Bizuca, o tímido.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Quando Mirella apareceu em Pomares ele só tinha certeza de uma coisa: ela era diferente de todas as garotas da cidade. E as diferenças não estavam apenas na aparência. Tinha certeza que já a havia visto, através de uma TV, numa encenação teatral ou talvez, no mundo de sua própria imaginação. Restava-lhe apenas imaginar. A timidez até nos sonhos o dominava, fazia dele um idiota, mas, às vezes, inquietava-se diante de tanta beleza e aí, era difícil segurá-lo: sonhava sonhos impossíveis com Mirella e ela estava sempre do mesmo jeito, sensual, e no mesmo lugar. O interessante é que jamais a conhecera, entretanto, dizia que ela nos seus sonhos, parecia lhe pedir socorro e ser salva de alguma coisa que não conseguia decifrar, e não decifrava mesmo...
 
Antes de Mirella aparecer naquela manhã de primavera, ele estava contando os meses para deixar a pequena cidade de Pomares, mas agora era diferente: Mirella estava ali à sua frente, ao lado do portão, deslumbrante, com o sorriso solto, envolta por uma densa neblina, mas, ainda dava para ver seus lábios, finos, sem batom. A jovem o olhava e ele retribuía ao mesmo tempo em que desviava os olhos. Ela chegou a sorrir enquanto fitava e ele quase chorou diante da invalidez que o impedia da aproximação. Era uma imagem impactante. Mas, ele já sentia que havia algo entre eles, uma atração que não conseguia explicar. Precisava se aproximar, tocar-lhe às mãos, entender o que estava acontecendo, se tudo aquilo era real ou se coisas surreais estavam sendo geradas pela sua fértil imaginação. Mas, para se aproximar, teria que enfrentar o seu próprio medo e a timidez que travava seus passos e o emudecia; Carol, a empregada, supersticiosa, ao vê-lo estático junto à porta compreendia o seu sentimento. Sabia que desde a morte de sua mãe trancava-se no quarto para manusear o computador e vagar pelo mundo virtual à busca de um elo perdido e que, se o encontrasse, talvez mudasse o seu comportamento e o modo de ser.
 
Será que havia algum segredo, um tipo de segredo que não deveria ficar oculto por muito tempo, estocado num lugar qualquer, próximo a um rio, a um lago, a um jardim florido, num espaço qualquer, terrestre ou sideral, um tipo de segredo que poderia mudar a sua vida? Ah, havia sim, poderia, mas, infelizmente, não conseguia decifrar...

O portão se abriu e mal pode esperar para convidá-la a sair de Pomares, uma cidadezinha pacata construída longe de tudo e no meio do nada. Ele morava com seu pai e a empregada Carol, que agia mais como se fosse sua madrasta. O pior, é que ela lia vários livros no afã de escapar da realidade e ter sonhos estranhos como os de Bizuca, como os daquele jovem que sempre aparecia rente a sua janela, um jovem pelo qual ela se dizia apaixonada, só que, jamais conseguiu tocá-lo, como acontecia entre Mirella e Bizuca Cortez. Neste ponto estavam empatados. Eram apenas sonhos.
 
Linda Vasques, sua vizinha, era a mais nova garota na cidade. Voltou recentemente a Pomares depois de cursar Faculdade de Enfermagem na Capital. Agora ela estava morando com seu tio Cordão apelido dado em razão de sua facilidade em “dar nó até em goteiras” nos comerciantes locais. Ele é um recluso, de poucas amizades e sai pouco às ruas, e agora sua bela sobrinha é assunto na cidade. Um alvoroço danado. A rapaziada não se contém. Acontece que ela também era garota dos sonhos de Bizuca e numa certa noite quente de verão vê as duas cruzarem os recantos verdes e repentinamente, se atracarem. Saíram rolando pelo terreno poento e Bizuca, desesperado, apressou os passos passando por uma trilha que parecia sem fim, e como por encanto, perto de um casebre, viu os corpos de Mirella e Linda desaparecerem por detrás das aspirais de uma fumaça escura que saíam de um fogão a lenha. Atônito, com a respiração ofegante e suado acordou. Levantou da cama, olhou pelo quadriculado vão da janela e disse: Graça a Deus! É apenas um sonho!
 
O sentido de toda essa introdução é falar um pouco sobre a timidez e, como membro assumido dessa espécie humana, venho aqui, sem pestanejar, de peito aberto e no afã de revelar aos meus irmãos de infortúnio, como aprendi a burlar em alguns momentos essa perversa e rigorosa timidez. O tímido para existir precisa trapacear sua própria condição e ao navegar sobre o mar de suas incertezas poderá até se tornar um náufrago de si mesmo, não obstante saber que a parte mais emocionante de sua vida acontece no espaço da sua imaginação. Ali, nos recantos verdes onde ele depositava diariamente seus sonhos e daqueles que conseguem sonhar sonhos imaginários, os tímidos se tornam Reis, arrebatadores de corações. Foi andando nesse mundo onírico e utópico, passando por caminhos pincelados pela natureza, sem pedras, sem pó e espinhos é que me senti capaz de ir ao encontro de alguém que certo dia me fixou os olhos. Eu chegava cheio de ginga, fazia charme, versejava palavras sem nexo, decorava-as, pensava antes de falar e até ousava cantar, para, finalmente, conseguir sugar de seus lábios o néctar das flores e matar um desejo ancestral.

0 comentários:

Postar um comentário

 
Vanderlan Domingos © 2012 | Designed by Bubble Shooter, in collaboration with Reseller Hosting , Forum Jual Beli and Business Solutions