A Estagiária e o Poeta

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Uma jovem de passos miúdos, estatura mediana e elegante adentra e anda pela sala, olha para os lados e cumprimenta os colegas de trabalho com um sorriso singular, infantil. Chega à janela, observa o movimento da avenida e o povo que se aglomerava a espera de ônibus, e mais além, seu olhar compenetrado vê vidas desfeitas, cambaleantes e outras estiradas sobre a calçada, e o modo que olhava aquelas cenas com outro olhar, parecia querer transformar o mundo com imposição de suas ideias, nem que fosse aplicá-las apenas no seu mundinho particular. Vislumbrada e ao mesmo tempo desnorteada com aquele mundo, volta à mesa de trabalho carregada de bons fluídos distribuindo-os gratuitamente e ofertando o mesmo sorriso infantil, que dado à graciosidade, até intimidava. Por segundos, quebra-se o silêncio. O telefone soa e o seu corpo lento e demonstrando cansaço, aconchega-se sobre a poltrona e diante do monitor entrega-se ao trabalho estafante do dia a dia e sequer notam os olhos admirados do poeta que acompanhava seus passos naquele pequeno trajeto.


Os olhos do poeta, despidos de óculos, admitem enxergar o verdadeiro, desinteressados, mesmo diante de uma silhueta desconcertante, mesmo diante uma esmerada educação e vontade de não enganar ninguém, o que era visível notar. Os olhos sem cobiça não enxergavam a existência de egoísmo e de valores morais indiscutíveis, os quais nunca renderão a ela angústias, inimizades e dissabores. No divã laboral, com ou sem encosto, ladeadas de processos, a estagiária aprendeu a ouvir os mais sábios e compreender que as experiências de vida enriquecidas pelos exercícios espirituais a valorizaria durante toda sua existência e optaria pelo renascimento espiritual e quiçá, a benção de poder enxergar os valores inimagináveis do ser humano e os encantos da vida.
 

O sorriso está sempre estampado no rosto e nem parece reclamar da vida, não obstante sabermos que aquela jovem também tem suas dores, temores e até chora. Mas, se chora sabe fazer às escondidas, no seu quarto de dormir, com a cara colada no travesseiro limpo, cheiroso, no qual a empregada se esmera em trocar a fronha todo dia para que a menina-moça tenha noite de lindos sonhos... Ela não era como aqueles pombos e passarinhos que davam voos rasantes sobre a praça e o Palácio e passavam rente a janela numa terapia coletiva matinal à cata de alimentação por meio de um lamento gutural. Deve ter aprendido durante os anos vividos que aquela revoada de pássaros assim como os livros traz algumas mensagens, escondem mundos e revelam realidades que nem sempre as conversas em casa, na universidade e no trabalho apresentam. E foi  este mundo que passou a frequentar sempre que sua cabecinha inquieta questionava e suscitava novas descobertas...
 

Tornou-se uma leitora e pesquisadora obcecada de livros jurídicos, deixando-se preencher pelo sonho de se tornar uma advogada. Descobriu o mundo da Internet. Nele mergulhou fundo como a uma inquieta jornalista à busca de novidades e conhecimentos. Para bem de sua formação, muito do que descobriu nunca abandonou, livrando-se, como outros tantos que não conseguiram, de uma dependência que a poderia tornar uma desocupada e inoperante perante a sociedade, com vida inativa no mundo virtual e nenhum envolvimento significativo na vida real. E esta lhe era uma possibilidade bastante plausível, caso não experimentasse essa sensação da modernidade, exceto, talvez, por uma babá que pode estar à sua disposição para atender seus caprichos de menina moderna que deve possuir detrás de seu sorriso angelical os mesmos medos de uma jovem qualquer e a incorporação de personagens que procura apropriar-se de sua força. Mesmo sendo bela, deve ter receios de ser decepcionada, de sair frustrada de relacionamentos, afinal de contas está preocupada em seus afazeres laborais e iniciou uma jornada criteriosa pelo labiríntico mundo dos livros.
 

A menina, porém, enquanto agente de seu próprio destino, entregue à própria sorte da formação intelectual aprendida nos livros e da formação para a vida extraída de experiências de terceiros, vai tendo um amadurecimento precoce de tal forma que, ainda jovem, já possui uma experiência intelectual acima da média para a sua idade, assim como o amadurecimento emocional, pois os parâmetros que têm possuem a força do apoio e peso da experiência familiar, que deu um impacto promissor em sua vida deixando-lhe segura diante de certos fatos que a vida, já nesta fase, lhe começa a impor.
 

O poeta que a viu e vê passar por horas a fio é um homem vivido. Sabe que não pode frustrar uma jovem que sonha com o mundo jurídico. O poeta já percorreu muitas escolas e na pele, traz as marcas das montanhas que teve que transpor para conquistar o seu lugar ao sol. No entanto sabe que mesmo pelo pouco tempo de vivência, a jovem também já transpôs algumas barreiras, tornando-se uma leitora inveterada de livros e até dos simples artigos, crônicas e versos, disponibilizados pelo poeta em seu Blog, que descobrira numa coluna do Diário da Manhã.

 
Ousa dar umas opiniões, fazer uns elogios, enaltecer sua beleza. A mulher que neste texto o poeta se abstém de falar o nome existe e só ele pode vê-la. Quanto a você leitor o poeta diz que ela pode estar na sua sala, próxima à sua mesa, na sala ao lado ou desfilando elegantemente no corredor. Aguce a sua sensibilidade. Observem a silhueta, o trejeito, o caminhar, os olhos castanhos, os cabelos longos castanhos claros caídos sobre os ombros. E o sorriso! Ah! Esse nem se fala! Tudo junto nada mais é do que a expressão de uma poesia lírica. Ela, a quem o poeta vê, jamais adotará posturas defensivas. Ela de quem o poeta fala talvez sequer acredite na vida e nas pessoas. Ela de quem fala não é cética. Crê e aceita o que fazemos e realizamos. A opinião de terceiros é importante e ela ouvirá e digerirá para alimentar a sua alma inquieta. Descubra quem é essa mulher ou então, esse poeta vai acreditar que há ali naquela sala apenas um coração inseguro que quer apoio, ajuda e conquistar o mundo, mas que precisa primeiro conquistar o seu “eu” interior, conquistar a confiabilidade no mundo das palavras que imprimem sonhos e transformam vidas. E o papel do poeta como criador de coisas inimagináveis, irreais, vai promover uma reviravolta na vida de alguns leitores que se perderam na jornada da vida, sendo de fundamental importância que atinem para o fato narrado e deem importância a quem está ao seu lado ou perto, cuja imagem alguns insiste em não querer enxergar. Mais do que nunca você leitor e o poeta, precisam estar conscientes de que a vida imita a arte. E a arte embeleza a vida, dando mais cor e sabor à existência.

1 comentários:

  1. Parabéns Vanderlan! Gostei muito da Crônica, a relação de admiração mútua entre " mestre e aprendiz" me fez lembrar de Pablo Neruda, em O Carteiro e o Poeta.


    Luciano T. Spicacci

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