o pai conseguir o “pão de cada dia”. Pai que dava duro na lida no pequeno sítio e se esforçava para mandar os filhos para a escola. Mas, aquele menino, numa tarde qualquer, estava pendurado na porteira quando Polliana apontou na estrada de chão poenta, trajando uma calça jeans, uma camiseta vermelha e uma bota comprida que nunca tinha visto. Estava linda! Mas, naquele dia não parou e sentada na carroceria da camioneta apenas acenou com as mãos e partiu...

De repente, um mau pressentimento abateu-lhe o pensamento. Desceu da porteira e apressadamente insistiu que parasse, pelos menos por um segundo, mas nada, o pai dela sorriu sarcasticamente e acelerou desdenhando o amor que pairava em nossos corações.  Ela tentava balbuciar algumas palavras. Fez a leitura labial e entendeu como a um adeus! Detrás da poeira que se esvaiam pelo espaço, o sol da manhã parecia emitir raios efêmeros, talvez se sentindo cúmplice de um amor que iluminara por longos meses e que naquele dia parecia findar-se.

Com a carta mão, a primeira de muitas que não obteve resposta, li em voz alta devida a surdez de minha avó, mas embargada, por se tratar de um amigo, poeta brejeiro, que deixou o seu rincão sem contabilizar os dias perdidos e pelas trilhas da vida seguiu rumo incerto, mas, sempre com o pensamento voltado à busca de um amor perdido. Fortunato, não era o badalado menino da porteira, mas, para Polliana era e ele sempre estava lá sentado mourão à sua espera. A sua primeira carta já expressava todo o seu sentimento e que assim dizia: “Neste momento que escrevo a lua já completa a metade de sua rota. A obscuridade em minha volta é interrompida apenas pela sua luminosidade que invade o vão da janela. Eu e o meu sabiá preso na gaiola somos velados apenas pelo silêncio da noite e sequer escutamos o Curiango que costumeiramente canta topo da serra. O galo Barnabé adormece na torrinha, os pássaros noturnos e a coruja emudecem como que sentindo sua falta neste recanto. O seu rosto angelical ainda se encontra gravado em minha mente e os momentos de nostalgia que outrora os colocava no palco da vida, hoje perecem se convergir rumo a um mundo incógnito, assim como seu rosto que muitas vezes vi refletir por detrás das aspirais de fumaça que saíam da pequena chaminé. Sei que nunca serei para ti aquele “menino da porteira” tão cantado por artistas sertanejos, mas, apenas um menino que abriu a porteira do coração e não deixou ninguém entrar: só você!” 

0 comentários:

Postar um comentário

 
Vanderlan Domingos © 2012 | Designed by Bubble Shooter, in collaboration with Reseller Hosting , Forum Jual Beli and Business Solutions